Conto urbano: Um dia de sol

Andava desviando das poças d'água da calçada.

Apertei o passo, mas o sinal fechou justo quando estava para atravessar a rua.

Sem qualquer razão voltei-me para cima. Estava um dia claro, de céu limpo, com algumas tímidas nuvens brancas. A chuva de ontem pareceu apenas um sonho ruim, daqueles que a gente se esquece quando acorda.

Dias perfeitos como esse dão a sensação de que algo incrível está prestes a acontecer. Mas ao mesmo tempo, me deixam com uma estranha melancolia.

Não que eu esteja infeliz ou que tenha algo grave com que se preocupar.

O sinal abriu e voltei a caminhar.

Mais à frente, um morador de rua estava se levantando. Preguiçoso, começou a ajeitar o cobertor encardido. Todos passavam pela rua desviando dele indiferente. O homem era completamente invisível.

Morando tanto tempo nesta cidade, a gente se acostuma com tanta coisa ruim. Mas nunca se acostuma com a solidão e a indiferença das pessoas.

É estranho que nessa cidade cheia de gente, alguém possa se sentir sozinho.

Bem, eu também nunca fui muito bom com as pessoas. Meus poucos amigos de escola, não tenho noticia desde a formatura. O que estariam fazendo hoje? Será que algum deles realizou seu sonho? A única coisa que sei é que cada um seguiu seu caminho, e que agora, aquele tempo, não passa de uma vaga lembrança.

Dizem que tudo que acontece na vida é predestinado, coisa do destino. Outros dizem que tudo que acontece na vida não passa de uma grande coincidência. Aliás, um monte de coincidências sucessivas.

Talvez seja só uma questão de sorte ou azar, de estar no lugar certo, no momento certo. Sinceramente, eu não sei.

O certo é que o caminho das pessoas se cruzam a toda hora. Na grande maioria das vezes, não se dá muita importância e acaba passando despercebido.

A avenida já estava bem mais movimentada. Pisei propositadamente numa poça d'água e fiquei olhando as ondinhas turvarem o reflexo dos prédios.

Às vezes, por algum detalhe ou uma razão qualquer, um caminho acaba afetando o outro, e quanto menos se espera, os caminhos se desviam e a vida muda completamente.

Ao procurar por um poste de relógio, do outro lado da avenida, vejo uma moça apressada, indo em direção contrária. Era um rosto conhecido, inconfundível.

Já estava em cima da hora para a entrevista. Mas afinal, estava um dia realmente bonito, então escolhi atravessar e tentar alcançá-la.

Sabe, é uma dessas coincidências predestinadas da vida.

Oi Gabriela, tudo bem?

--

Nov/2011

Miguel do Lucari
Enviado por Miguel do Lucari em 13/11/2011
Reeditado em 01/08/2020
Código do texto: T3334235
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.