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O PORTA-RETRATOS

Deolinda foi até a repartição onde seu marido trabalhara para cumprir a dolorosa tarefa de apanhar os pertences deixados por ele quando alguns dias antes sofrera um mal súbito durante o expediente e viera a falecer.
 Celular, óculos, agenda, miudezas e um porta retrato com a foto de uma bela moça com a dedicatória “Com muito amor da Gi”.
 A secretária percebendo o espanto de Deolinda, disse que o Dr. Adolfo tinha dito que aquela era sua filha.
- Nós não temos filha!
À surpresa seguiu-se a raiva:
 - Esta deve ser a p... ou a filha dela!
Fez menção de atirar o porta-retratos pela janela, mas a moça segurou-lhe o braço:
  -Não faça isso! Pode machucar alguém lá embaixo. Deixe que eu coloco na lixeira.
  - Não! Eu vou levar essa foto e hei de encontrar essa pilantra e manda-la para o inferno.
    Saiu levando o porta-retratos.
    No ônibus, voltou-se para uma senhora que sentou-se ao seu lado:
  - Por acaso você conhece esta moça?
  - Não. Acho que nunca a vi.
  - Pois eu estou procurando por ela e quando a encontrar vou mata-la.
    A mulher ficou meio assustada e quando vagou outro lugar saiu de perto dela.
     O ônibus estava lotado. No meio de tanta gente, quem sabe alguém lhe dava a informação que desejava?
     Levantou-se e foi passando de um a um perguntando se sabia quem era aquela moça.          
     Ela parecia meio maluca, uns riam dela, outros se apiedavam e outros ficavam meio temerosos do que ela podia fazer de repente.

     É claro que não conseguiu nenhuma informação.
     Por fim, tomando consciência do papel ridículo que estava fazendo, sentou-se e começou a chorar baixinho.
    Uma jovem sentou-se a seu lado e puxou conversa com ela.
  - Que moça linda, é sua filha?
    Estava muito perturbada, parecia estar vivendo um pesadelo desde o momento que soube do que acontecera ao marido, mas a moça era simpática e sem saber por que sentiu vontade de conversar com ela.
    Mas não quis contar a verdade. Limitou-se a responder:
  - É nossa filha. Do meu marido e minha.
  - Que beleza! Eu fico emocionada quando vejo uma família bem constituída, com pai, mãe e filhos juntos.
   Continuou:
  - Eu não conheci meu pai. Na verdade não conheci ninguém da minha família, pois sou a filha de uma jovem que se apaixonou por um homem casado que não quis assumir a paternidade e sumiu da vida dela.
    Rejeitada pela própria família minha mãe sofreu muito, morreu cedo e eu fiquei ainda criança completamente desamparada andando daqui pra ali, trabalhando em casas de família em troca do sustento.
    Desculpe, não sei por que estou lhe dizendo essas coisas. Deve estar pensando que sou dessas que ficam contando sua vida para todo mundo.
   - Imagine! Estou gostando de conhecer você. Eu estava precisando conversar com alguém. Estou muito triste, pois acabo de perder meu marido.
   - Oh! Sinto muito. Mas ficou a filha para seu consolo, não?
   - É
   Deolinda não sabia explicar como mudara tanto de humor nesses poucos minutos, mas a verdade é que estava sentindo-se bem melhor.
   E a outra continuou: 
 - Você não acha que os homens deviam ser mais responsáveis? Por que só a mulher deve carregar a culpa de um erro que foi dos dois?
 - É claro!
    O ônibus parou. A moça despediu-se e desceu.
    Deolinda ficou pensando no que acabara de ouvir. Parecia que aquela garota aproximara-se dela para chamar-lhe à razão.
   Que culpa tinha a Gi do que os pais dela fizeram? Se o Adolfo tinha errado, o mínimo que tinha a fazer era arcar com a consequência.
   A Gi era a vítima dessa história. Que bom que o pai não a abandonou de todo.
  Veio-lhe a mente um verso de Raimundo Faria referindo-se ao filho bastardo: ”É o produto banal de um encontro casual entre um homem e uma mulher numa cama qualquer...” 
  Chegando a casa, guardou o porta-retratos em uma gaveta onde guardara os documentos e demais objetos de uso pessoal dele.
    E a vida continuou...
 
 
 
 
 
 
 Este texto pertence ao desafio PORTA-RETRATO
 Veja os demais textos:
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Obrigada pela visita
 
Maith
Enviado por Maith em 09/09/2011
Reeditado em 09/09/2011
Código do texto: T3209310