ENROLANDO SILÊNCIO

Com um pote na mão, cabeça baixa, na soleira da porta Tamires perguntou- Dalva, tens um pouco de açúcar para emprestar?

A outra abriu um sorriso e falando sempre pelos cotovelos, dos afazeres, da rotina cansativa de uma dona de casa e do marido, convidou-a a entrar.

Tamires, o olhar encabulado, ouvindo-a querendo desviar a atenção da palavra “marido” seguido da forma física sem atrativos daquele depravado.

A cozinha ficava no final do corredor, mas com o rumo que tomava a conversa parecia estar a um quarteirão da sala.

Reparou nas ancas roliças da outra gingando para os lados num ritmo que podia acelerar com os toques daquele sequestrador de sonhos eróticos de uma pobre noiva.

Gabriel, o marido: pervertido. Desprovido de qualquer pudor catava a esposa na frente de qualquer visita. Emaranhando-se nos cabelos cacheados dela, escondendo propositalmente um olhar safado para Tamires, como se a convidasse para o bacanal. “Ai”, arrepiou-se toda, sacudida involuntariamente, atrás de Dalva. “Ela não percebeu” pensou Tamires “ou está preocupada em disfarçar a bagunça na pia ou as manchas arroxeadas do pescoço. À noite fora daquelas...”

“Fala alguma coisa mulher!”, Dalva a incentivava, querendo saber a data do casamento e se continuava se guardando para o inevitável e, caía na gargalhada. Tamires travava. Não sabia ao certo o por que conversava com as amigas sobre intimidades sexuais. Mas com essa, parecia uma traição dizer que andava de amasso tímidos e apesar de saber-se amada, fazia alguma restrições. Absurdas, mas fazia: nos seios não! Nas nádegas, “que nádegas?” dizia Dalva: “Deixa de ser esnobe! Na bunda!”

Tamires fechava a cara, não de brava, mas envergonhada. O noivo apaixonara-se por ela, justamente pela sua quietude. Dizia que Tamires enrolava silêncio, entrelaçando as mãos ora no colo ora no ar, quando não tinha onde se apoiar. Dalva ao contrário, tinha um certo desprendimento pelo vandalismo sexual do marido. Contava suas relações, omitindo os detalhes picantes, quando Tamires, sentada sempre na mesma cadeira, no mesmo lado, nervosamente entrelaçava os dedos, suando frio, completamente muda.

Mas, empolgada, Dalva, relatava que, na época do namoro com Gabriel, ele nunca respeitou os sofás de sua sala, portão, muros e se não o freasse, até a cama de seus pais seria bom lugar. E ria ao mesmo tempo em que reclamava de dores no corpo. – “O Gabriel estava impossível, hoje de madrugada.” Mais risos. Contou que faria uma viagem e deu um “trato” nela para não ter surpresas na sua volta... Tamires achou aquilo desnecessário. “Imagina, a Dalva trocá-lo por outro”, pensava, com um meio-sorriso, agora aliviada. Ele não estava em casa, poderia levantar os olhos dos móveis, respirar regularmente, parar de suar como louca...

E vislumbrar aquele monstro de um metro e oitenta e cinco, com um bigode que tampava a boca de lábios grossos, queria crer que fossem assim, pelo tamanho das mordidas no pescoço da outra. Não era bonito, cafajeste era uma boa definição, pernas longas e cobertas de pelos , um pouco separadas uma da outra. Não que tivesse reparado. Mas, ele era do tipo exibido, fazendo questão de mostrar as belas formas. Impossível ser indiferente. As mãos exageradamente grandes cobriam provavelmente todo o seio da Dalva, estabelecendo assim um prazer indescritível. Arrepiou-se. A amiga reparou. Riu, achando que se lembrava das investidas tímidas do noivo e a encorajou a ir além. Assim, não se decepcionaria na primeira noite. Além do mais, casar virgem aos vinte e cinco anos, era um pecado.

Tamires não concordava, dizia-se romântica. Queria todo aquele clima dos tempos antigos. Tudo zerinho, inclusive seu corpo. Arrepender-se fazia parte de qualquer época da vida de um ser humano. Gostava de uma frase de efeito e a outra argumentava, falando do Gabriel.

Daquele olhão claro, despindo a gente. E a pegada? Humm... E apertava os lábios, encostada na pia cheia de louça suja, o açucareiro de Tamires transbordando.

A noiva, agitada, passava as mãos pelos cabelos, à boca seca, o corpo trêmulo. Precisava sair dali... Deu um salto da cadeira; “Tenho de ir, estou atrasada. “Dalva sem entender nada, acompanhou-a ainda falando”. “ Casa logo guria pra ti ver o que estás perdendo. Se bem que igual ao meu Gabriel, só inventando!

Morando a duas casas da outra, Tamires se viu correndo pela calçada, esparramando açúcar para todo lado. Queria chegar em casa, tomar um banho gelado, trocar aquela imundície de roupa impregnada com as canalhices do Gabriel. O noivo? “ Vou ligar para ele. ficar bonita, pentear o cabelo, escovar...Vou deixar de ser virgem. Isso! Vou transar com o Gabriel. Gabriel? Tô louca, que é isso?! Henrique, Henrique, vou casar com ele. Eu o amo, amo.

E assim repetia, esfregando o corpo com sofreguidão, debaixo do chuveiro, de onde só saiu quando a mãe gritou pela milésima vez “Vamos ficar sem água no reservatório. Tatá.”

Aliviada, por estar longe dos pensamentos nefastos, limpa das tentações, Tamires foi esperar o noivo no portão. Não havia necessidade de telefonar. Sempre se encontravam antes de ele ir para a faculdade.

Sentou-se no muro, olhando para o início da rua. Daqui a pouco ele apontaria. Peito estufado, mexendo os ombros, a cabeça para o alto, parecendo não querer perder nada de vista. Abriria um sorriso quando a visse e ela pularia no pescoço dele.

Olhou o relógio, estava adiantado, concluiu. Perguntaria a quem passasse para acertá-lo. Quando levantou os olhos, deparou-se com o libertino do Gabriel. Amoleceu. As pernas bambearam, a boca abriu numa exclamação muda de protesto.

Ele, estendendo os braços hipnotizando-a com aquele olho arrancando suas roupas... Tamires perdeu a razão, a cabeça esvaziou-se de qualquer pensamento lógico. O fato de estar na rua, no muro, a Dalva, a sua conversa reveladora há pouco...

Queria, queria só isso. As ideias lhe saltavam: “Pode ser aqui, na tua cama, onde tu quiseres...” Enlouqueceu dizendo isso, não se reconhecia de olhos apertados. Talvez se não olhasse para o cretino, não haveria culpa. Os braços, que parecia conhecer a anos, apertaram-na pela cintura. “Ele sentiu minha falta”, pensava Tamires delirando. Pediu que a tocasse com intimidade, onde quisesse, era sua. Ele mordiscou lhe a orelha, sussurrando algo familiar, fazendo-a lembrar do noivo, a razão voltou.

Abriu a boca para recusar o beijo, gritando seu nome para certificar-se de que não estava sonhando: “GABRIEL!”

Em segundos seu corpo foi sacudido com violência, acreditando que o prazer carnal fosse implacável com os principiantes, Tamires gemeu extasiada.

-Acorda Tamires! Quem é esse tal de Gabriel?...

RÔCRÔNISTA
Enviado por RÔCRÔNISTA em 29/10/2011
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