118 – OS AMIGOS DO MEU PAI...

A primeira escola que freqüentei foi o duro aprendizado de pescar acompanhando meu Pai em suas andanças, fui conhecendo seus amigos de pescarias e seus amigos foram se tornando meus amigos! Mas o tempo é inexorável, foi levando para outros planos espirituais toda aquela gente tão animada, que faziam até dos momentos mais complicados e difíceis motivos para boas gargalhadas, hoje estou aqui me despedindo do último amigo do meu Pai que também foi meu amigo, e ele é mais conhecido pelo apelido de Chico Surdo, homem honrado, trabalhador, amigo em qualquer situação.

No necrotério, por um bom tempo fiquei ao lado do seu caixão, passei a mão pelos seus ralos e lisos cabelos, ele agora tão sério, mas em vida tão brincalhão, gostava de contar causos e acontecidos de pescarias, honradamente passou pela vida, verdadeiramente um grande amigo...

O Chico Surdo, pessoa sofrida, sofrida por tantas doenças que o acompanharam pela vida toda, era hipertenso, vários infartos, diabético, sofria da doença de chagas, quase surdo passou a usar aparelhos para melhorar a sua audição, no peito carregava um coração caridoso e corajoso, carregava também um marca-passo cardíaco, e nada disto tirava ou abatia o seu ânimo, a sua alegria, e a sua imensa vontade de viver e de pescar, e não importava a distância que teríamos que percorrer, ele sempre, sempre o mais animado de todos na arrumação e preparo de tudo aquilo que fosse necessário levar em uma pescaria, das vezes o encontrava pela nossa cidade, e ele sorrindo, olhando e apontando para o horizonte:

- Com esse tempo, piapara lá no rio Paracatu (mg) ta colocando a cara pra fora pedindo para ser fisgada, e nóis aqui perdendo tempo!

E ele tanto repetia aquela frase até que:

- Ta legal! Você venceu, chama o pessoal, vamos para o Paracatu!

No acampamento ele gostava tanto de pescar como de cozinhar, e nunca comi uma batata frita tão saborosa quanto àquelas que ele fazia, ele descascava as batatas, as partia em grandes pedaços, cozinhava, uma vez cozida escorria a água e deixava secar, quando bem secas, ele fritava as batatas, ficava crocante, saborosíssimas, sabia fritar um peixe como ninguém, o óleo na frigideira esquentando ele logo atirava um palito de fósforo dentro deste óleo, quando a quentura do óleo acendia o fósforo, começava a fritar os peixes, e evitava o ficar revirando a fritura a todo instante, tudo que ele cozinhava era saboroso e saudável...

Ele e o meu Pai tinham entre si largas liberdades e antigas amizades, das vezes meu Pai descuidado o Chico o surpreendia e chutava a sua bunda, das vezes meu Pai na desforra também o chutava, nunca gostei destas brincadeiras, mas eles se entendiam, davam gostosas gargalhadas quando um surpreendia o outro...

Por um longo tempo fiquei ao lado do meu amigo, acompanhei seu caixão até a sua sepultura, onde dele me despedi, sou um tanto emotivo e choro fácil, não de soluçar, quando as lágrimas começam a escorrer não param mais, a cada pá de terra que jogavam sobre o seu caixão, senti que estavam também me soterrando, uma angustia, laço apertando a minha garganta, um gosto amargo a minha boca secando, estonteei, na vertigem desequilibrando foi quando eu vi, nem sei se vi, talvez uma miragem, uma visão, tudo claramente se mostrando, meu Pai conjuntamente com todos os seus amigos de pescaria abraçando o Chico Surdo, talvez tudo isto tenha sido fruto da minha imaginação, um devaneio daquilo que gostaria que acontecesse, acontecendo, e claramente ouvia a voz de toda aquela gente:

- Chico! Seja bem vindo!!

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 31/01/2012
Reeditado em 11/03/2012
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