Dúvida atroz

O maridão acordou “de ovo virado” como se diz no jargão popular. Depois de uma noite mal dormida, levantou-se da cama, bocejou, espreguiçou e, ainda de pijama, rumou até a despensa. Abriu o armário, pegou uma caixa de algodão e tirou um chumaço. Correu a vista pelas demais prateleiras à procura do recipiente com álcool, até encontrá-lo. Embebeu o chumaço e se dirigiu ao banheiro.

Como a porta estava fechada, antes de abri-la ele pegou o chumaço embebido e esterilizou a maçaneta. Logo após entrar a esterilizou também por dentro. Dirigiu-se ao lavatório e, antes de abrir a torneira, esterilizou o registro. Lavou as mãos e foi urinar.

Após a micção fechou o zíper da braguilha. Retornou ao lavatório, lavou as mãos e o rosto. Novamente com o chumaço embebido em álcool, esterilizou o registro antes de fechá-lo. Quando ia enxugar o rosto, foi assaltado por uma grande dúvida: como enxugar o rosto na toalha se todas as pessoas que usam o sanitário lavam as mãos e enxugam nela? Parou, pensou e concluiu por não usá-la. Recorreu então à esposa:

– Inês!

- O que foi Preto? - respondeu carinhosamente a mulher.

- Traga-me uma tolha de rosto aqui no banheiro - pediu o estressado marido.

- Aí já tem uma, mô - respondeu Inês.

- Não, aqui tem uma que não sei se é para enxugar as mãos ou o rosto. Eu quero uma só para enxugar o rosto – contestou.

- Essa aí serve para as duas coisas: enxugar as mãos e o rosto - explicou a esposa.

- Não, isto não está certo – tornou Gustavo. - A toalha de enxugar as mãos deve ser uma e a de rosto outra. Fez uma breve pausa. Aí lhe veio à mente aquelas toalhas infectas dos tempos em que morou em pensionato e as de banheiros de postos de combustível de beira de estrada, utilizadas pelos viajantes para as mais diversas finalidades.

Encasquetou que não usava a toalha e teorizou para a esposa:

- Raciocine comigo mulher. O sujeito vai ao vaso sanitário satisfazer as necessidades fisiológicas. Depois, com as mãos impregnadas de bactérias, pega no registro para abrir a torneira, deixando milhões de micróbios. Lava as mãos e volta a manuseá-lo, sujando–as novamente. Daí enxuga na toalha de rosto. Seguiu o meu raciocínio? Veja se não estou com a razão?

– Com razão ou não, se você levar a sério demais essas minúcias, acabará vivendo dentro de uma redoma. Por acaso você já viu alguém numa casa de farinha revirando o polvilho com o forno em altas temperaturas? Neguinho nu da cintura para cima, suando de fazer dó e respingando suor pra tudo que é lado, inclusive pra cima da farinha? Você já foi numa padaria ver como é feito o pão? E em cozinha de lanchonetes e restaurantes ver como é feita a comida que você come? Garanto que não. Mas nem por isso você deixa de comer farinha, pão e lanchar em lanchonetes ou almoçar em restaurantes – ponderou a esposa.

Argumento nenhum convenceu Gustavo a fazer, naquele dia, uso da toalha polivalente. Nem mesmo a lembrança, feita por sua esposa, de ser aquela uma exigência descabida, haja vista ele sempre ter enxugado o rosto com a toalha que no banheiro estivesse sem se preocupar se era para as mãos ou o rosto.

É que naquele dia ele acordou com a macaca. Este era o fato concreto.

- Faça-me uma garapa seu Gustavo! Vá encher os cornos de outra! Você tá ficando é muito do ranzinza e rabugento, isto sim! - exasperou-se Inês.

O marido por pura birra enxugou o rosto com papel higiênico, mas não fez uso da toalha. A esposa ainda o alfinetou dizendo que aquele papel higiênico poderia ter sido feito de papel reciclado. Gustavo fez-se de mouco, tomou café e foi dar umas voltas na cidade para espairecer e tentar esquecer aquelas rusgas domésticas.

Meio-dia e meia ele retornou, sobraçando um pequeno embrulho. Tocou a campainha e aguardou a porta ser aberta.

- Onde andava até essa hora homem de Deus? - indagou Inês.

- Olha aqui querida, daqui pra frente não teremos mais problemas com toalhas - falou decidido como se ainda estivesse chateado. - A partir de hoje chegou ao fim nesta casa a era da toalha polivalente – completou.

A esposa recebeu o embrulho, abriu e gostou do que viu: meia dúzia de toalhas. Três delas trazia bordada a palavra ROSTO e as outras a palavra MÃOS. Tudo para melhorar as condições dos utensílios domésticos era bem-vindo. Todavia, Inês não deixou de lhe falar num rosário de coisas mais necessárias que as bem-vindas toalhas a serem compradas para casa.

- No momento não vejo nada mais necessário – respondeu o marido e, unilateralmente, deu o caso por encerrado.

Valmari Nogueira
Enviado por Valmari Nogueira em 20/12/2010
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