Linguarudas à Solta

Como todo dia, dona Estela, Estelinha para os amigos, sai de casa bem cedinho para trabalhar. Ela trabalha na feira, pelo qual dia após dia se encontra em lugares diferentes da cidade, pronta para vender suas mercadorias: doces e geleias feitos em casa. O dia de hoje está ensolarado, graças a Deus, depois de um tempo fechado que não animava ninguém a sair de casa, pelo qual as vendas estavam ruins. Estelinha sentou atrás da sua barraquinha, muito bem arrumada, e esperou pelos fregueses. Enquanto isso, ela começou a olhar em volta, para ver se achava alguém conhecido, e depois de não achar ninguém abriu seu livro e começou a ler um pouco para se distrair. Não acabou de terminar um parágrafo quando veio um cliente, já conhecido, que lhe pediu a geleia de morango e um doce de leite com maracujá desses que vinham no vidro grande. Depois, uma moça, Sandra, se avizinhou e começou a conversar com Estelinha: -Bom dia Estelinha! Saudade de você! Faz tempo que estava querendo falar com você, sabe, botar o papo em dia...

-Sandra, amiga! Faz tempo mesmo que a gente não se vê, você está linda! Macaquinho novo hein! Ficou muito bem em você. Venha, sente aqui comigo, ainda não começou a chegar a clientela, temos um tempinho. Me diga, como está Carlota? Continua doente?

-Caraca Estelinha, se te falasse! A coitada da Carlota está doente de não poder sair de casa, e sabe o que o safado do marido dela fez? Fugiu de casa com a amiga dela! Você acredita? A Carlota está deprimida, e os filhos não sabem o que fazer, porque não quer continuar o tratamento da doença.

-Meu Deus! Que que isso! O seu Daniel era um senhor de respeito! Mas bem que eu lhe disse a Carlota que isso de ficar com a amiga em casa um dia sim e outro também era ruim... e os filhos, falam com o pai?

-A menorzinha ainda fala com ele, mas os outros ainda estão muito chateados com ele... olha lá, Estelinha! Ai vai a amante do Daniel. Olha lá essa loira tingida, a que está comprando tomate. Você pode ver, como pode o Daniel trocar a Carlota, tão bonita, tão gente boa, por essa baranga! Me disseram que ela era muito linda, mas deve ter sido há muito, porque agora está gorda que nem baleia...

-Caramba, Sandra! Que mau gosto do seu Daniel! Essa mulher é feia e gorda! Fala sério! Mas é assim... veja lá aquela outra, a moreninha, baixinha como é e veste essas roupas largas, parece um bolinho andante! Você tinha que ver menina, ela era a coisa mais linda, mas cismou de fazer regime, eu disse que não precisava, que não ia conseguir manter a dieta, e já vê você, ela agora está com o dobro do peso... Eu fico com pena dela, era tão bonita, até o Mauro, o da barraquinha de pastéis, dava em cima dela!

-Poxa, coitada da mulher... Estelinha, eu queria mesmo era saber uma coisa: aquela mulher, sua vizinha, aquela da casa verde ao lado da sua, é verdade que ela fez tatuagem nas costas?

-Hum, deixa eu me lembrar. Você está falando de Julia, a filha de dona Pereira? Do que soube, e olha que eu não falo muito com meus vizinhos (cá entre nós, eles são fofoqueiros pra caramba, e eu não gosto que se metam na minha vida...), ela tinha feito uma tatuagem no peito, quando estava namorando o motoqueiro baiano, mas nas costas não soube não. Poxa, esta juventude não tem mais respeito pelo próprio corpo! Tatuagem é uma coisa tão feia! O corpo fica todo marcado, e se depois a moça quer arranjar emprego decente ou se arrepende, não pode mais tirar! Eu pessoalmente odeio tatuagem, é uma coisa de tão mau gosto! Mas acho que a dona Pereira não está nem ai para o que as filhas façam...

-Bom, Estelinha, eu só perguntei, porque me disseram que a moça tatuou o nome do namorado nas costas, e tinha curiosidade de saber o nome dele...- Enquanto as duas conversavam, um cliente se avizinhou à barraquinha e ficou olhando os produtos. Depois de uns momentos de decisão, ele tomou um pote de geleia de goiaba e outro de cocada cremosa com ameixa, e perguntou o preço. Dona Estela, depois de te-lo vigiado pelo canto do olho enquanto examinava a mercadoria, se levantou com ar apático e disse: -Ah, moço, esses dois estão por 19 reais os dois. Aproveite que é bom negócio!- ao que o cliente replicou: -Mas é muito caro!- depois do qual se afastou.

-Ahhh, essas pessoas que só sabem fazer perder o tempo! Muito caro, se você soubesse Sandra, o trabalho que dá fazer esses doces! E ele pegou os vidros grandes, esperava o que? Eu acho que não vou aguentar muito mais tempo vir à feira sabia? Minha saúde está fraca, acordo sempre com rinite, e às noites as palpitações do coração não me deixam, além do mais desde que minhas costelas se quebraram meu lado direito dói muito no frio... e tenho que aguentar ainda caras feias dos clientes!

-Pois é Estelinha, ninguém merece não... mas bom, amiga, estou indo, tenho que chegar cedo no serviço para ver se consigo que o chefe me libere cedo, hoje tem festa na casa da minha irmã. Amei falar com você! Me venda um desses potes pequenos de geleia de uva, que minha sobrinha ama de paixão!

-Está bem amiga. Gostei de falar com você. Se visitar a Carlota diga-lhe que a penso muito, que quando eu estiver bem das pernas eu vou visita-la. Sabe como é, no frio meus ossos doem muito... - Depois do qual dona Estela guardou o dinheiro da geleia no caixa e sentou de novo, vendo sua amiga se afastar por entre as barracas da feira. Depois de uma meia hora muito ocupada, com mães tratando de escolher entre os doces enquanto crianças choronas lhes pediam para comprar este ou aquele, clientes habituais que já sabiam o que comprar e muitos outros, dona Estela sentou-se de novo. Na barraca vizinha, uma senhora de cabelos pretos estava muito ocupada brigando com o vendedor de peixes porque o salmão estava muito pequeno. Depois de reparar um pouco nela, dona Estela reconheceu-a: era sua afilhada, Maria Amanda. -Eita menina mais barraqueira!- pensou dona Estela. Depois, quando a senhora saiu da barraca de peixe e se encaminhou pela rua, passando frente à barraca de dona Estela, esta ultima chamou-a: -Afilhada! Vem cá filha! Deixa eu te dar um abraço!

-Estelinha! Como a senhora está? Muito frio?

-Que nada, filha, estou ótima, o sol está uma beleza, e hoje o movimento está sendo uma maravilha. Mas me diga, como está sua mãe?

-Ela está bem, graças a Deus, só um pouco gripada.

-Engraçado, agora há pouco passou aqui sua cunhada, a Sandra! Estava linda, mas hoje estava usando um macaquinho do mais desavergonhado. Era curtinho curtinho! Seu irmão deveria dizer-lhe à mulher como se vestir! Não fica bem uma moça assim ir trabalhar com uma roupa dessas, mais que vai a um lugar cheio de homens. Você sabe como são os homens, ficam olhando o que não devem... e fica mal para seu irmão!

-Ahh Estelinha, eu não falo nada. Isso é coisa deles, eu já vi a Sandra usando esse macaquinho, é curto mesmo, e outras pessoas já me disseram isso que a senhora me disse, mas, o que posso fazer eu? Ela é assim, faz o que lhe da na telha, e é melhor não falar nada porque ela fica chateada, você sabe como a Sandra é pavio curto!

-Pois é, qualquer coisa ela já está brigando feito louca. Mas enfim, o que foi que aconteceu com o peixeiro?

-Po, Estelinha, nem me lembre, o cara tinha duas postas maravilhosas de salmão na vitrine. Ai eu pedi quatro, para a família toda, né, e o sem vergonha vai e tira da geladeira umas postas mixuruca, não davam nem para uma pessoa! Eu disse que queria todas do mesmo tamanho, mas ele não estava nem ai. Ele disse que desse tamanho só tinha duas, que o resto veio pequeno, que se queria vendia seis pelo preço de cinco. Ai eu já me indignei e fui embora. Essas pessoas acham que podem brincar com os outros!

-Bem, filha, é assim, esse cara é um grosso, ninguém aguenta ele, na verdade nem sei como consegue ainda sustentar a barraca dele. Você não é a primeira cliente que discute com ele, você tinha que ver! Hoje até que esteve bonzinho, porque geralmente é um cara horrível!

-Bom, assim como ele é grosso um dia alguém vai cortar o barato dele. O que vai volta, sabe esse ditado: quem cuspe ao céu recebe de volta a cusparada no rosto! Mas e ai Estelinha, como estão as filhas? Tempão que não vejo a Aninha e a Carmelinha!

-Elas estão bem... espera ai, filha, vou atender a cliente aqui.- Dito isso dona Estela se levanta e atende a cliente. Enquanto isso duas outras pessoas se avizinham. Uma pede por favor uma caneta, mas dona Estela, resmungando, diz que não tem. Depois de atender a nova clientela, ela volta ao seu lugar junto da afilhada, e diz: -Pode crer! O homem achou que isto aqui era papelaria! Caneta eu! Mesmo que tivesse, porque teria que dar a um perfeito desconhecido? É ruim!

-Não faz caso Estelinha, as pessoas são folgadas mesmo. Melhor me diga, é verdade que sua amiga, a Márcia, está indo dançar com um homem casado?

-Márcia? Não, ela sai junto com a gente aos domingos, a gente vai ao baile de sempre, mas ela não está dançando com ninguém em especial (se bem que, aqui entre a gente, eu acho que ela está caidinha pelo Romeiro, que, se bem não está casado, mora junto com a Gisele há um tempão). Geralmente a gente sai com o Federico, e ele dança com uma enquanto as outras dançam com os amigos que encontramos lá. Poxa Amandinha, porque você não fala para sua mãe vir com a gente? Ela precisa se distrair, está muito decaída desde a morte do Herácles!

-Estelinha, a senhora sabe como é minha mãe. Ela ama ficar em casa, curtir a novela...

-Ai meu Deus- interrompe dona Estela-novela! Eu detesto novela, é uma vagabundaria só. Novela não tem nada que preste, e ficar em casa é entediante! Não entendo como sua mãe aguenta isso! Eu fico louca para que chegue o domingo e eu possa sair, mesmo que o Gervásio não vá comigo. Quem perde é ele! E mesmo assim eu o faço sair comigo às tardes, porque bem que mereço um passeio depois de ralar como doida fazendo doces e aguentando o tempo todo na feira!

-Caramba, tio Gervásio! Como vai ele?- pergunta Maria Amanda.

-Ele está bem, amanhã tenho que lhe marcar consulta no oftalmo, está vendo cada vez menos o coitado... você acredita que a Suelem, a filha do seu Manuel, está grávida? E o namorado é bem mais velho que ela, além do mais, casado!

-A Suelem? Mas ela é tão boa, tão caseira! Quando que arrumou namorado casado?- pergunta Maria Amanda com ar de espanto.

-Ahh, filha, não me pergunte, eu não gosto de falar da vida dos outros. Só soube que o neném está quase por nascer. Pobre seu Manuel, ele perdeu uma filha, o filho divorciou, o sobrinho que mora com eles está desempregado e fica em casa jogando no computador o dia inteiro, e ainda por cima isso! A mulher dele já disse que não vai mais criar bebê nenhum, e não a culpo.

-Coitada da Suelem. Tão novinha e já com filho. Espero que arrume um emprego e consiga se virar, porque na casa dela já moram muitos...- de novo dona Estela interrompe: -Amandinha, olha lá esse moço de bicicleta, todo bombado. Você acredita que ele ficava paquerando minha Carmela? Era até engraçado, ela nem dava bola para ele, e ele ficava dizendo para todo mundo que ela era o amor da vida dele, que estava afim de casar com ela, etc... só que depois acho que o garoto foi para o outro time!

-Poxa Estelinha, esse mundo da voltas mesmo, quem dissera, virou para o outro time! E a Carmelinha não ficou triste?

-Que nada, ela estava namorando o Fernando na época. Agora eles estão noivos e tudo o mais. Iiixi, já vem ai o seu João. Vai ver, ele está indo para o bar da esquina. Tão cedo e ele já vai beber. Vai ver filha, quando ele voltar ele vai estar que não consegue se manter em pé!

-Ele não é médico? Não está de turno? - Maria Amanda coloca a mão nos olhos para os proteger do sol e poder, assim, ver melhor o homem que está passando com andar apressado. -É o médico, estou segura!

-É sim, filha, mas quem é que diz alguma coisa? Você sabe como é a saúde pública, o médico pode chegar à hora que quiser, fazer o que bem entender... Mas bom, Amandinha, acho que já está na hora de ir arrumando minhas coisas. O horário de feira está quase acabando, e eu demoro para guardar tudo. O Gervásio vai chegar daqui a pouco para ajudar a desmontar a barraca. Foi muito bom falar com você filha, o tempo assim falando passa voando!

-É verdade Estelinha. Bom, eu também estou já indo, tenho que pegar as crianças na escola e ainda não terminei de fazer as compras: tenho que passar na farmácia e comprar uns pastéis antes que feche a barraca dos pastéis! Beijos.

-Fala com tua mãe que se ela quiser, sábado a gente vai viajar para a cachoeira, se ela quiser vir. Vamos o Gervásio, eu e nossos amigos, então ela pode ficar a vontade que conhece todo mundo. Ela tem que sair de casa!

-Eu vou falar sim, ai depois te aviso se vai ou não. Se der mole a gente vai junto. Meus filhos adoram cachoeira. Bom, estou indo. Depois nos falamos! - Assim dizendo, Maria Amanda levantou-se, pegou suas sacolas de compras e se afastou lentamente. Dona Estela começou a encaixotar os doces e geleias que sobraram, esperando a chegada do seu marido para terminar de desmontar a barraca. Enquanto isso, pensava:-Essas meninas de hoje em dia, ficam perguntando da vida dos outros. Ainda bem que eu cuido dos meus assuntos e não dou satisfação da minha vida a ninguém! Com tanto fofoqueiro que há neste mundo...- Quando chegou Gervásio, eles arrumaram tudo e foram embora. Mais um dia de produtiva feira tinha terminado.

Viviana Carolina
Enviado por Viviana Carolina em 06/08/2011
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