OS GÊMEOS
Com um misto de surpresa e apreensão, Paulo e Lúcia receberam a surpreendente revelação: Não teriam um filho e, sim, dois!Dois meninos!
Prepararam o quartinho lindamente decorado, os dois bercinhos, duas cadeirinhas, o carrinho duplo, brinquedos, roupas, fraldas em profusão e tudo mais que compõe o universo de um bebê (ou dois) esperado (s) com plena satisfação.
Chegou o Grande Dia, a ida ao hospital, a ansiedade, a expectativa e, horas depois, a tranqüilidade no aconchego do quarto confortável com os dois bebês acomodados em suas caminhas, lindos, muito louros, absolutamente iguais, para encanto dos pais e de todos que os visitavam.
O Papai acorreu pressuroso e colocou, nos bracinhos, as pulseirinhas com os respectivos nomes, Mateus e Tiago,
dizendo:
- Eles já têm uma identidade. Não correm o risco de serem confundidos.
Tudo parecia perfeito, mas aconteceu uma coisa terrível.
Poucas horas após o nascimento, sem um motivo aparente, o Mateus, faleceu.
Os médicos diagnosticaram:
"Órgãos vitais mal formados. . . Insuficiência respiratória. . . parada cardíaca. . ."
Aos pais, profundamente entristecidos, não interessava a causa. Tudo que sabiam é que não levariam para casa os dois filhinhos, que ficaria um berço vazio no quarto das crianças e uma enorme lacuna em seus corações.
Foi então que, uma enfermeira comentou que havia nascido um menino que a mãe indigente manifestou o desejo de dar para adoção.
— Mas, coitadinho! Dificilmente será adotado. Além de ser negro, o que sempre é um empecilho, é uma criança deficiente, defeituosa. Acho que irá mesmo para alguma instituição de caridade, continuou tagarelando a mulher.
Marido e mulher entreolharam-se. Uma idéia arrojada nasceu simultaneamente em suas mentes e foi em uníssono que indagaram um ao outro:
— Vamos adotá-lo?
Foram vê-lo no berçário. Lá estava ele na incubadora. Parecia um bonequinho desengonçado. Olhos fechados, respirando com dificuldade, absolutamente indefeso diante do Mundo hostil que o recebia a contragosto recusando-lhe o direito de um lugar ao sol.
Paulo e Lúcia sentiram uma ternura muito grande por ele e não tiveram qualquer dúvida, aquele era o filho que Deus lhes enviava por um estranho caminho.
A intenção de adotá-lo firmou-se e eles sentiram que seria
capazes de qualquer coisa para que isso se concretizasse
Todos tentaram dissuadi-los da idéia.
O médico explicou que aquela criança tinha muito pouca chance de sobreviver e que, se o fizesse, dependeria de muito tratamento posterior, muito trabalho e atenção e que, mesmo assim, seria, provavelmente, sempre, uma pessoa deficiente, incapaz.
Os parentes e amigos ponderaram:
“Criar dois filhos ao mesmo tempo já é difícil, se um deles for doente, então, pior ainda!”.
“Um filho adotivo ao lado de um biológico, nunca dá certo! ``”.
“Uma criança negra numa família de brancos é, sempre, problemático! “
" Isto é uma loucura!"
Trouxeram até um psicólogo que tentou convencê-los de que estavam agindo movidos pela emoção e que, quando caíssem na realidade, iriam se arrepender.
Nada, porém os demoveu de seu intento.
“Se é loucura, então, é melhor não ter razão”
O juiz, embora achasse que eles não eram os pais ideais para aquela criança, acabou despachando favoravelmente, ciente de que, muito dificilmente apareceriam pais mais adequados.
Paulo e Lúcia começaram a palmilhar o longo e doloroso caminho que os levaria até a realização de seu intento: fazer do Mateus um homem saudável e feliz.
Não foi fácil. Houve momentos de cansaço, de desânimo, de angústias, mas, nunca, de arrependimento.
Os dois meninos cresceram lado a lado e Mateus, seguiu sempre um passo atras do Tiago. Nunca conseguiu alcançá-lo, pois milagres não existem.
Tiago já usava o colher e Mateus ainda usava a mamadeira.
Quando Mateus começou a engatinhar, Tiago já corria pela casa.
Tiago lia correntemente e Mateus apenas soletrava.
Mateus cursava, ainda, o primeiro grau e Tiago já se preparava para o Vestibular.
No ano que Tiago se formou, Mateus entrou na Faculdade.
Embora deficiente Mateus conseguiu o necessário para uma sobrevivência digna.
Os dois, como todos irmãos que se prezam, tinham suas rusgas, seus ataques de ciúmes, mas, no fundo, se estimavam e se defendiam sempre.
Quando algum colega insolente perguntava ao Tiago:
— Quem é esse negrinho desengonçado que está sempre com você?
Ele respondia:
— É meu irmão.
— Seu irmão? Você está brincando!
— Sim! Ele é meu irmão gêmeo.
E então? O que você acha?
“Se é loucura, então, é melhor não ter razão”?
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