Últimas palavras

Madalena: (em casa, na sala, com um livro de Clarice Lispector - A hora da Estrela, lendo o prefácio) (um homem entra na sala carregando uma mala).

...É urgente. A necessidade das últimas palavras, das últimas frases, do último texto, do último diálogo, sem atropelos, sem interrupções, sem baixar o nível e dizer apenas a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade. A sincera verdade como juramento de sangue e fogo, sem deixar para depois e depois e depois e. Sente-se. Acalme-se, escute-me, não precisa ter tanta pressa. Sempre se diz que a pressa é inimiga da perfeição e em dias nublados a certeza de chuva é quase real. Depois você poderá falar, argumentar, comentar, sei lá, externar seu pensamento. É urgente, é necessário... O fim dos entraves, dos percalços, dos obstáculos, do estorvo, essa coisa mal resolvida que nos impede de dizer adeus, ponto final, acabou, não dá mais, como engodo enfadonho que vai nos matando aos poucos... Chega, chega, chega. Afinal de conta é o normal, não é? Todo casamento começa com as célebres frases: "Eu te amo", “Você é o meu amor”, “Nosso amor é para sempre, para sempre”. “Veja aquela lua no céu, tão grande, tão branca, tão redonda, é o símbolo maior do nosso amor, na dor e na felicidade, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença até que a morte nos separe, que a morte os separem...”. E sempre acaba com, é, é, bem, como posso dizer, como posso... Eu e minha dor de cabeça, que droga, essa maldita dor que nunca acaba, sempre aparece nesses momentos, e que momentos, assim como os chatos, como as pessoas chatas que chegam sem convite, os inoportunos, tomam conta do espaço e se acham, é, é, como posso dizer... Nem eu mesma sei mais o que dizer, eu nunca sei o que dizer na hora de dizer realmente, só sei que você precisa me ouvir, é uma necessidade, uma urgência, eu acontecer nesse momento, é a ocasião. Minha hora, agora, minha hora e de mais ninguém, como se fossem segundos de fama, não os seus, suas cervejas, seus sábados, os badalos com os amigos e que amigos... Meu momento de dizer a verdade, olhando em seus olhos e examinando bem, para que a cena não seja roubada, tirada de foco, meu momento e de mais ninguém, ninguém... Hoje, quando acordei, peguei o jornal e consultei o horóscopo, li meu signo - peixes - signo do elemento água e regido por Netuno e ele me dizia tudo que deveria fazer hoje, a cor que usar _ verde-claro, o número de sorte - nove, o jeito de atrair você até aqui - com muito incenso, muita bétula, muita Anêmona, muito lírio-d'água e a coragem que deveria ter de pegar o telefone e discar seu número, fazer o elo, ir atrás, sabe como é? O mistério, a magia, a espiritualidade são temas apreciados pelo pisciano, porém, não se deve tocar nesses assuntos de maneira vulgar, mas cheia de sabedoria, de bom senso, de encantamento. O pisciano necessita de palavras de consolo e carinho quando se sente deslocado neste mundo. Nunca se deve esperar do pisciano que ele aja com bom senso, seja razoável. Ele é intuitivo. Tampouco se pode esperar que ele seja pontual ou que nunca falte aos encontros. É indispensável que seu parceiro tenha um quê de mistério ou... Deixa pra lá, não é essa a raiz da questão que nos coloca em cheque-mate, não estamos em uma reunião exotérica para apreciarmos ensinamentos da astrologia, o motivo é mais sério, menos cordial, embora delicado, decisivo, norteador, não é? Não necessito de olhares de compaixão e atos de piedade, não, não, não e não. Não me sinto derrotada não. Essa é apenas mais uma batalha, a guerra é longa e tenho muitas armas para detonar, para usar antes de ser vencida. O reconhecimento do desejo da liberdade é o que me redime, a distância das algemas, das obrigações involuntárias, do fazer aquilo que a vontade não permita, da ausência do desejo, do mau hálito matinal e de aborrecimentos ressacados porque entre fazer uma touca, cuidar do meu cabelo e lavar suas cuecas meladas, eu tinha que limpar seus vômitos... A quebra da obrigatoriedade, dos atos repetidos do cotidiano, das ações enfadonhas. Agora tudo parece ser tão diferente, meu Deus, é, meu Deus. E saber que em nome de tudo isso, tudo isso, renunciei a mim mesma, deixei de ser eu, de ser eu para ser nós dois, como romance que se lê e se imagina vivenciar as mesmas ações, os mesmos cenários, as mesmas atitudes dos mocinhos e mocinhas as quais tudo se resolve tão facilmente que o gosto de final feliz escorre pelo canto da boca feito morango, um doce e delicioso morango colhido naquele tempo exato... Renunciei, renunciei a mim mesma e todos os rabiscos de sonhos escritos em diários adolescentes, com dia, hora e todos os recortes e todos os papéis de confeitos chupados... A faculdade, os amigos, um futuro promissor, uma vida no exterior, longe daqui, do Brasil, uma vida melhor, diferente, uma vida ligada aos palcos e todas as aulas de balé pagas em vão... É preciso o silêncio que me atordoa, esse seu jeito estúpido de ser, o não dizer, o calar, o emudecer brusco, doentio, maledicente, impertinente, tão do seu jeito, do seu jeito de ser que só você sabe fazer para me partir ao meio. Pervertido, torpe, sem vergonha, cretino, é isso mesmo, digo sem arrependimento, sem qualquer sinal de arrependimento e ao mesmo tempo sentindo as bocas surradas de beijos improvisados, insípidos, insossos, teatralizados, banalizados por nada, para nada, sem qualquer pretensão de além do seu poder de macho, o mal-estar ao seu lado distante do querer bem de verdade, é, é, pois é e então? E daí? E qual foi? Vai ficar só olhando, querendo desenhar? Quer pose? Fazer uma foto? Marcar o momento para a posteridade? Diz, diz de uma vez, diz. Seu silêncio me dói os nervos, os nervos... Neste apartamento, tudo agora, hoje, é tão estranho, é tão vazio, tão calmo, vazio, estranho, hoje, agora, hoje, é tão estranho, é tão, neste apartamento e onde estão meus remédios, por favor, onde estão, onde estão? Retalhos de lembranças – viagens, passeios, presentes, datas comemorativas, comemorações a sós, entre amigos, nossa história, nossa vida... Pequenos trechos de cartas escritas por ti. E onde reside o sentido de tudo diante do espelho da nossa memória, onde? Estamos aqui, frente a frente um do outro e parece que um paredão de desconhecimento habita entre nós. Um labirinto, um longínquo labirinto percorrido por nós. Tudo tão distante, tão longínquo, tão desconhecido, eu, você, eu e nenhum prazer aparente em nos conhecermos, nenhum prazer nessa cena patética. Como vai? Tudo bem? Fique a vontade. Sente-se. Aceita um chá? Um suco? Um, um, um sei lá o que te interessa. Sei lá que merda te oferecer e nem sei se devo realmente oferecer algo, algum veneno que te mate aos poucos, como eu também estou morrendo, algum veneno sim, sim, sim, um veneno forte, valente que possa causar em ti a mesma dor causada em mim por ti, algo que atinja seu coração, oco coração, porra, porra de coração, caralho coração insensível coração, sem ação, sem cor, sem movimento, sem nada, nada, nada. Um veneno que te quebre o pau, que te faça impotente... Estou entrando em uma fase de reavaliação interna, de autodefinição , isso faz de mim... Procurar o isolamento por alguns períodos e mergulhar fundo em outros sonhos, outras fantasias. Acho que um replanejamento de vida, procurar um desses centros especializados em questões femininas, levantar bandeira, vestir a camisa, dizer basta, basta a caretice, aos conceitos de sociedade estabelecidos sobre a ótica cristã a qual Deus e a igreja são a causa primeira de todas as coisas; quebrar o estigma de que Adão é o genitor de Eva, que Eva é costela e assim sendo... Basta a caretice masculina, a essa epidemia macharal que corça o saco, veste pijama, peida podre, fala grosso, masca chiclete de forma nojenta, fazendo bola que prega na barda, nojenta barba e se acha o que há de mais belo, esplêndido, majestoso, feroz; Ser ativista, militante, politizada, independentemente mulher, quem sabe até beijar na boca de outras mulheres, ao mesmo tempo, o chamado desse mundo externo gera em mim nervosismo, falta de confiança, medo, angustia... Sua ausência, sua presença do outro lado da cama; nossos beijos, nossos amassos e quanta loucura proporcionamos um ao outro: bocas coladas e banhos juntos, a toalha molhada esquecida em cima da cadeira, sua dor de barriga inesperada, você sentado, espremido, lendo jornal e eu a escovar os dentes e quanta reclamação porque você sempre esquecia da descarga, de puxar o fio de descer a água e correr esgoto abaixo suas fezes, a bosta, podre bosta que saía de dentro de você direto para o vaso sanitário e lá ficava porque você não dava descarga... Dejetos, material orgânico não aproveitável, podre, podre, insuportável, enfadonho odor a poluir o ambiente do banheiro, ali, acumulado, feito escultura para apreciação posterior, obra de arte contemporânea, uma grande cagada lastimosa de cocô despejado naquela privada não individual, coletiva como se fosse o banheiro espaço seu, só seu, individual, um escritório e todo meu ódio de não mudar esse hábito deplorável e tantos outros que odeio de lembrar, odeio. Ferve minh’alma em pecado cometido, ferve meu sangue e toda minha fraqueza de não reação, não reação, não reação... Desculpa, desculpa, perdi o controle, desculpa é o que posso pedir nesse momento. A necessidade me obriga a isso, desculpa é a arma de covardes, de fracos, desculpa, vai, desculpa-me pequeno ser, pequena diante de você, porque nesse momento preciso dizer as últimas palavras, aquelas que estão atravessadas na garganta que não descem goela adentro, que engasgam, entalam e faz sofrer o esôfago, acelera a pulsação e descontrola todo o funcionamento corporal, entende? Você, sujeito, indivíduo, consegue entender? Pois então? É que não há mais motivos aparentes para por o avental, prender os cabelos, por as luvas, descascar as batatas e colocar para fritar, de perceber como boa anfitriã, a temperatura do freezer e saber se gelado está o vinho ou fazer pipoca e tomar o guaraná assistindo ao filme, o mesmo filme tantas vezes visto, a mesma fita tão gasta, os mesmos comentários sem graça e as cenas de humor que já não fazem mais a gente sorrir nem jogar de sinceridade para não comprometer a relação: _ Amor, passa outra vez, passa. Eu adoro assistir contigo esse maravilhoso filme. Parece até com nossa história.... Por que não acende o charuto? Por que não tira a camisa e a pendura no armador? Esse charuto apagado, a camisa que você não tira e não a coloca no lugar de sempre, pendurada no armador, detalhes, detalhes e quantos detalhes para serem ditos, mas você não diz, eu não digo e a ação que rege o sentido não está situado no espaço de tempo que nos resta. E o que foi que eu disse? Quem falou de mim? Você pode me dizer? Quem falou por mim? Quem? Acho que são vozes, outras vozes que vêm em meu auxílio. As vozes dos outros seres que fui, que sou e que abri mão de ser; aquela poesia, sim, aquela poesia, lembra-se? Nós dois juntinhos na rede e você falando baixinho em meu ouvido... Aquela noite e quantas noites; aquele momento de ternura e tanta coisa boa sentida entre um toque de mão e um beliscão. Veja, tantos portarretratos e quantos retratos olhando para nós. Momentos felizes marcados para a eternidade, nem eu, nem você, nem ninguém deste mundo ou em outro mundo qualquer poderá apagar. São momentos eternos, eternos. Os mistérios existentes entre o céu e a terra desconhecidos por nós, reles mortais, setes incapazes de usar perfume e descobrir a real essência de alguma coisa, tolos, bobos, atrozes, vulneráveis e ainda não escolhi a cor do esmalte que pintarei as unhas amanhã, amanhã, o dia após o dia de hoje. O dia seguinte que pensamos nas seqüelas. Amanhã, o talvez, a incerteza e esse ambiente precisa de um toque de magia, de mistério, de intuição e criatividade. Precisamos aprender, a saber, tornar um encontro inesquecível, conhecermos a arte de acariciar e descobrir todos os gostos dos nossos parceiros. Quando se ama e se sente amado, torna-se tudo muito sensual, tudo muito... É preciso trocar os móveis do lugar, colocar tapetes no sol, variar a cor das cortinas, lavar a louca suja da janta de ontem, separar o lixo para reciclar e reciclar, reciclar o perene, o permanente, as chagas, as chamas e chamar os nomes certos, dar nomes certos as coisas, aos objetos, aos pensamentos e aos sentimentos... Quer ir, vá. Não pense tantas vezes na mesma decisão. Não pense, talvez seja melhor. Pegue seus pertences, coloque o que resta de sua vida pequena dentro do bolso desse paletó surrado e vá, vá de uma vez abraçar o caminho pequeno que queres para ti, vá , ande, não deixe que o elevador desça sem o seu peso que na balança de minha vida, hoje, neste momento exato, nesta hora que passa, nesse minuto vivo não tem o valor da lágrima que derramei quando acampei você em minha vida. É urgente? Tão urgente assim e não dizemos nada, nada. É o caos instalado esperando o veredicto final, a grande sentença. Se ao menos eu tivesse escutado os conselhos de minha mãe. Tanto que ela me dizia que queria me mostrar à vida, seus caminhos, seus espinhos, e eu preferi fazer ouvido de mercador. Minha mãe e esses sapatos que apertam os dedos, que me machuca a carne, ai como dói, como dói... A falta de respeito, de credibilidade, de sensibilidade, de razão, de conhecimento nos torna mudos. Mudos como as pedras que se chocam, mas não choram, mudos como os movimentos, os tantos movimentos existentes silenciosos ao nosso redor. Tanta festa lá fora e nós dois aqui trancados querendo dizer as últimas palavras, imaginando desatar os nós existentes entre nós. Se ao menos existisse uma janela aqui, bem aqui no meio dessa sala tão escura e frente dela, totalmente frente a essa janela fosse o mar e eu pensando o que faz aquele barco ali, parado no meio do mar, naquele momento em que o sol se põe e nasce a primeira noite de Dezembro e quantas noites e tantos Dezembros... É preciso festejar a sagacidade humana, despedaçar códigos e leis e tantas coisas que maquiam a nossa dignidade. Tornar as putas sana e as insanas coqueluches de uma nova Era, uma nova moral e dizer não sei. Abaixo códigos de honra, abaixo pureza, abaixo isso, aquilo, ao desejo de santidade... O que resta da nossa existência insignificante é o instinto. Grunhimos de dor em sons afonêmicos, pernas entre pernas, barriga com barriga, mãos entrelaçadas... Urramos em luas e outono, em ritual para celebrarmos o adeus da carne em abate, morta, estendida na pedra de mármore e mais um brinde a divina deusa da fertilidade, da luxúria, do amor sexual, da nossa maldade, a deusa Isis e toda sua corte e cortesãs, a Afrodite e todo seu equilíbrio entre masculino e feminino e toda estrela de cinco pontas, aos pentágonos, aos peitos fartos e a todo alimento... Corta-se o pulso, corta-se pela metade. Corta-se. Corta-se com palavras a construção idealizada do nada e sua existência na primavera. Acenda uma vela e vele no escuro da noite essa orgia, vele sem seu barco o rastro que fica, vele o vexame e todos os momentos de insônia, de noites rezadas em credos regidos de doses de álcool, vele a intolerância e todos os passos de valsa mal dançada, as palavras soltas e as frases feitas e as recaídas em emergência para os corações dilacerados, para os fracos, para as almas, para os sem calma, sem êxtase. Vele as idas sem voltas, vele que logo chegará o verão e junto cm ele o fogo que queima o dito e a condição do não dito, na verdade o que se deseja dizer. Os repetidos hábitos, a cama desfeita e minha imagem deformada. Muito provavelmente você não está contente com o que vê. Os pneuzinhos nos flancos, o abdome flácido, os braços finos, as pernas rechonchudas, nada disso combina com a imagem que gostaria de ter e desfilar na praia ou na piscina. O verão que castra a maldade interna, essa incontrolável vontade de, de gosto de uva na boca... Vele o verbo maldito e diga olhando em meus olhos o que resta dizer... Espere, ainda não pode ir, não. Agora que precisamos cuspir as flerpas, o que estar inflamado, os flertes, as ficações, os esquemas carnavalescos. Pois então? Fume comigo este último cigarro, abra esta garrafa de vinho e brindemos então a nossa falta de... Se ao menos eu engravidasse, sentisse meus peitos enrijecidos e parasse de sentir, ao menos nove meses aquele sangue escorrendo entre minhas pernas, meu corpo todo em transformação, bunda para dentro, quartos largos, barriga crescida, imensa, enorme, vômitos, enjoos e desejos, os mais esdrúxulos desejos e as idas ao médico. Exames, exames e mais exames... Mas não, nem para isso você serve, quero dizer, eu não sirvo, tenho o útero emborcado, sou oca, não engravido. Também você nunca varia, é sempre o papai e mamãe, o mesmo feijão com arroz, há dezoito anos a mesma posição, o mesmo modelo, a mesma falta de criatividade e inovação. O mesmo silêncio e nenhum sacrifício, sempre o mesmo cardápio e não há estômago que agüente acredite tanta inteligência e o medo da inovação? Brindemos, brindemos de uma só vez a prosperidade do novo tempo, brinde, brinde o fim e o começo de uma nova vida... Esqueçamos assim os teoremas de Pitágoras e quanta filosofia, quanta sabedoria e nenhuma solução. Tantos parafusos e tantas porcas que não se encaixam... Fechemos nossos ouvidos às escalas sonoras das melodias de Bethoveen e toda musicalidade do ranger dos dentes em simulado desespero. O lado doce da vida é amargo quando os restos das lembranças nos tornam saudosistas, quando resolvemos por nada, abrimos os velhos baús e fazer da poeira do tempo o cheiro mais agradável para a alma e aquela festa, aquela orquestra que executava com maestria a música do nosso amor foi mofada, ficou no vazio do esquecimento de facas e punhais que atiramos ao vento... mas precisamos dizer o urgente, o necessário, sem delírios, sem brincadeira de esconde-esconde. Dizer o necessário para uma maio compreensão do que na verdade aconteceu conosco. Essa distância tão brusca sem saber o que realmente queremos. As últimas palavras, as verdadeiras motivadas pela força maior. Não podemos deixar que a vida leve como água de chuva a nossa história de amor, construção conjunta de um ideal. Quem somos nós nesse jogo de intriga? Qual verdade é realmente verdade? Qual? Nesse momento único é urgente e necessário nosso lado subterrâneo, descer ao mais rélis nível, baixar realmente o nível, uma viagem de análise e reflexão, pesar na balança, falar das contas, das prestações atrasadas e dizer que acabou o gás, o nosso gás... A igualdade social e o estar em lados opostos, de lado... Assistindo de camarote a caída lenta um do outro, torcer que não sobre nada, tudo se quebre, se espedace, se, se, se vá ao vento feito, feito feitiço de rapariga. Canalha, infame, vil, pervertido, adultero, puto, insano, maníaco, tudo isso é o que somos. Todo esse tempo aqui e nada foi dito, o urgente, as últimas palavras, nada, nada. É o silêncio e mais nada. Nadaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa... O jeito, agora, é fazermos a partilha, cada um na sua. Vamos buscar consolo em outros braços, mentir, enganar outras pessoas jurando amor eterno e pensando que o bem é isso, só, somente isso. Passar adiante o que não conseguimos resolver, chegar na vida de outros como se fôssemos abacaxi e quem quiser que se engane, que nos compre feitos mercadorias estragadas. É isso que somos, mercadoria estragada, estragadaaaaaaaaaaa, em estado geral de putrefação, de decomposição, sem jeito, sem consolo, sem ressurreição. Agradeço, agradeço muito a você, sério. Agradeço por não ter conseguido me fazer um ser diferente, apenas me deixar desarrumada, desconhecida, despreparada. Agradeço a você pelas rugas, pela gordura, pela falta de forma definida que sou hoje. Por toda essa cena patética que preparei achando que poderíamos resolver nossas vidas pelo diálogo. Civilizados... Roemos as unhas e beijamos na boca, tomamos coca-cola e arrotamos; comemos cebola e soltamos pum debaixo das cobertas, nos tocamos e nos masturbamos ao mesmo tempo para em seguida brincarmos de bolhas de sabão com nossas salivas. A vida é inútil, amar é sublime, fazer amor é animal e dizer adeus dói.