ADEUS ÀS ARMAS

ADEUS ÀS ARMAS

I

Na periferia de São Paulo, o velho armazém do Nagib é uma prova de que a exceção confirma a regra. De aspecto nada atraente, com balcões de madeira bem surrados, e as prateleiras da mesma forma carcomidas pelo tempo. Mercadorias em sacos sobre estrados, modernamente chamados pallets, a pinga com cambuci e os vidros contendo balas, amendoim japonês, pés-de-moleque, e outros, em cima do balcão. E, de um lado, aquela velha caixa registradora, cujos números são marcados manualmente, por alavancas que deslizam, de cima para baixo, e vice-versa, situadas na parte fronteiriça da máquina, acima da gaveta. Do outro, a máquina de cortar frios, movida à manivela.

Realmente, representa uma exceção aos tempos atuais, onde as grandes redes de supermercados são as que ditam as normas do comércio alimentício, sufocando os pequenos comerciantes que resistem, ou insistem em sobreviver, diante daquelas potências.

Mas, o Nagib ia em frente. Tinha seu público fiel.

Como todo estabelecimento desse tipo, o do Nagib tinha um grupo de frequentadores cativos, que nos fins de tarde aparecia para bebericar e jogar baralho, sueca, scopa, ou tranca. Uns oito a dez!

O local onde ficam, se situa nos fundos do estabelecimento, numa sala que possui a mesa de quatro lugares, o mesmo número de cadeiras, e alguns bancos, tudo de madeira, para acomodar quem não estivesse jogando. Encostados numa das paredes do cômodo, ficam dois barris de vinho do Rio Grande do Sul, e alguns garrafões de cachaça.

Ao lado desse cômodo, existe outro, curiosamente sempre fechado com chave, e um cadeado.

Ninguém nunca soube o que havia ali dentro. Nem a família de Nagib, moradora no mesmo bairro. Há alguns metros do armazém.

II

Venceslau é um dos frequentadores do armazém! Não mora há muito tempo na vizinhança. Uns três anos, mais ou menos. Trabalha no Poder Judiciário da Capital. Funcionário do Estado, então. Presta serviço no Fórum Criminal Mário Neves Guimarães, há mais de 25 anos. Tem uma família muito bonita, Marilda sua mulher, e três filhos. Dois rapazes, Giuliano e Rodrigo, e Tarsila, a moça.

Mantém um ótimo padrão de vida. Carros do ano, um para ele, e outro para Marilda. Além da casa onde reside, muito boa e ampla, por sinal, possui uma chácara em Indaiatuba, num condomínio fechado, de classe média alta. E os filhos, todos estudando em colégio particular de alto nível.

Para um funcionário público, ainda mais, sem título universitário, muito esquisito esse padrão. Porém, é voz corrente, havia recebido uma herança muito grande, de um tio solteirão, milionário.

III

Em quase todas as noites, após os encontros no armazém do Nagib, enquanto os amigos vão para suas casas, Venceslau sempre fica mais algum tempo. É a hora de conversar particularmente com o comerciante.

Entre os outros, alguns começaram a ficar intrigados com esse tipo de coisa. O que será que eles falavam?

- Estranhos essas conversas entre o Nagib e o Venceslau, não?

- Também acho! É muito desagradável, para nós, esse tipo de segredinho!

Esses eram os diálogos entre os parceiros do happy hour.

- Outro dia, me pareceu, disse um deles em certa ocasião, que naquela noite chegaria algo no armazém. Não ouvi direito as palavras do Venceslau! Não saberia dizer o quê!

Combinaram, então, dois deles, de ficar na espreita.

Já alta hora da noite, viram um pequeno furgão estacionar defronte ao armazém. Nagib abriu uma das portas da venda, olhou para os dois lados, e deu sinal para descarregarem a mercadoria. Não era muita. Apenas meia dúzia de caixas, do tipo de sapato. Em não mais do que dois minutos o trabalho havia sido executado.

IV

Na manhã seguinte, os jornais estampavam a manchete:

“DESCOBERTO O SUMIÇO DE ARMAS DO FORUM CRIMINAL”.

E, em letras menores:

“Presos antigo funcionário do tribunal, e o receptador, comerciante

dono de armazém da periferia”.

Aristeu Fatal
Enviado por Aristeu Fatal em 30/01/2012
Código do texto: T3470316
Classificação de conteúdo: seguro