As boas novas não caem do céu...

Agenor sabia que as boas novas não caíam do céu, nem mesmo de um céu tão generoso como aquele que lá fora se via.... Mesmo assim, Agenor não deixava de acreditar que a qualquer momento, uma carta, um telegrama, um e-mail, um toque na campainha, ou, até mesmo, um simples telefonema poderia mudar o seu destino e o de Eulália, a estelar e solidária companheira das horas certas e das incertas também...

Agenor dizia-se um otimista incorrigível, achava que tudo poderia ser diferente de uma hora para outra, daqui a pouco, no próximo minuto, num amanhã qualquer...

Era verão no hemisfério sul. A tarde caía sem pressa. Já passava das seis, quando o telefone toca. Agenor assusta-se com a inesperada chamada. Deixou-o tocar uma, duas, três, quatro vezes. Enquanto isso, consigo mesmo, especulava quem poderia vir a ser o virtual interlocutor...

(...) Seria Eulália, solicitando a sua presença no ponto de ônibus, um ex-camarada da juventude que se perdera na longa estrada da vida, ou, seria um interurbano de quem atravessara céus e mares atrás da felicidade...

(...) Quem sabe um corretor oferecendo gavetas verticalizadas de alto padrão para além da vida, ou, teria sido apenas mais um engano de alguém, que, ansioso e apressado, discara ou digitara o número errado...

Agenor lembrou-se até mesmo daquele único currículo enviado no começo do ano, e no qual depositara todas as suas fichas...

Agenor pensou em quase tudo, e, antes que o quinto toque se consumasse, ele tira o telefone do gancho, antecipa-se à frigidez da secretária eletrônica, desfaz o emaranhado do fio, enroscado de tanto desuso, clareia a garganta, e solta um nítido e contundente... “Alô...”

Do outro lado da linha, uma voz feminina, suave e bem articulada dá início à conversação:

“Boa tarde, senhor. O titular da linha telefônica se encontra ?”

Agenor reflete por um instante:

“Bem, o titular é a minha esposa, Eulália, mas ela não está no momento. Se houver algo em que eu possa ajudar...”

“Creio que sim, senhor”, prossegue a anônima voz.

“Como devo chamá-lo, senhor ?

“Agenor”, responde prontamente.

“Pois bem, sr. Antenor”

“A-ge-nor”, Quase soletrando o próprio nome, Agenor apressa-se em desfazer o mal entendido.

“Desculpe sr. Agenor. Aqui quem fala é Vitória Régia, da Companhia Telefônica, tudo bem com o senhor, Sr. Agenor?”

“Que nome bonito, diferente. A Senhora sabia que a vitória-régia é uma planta aquática, com pétalas alvas e rosadas, cujas flores são as maiores da América, e que elas só se abrem à noite!?”

“Não, não sabia de tudo isso Sr. Agenor. Sabia apenas que era uma planta muito comum nos lagos da Amazônia.”

“Isso mesmo. E por esse motivo, também é conhecida como Raínha dos Lagos”. E completa Agenor. “Comigo vai tudo bem, e a Senhora, como tem passado?”

“Ainda não sou uma senhora, sr. Agenor. Tenho 16 anos, e só daqui a um mês completo dezessete.”

“Sabia que uma voz assim tão suave e pueril não poderia ser de uma senhora. Tinha de ser de uma flor. De uma vitória-régia. Posso tratá-la de senhorita?”

“Claro, Sr. Agenor”. E parecendo um tanto constrangida com os inesperados elogios, a srta. Vitória Régia prossegue...

“A nossa ligação, Sr. Agenor, tem por finalidade informá-lo de que a Sra. Eulália foi selecionada para participar desta promoção. Para a Telefônica, a Sra. Eulália é uma cliente preferencial, razão pela qual, estamos disponibilizando um sofisticado equipamento, que, acoplado ao seu aparelho telefônico, irá detectar a origem de todas as chamadas. Assim, o Sr. e a Sra. Eulália só atenderiam as ligações que de fato lhes interessassem, evitando, dessa forma, os costumeiros desconfortos com as ligações indesejadas”

Enquanto Vitória Régia tenta convencê-lo a aderir à tal promoção, Agenor pensa em uma maneira de gentilmente dizer não, e, sem constrangimentos, recusar a inesperada oferta. Até que em dado momento, ele parece ter encontrado um argumento irrefutável, que a faria não apenas desistir, como também convencer-se de que, àquela altura, do que Agenor e Eulália menos precisavam, era da “inteligência artificial” de tal dispositivo.

Agenor, que primava pela educação e cavalheirismo, esperou que a Srta. Vitória Régia esgotasse todas as estratégias de retórica do moderno telemarketing, e, atentamente, continuou a ouvir aquela voz plena de inocência e jovialidade...

“E tudo isso, Sr. Agenor, por apenas noventa reais, em três parcelas sem juros, mais uma pequena taxa de manutenção do aparelho, cuja instalação fica por nossa conta, e o mais importante, Sr. Agenor, sem qualquer burocracia, pois, todas essas pequenas despesas serão incluídas na sua fatura mensal. E, então sr. Agenor?” arremata a Srta. Vitória Régia, deixando no ar aquela pergunta, como se o convidasse a tomar uma posição.

Agenor sabia que a vida era feita de pequenas decisões, e era chegada a hora de mais uma. Contou até cinco, clareou novamente a garganta, e com a diplomacia e o bom senso que o caracterizavam sentencia:

“Bem, em primeiro lugar, quero, em meu nome, e em nome de minha esposa, Eulália, manifestar a nossa satisfação pela deferência que tivemos por parte da Companhia Telefônica. Mas sabe, srta. Vitória Régia, embora reconheça ser este um produto revolucionário e de grande valia, devo informá-la de que, por ora, não temos a menor necessidade de um aparelho para tal fim. Todavia, agradeço-lhe o telefonema. A srta., sem querer, não a apenas veio fazer-me companhia, mas também trouxe uma breve e providencial sensação de esperança ao meu dia. O seu foi o único telefonema que recebemos nos últimos quinze dias. E foi tão bom ouvi-la. Não sei onde a srta. se encontra neste momento, se há uma janela por perto, se lhe é possível avistar o pôr-do-sol.”

Depois de breves segundos, a Srta. Vitória Régia exclama:

“Que lindo!!! Que lindo!!! Sr. Agenor” .

“Veja como são as coisas, Srta. Vitória Régia. Se fôssemos usuários desse sofisticado equipamento, certamente não teria atendido à sua chamada, afinal, não é para isso que servem esses aparatos de última geração!?”

“Puxa a vida, senhor Agenor. Muito obrigada por me fazer ver além da tela do monitor, por chamar-me a atenção para algo tão sublime como assistir ao entardecer em pleno horário de verão.”

“Não há de quê, senhorita. Ligue sempre que desejar.”

“Obrigado por tudo, Sr. Agenor. A Telefônica, comovida, agradece a sua atenção.”

Agenor respira fundo, desliga o telefone e volta-se para a janela semi-aberta. O sol já se fora. O céu passa a exibir tons vermelhos e alaranjados, permeados pelo cinza da noite que pouco a pouco se aproxima...

Uma tímida e pictórica lua quarto crescente surge por detrás dos pacatos e distantes arranha-céus.

Agora, tudo era apenas uma questão de tempo. Eulália estava prestes a chegar...

FIM

Conto de Zizifraga

Abril de 2010

Zizifraga
Enviado por Zizifraga em 27/07/2011
Reeditado em 17/01/2012
Código do texto: T3121629
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