Mercado financeiro X Hipermercado emocional.

Tentei abrir os olhos. Muito esforço, em vão. Ouvi vozes confusas. Senti algo que me fez chorar, e eu nem sabia, ainda, o que era isso: chorar.

Ainda ali vieram outras tantas vozes, um pouco menos confusas, até que uma soou mais forte e mais nítida que as demais:

_ Menina de Deus... Nossa decisão final acaba de ser concluída e resolvemos que esta sua jornada se inicia com saldo zerado. Há quem venha para o lado de cá com saldo devedor, há os que por aqui já caiam com bons créditos. Mas, você, menina, resolveu romper a barreira justamente em tempos de crise, e deu nisso. Nosso comitê anda sobrecarregado com essa confusão que seu povo cismou de criar. Não estamos seguros, nem mesmo temos clareza suficiente entre saldo negativo ou positivo para você. E isso explica nossa decisão. Vá, siga, e nesse caminho estaremos por aqui, observando suas escolhas e gerenciando sua conta.

Essa foi a fala do porta-voz do Comitê Celestial que acompanhou o meu nascimento. De lá para cá minha vida é uma constante conferência de extrato, permanente conciliação contábil. Balancetes nem sempre diários, balanços semestrais e anuais quase bem feitos, às vezes só mentalmente.

Costumo pedir feedback ao comitê. A opinião deles me é muito preciosa. Esporadicamente crio débitos que comprometem o saldo. Frequentemente enfrento batalhas internas – silenciosas, barulhentas, depende – na tentativa de estornar esses débitos desavisados, ou gerando créditos que os compensem.

Porém, como o que narrei limita-se a controle de conta-corrente, na medida em que alguma lucidez passou a ser disponibilizada no pacote de produtos que fui adquirindo, resolvi abrir uma conta investimento. Nela apliquei algumas experiências, vivências que poderiam me dar alguma rentabilidade, algum ganho. Sei que ali sou tributada, por isso não brinco muito de “põe e tira” nessa aplicação. Ao longo do caminho, aprendi que há outras opções de ganhos, ora maiores, ora menores do que os da conta investimento. Uma delas não tem tributação, é uma forma de poupar reservas mais populares, mais corriqueiras, e olha, essa – chamam de conta poupança – tem lá seus encantos, viu?! Há o Título de Capitalização, que não pode ser confundido com poupança (embora essa confusão seja para lá de percebida). Existe uma, meio complicadinha, tributada. Não deixam que a gente a chame de “investimento”, tem umas características bem peculiares. Chamam de Previdência. Além da que o governo “dá”. Pelo sim, pelo não, estou dentro, também.

Há, na verdade, uma lista enorme de opções. Melhor mesmo é não tentar se inteirar muito sobre todas, ou sobre muitas. O embaralhar das idéias é praticamente garantido, isso sim. Deixemos que nossos gerentes cuidem disso. (Se não cuidarem direitinho, sinal de que estão no lugar errado).

Engraçado mesmo é quando, vez ou outra, esbarro com algum integrante do comitê que, como sempre acreditei, permanece gerenciando minhas contas (é, agora posso pluralizar já que abri outras).

Ih, Virgem Mãe, preciso me lembrar de que, nessa história toda, tenho até empréstimo a quitar...

Continuando, quando me encontro com um deles acho que o que sinto pode ser comparado a um estado de êxtase. É algo impressionante e indescritível. Percebo que alguns tentam o disfarce, mesmo sabendo que minhas intuições me são fiéis. Outros, já menos tímidos, fazem questão que eu os reconheça, e eu acho isso ótimo.

Bem, querido leitor, você já deve ter captado que me refiro aos meus Anjos Protetores.

O que quero transmitir, meu intuito é deixar, em algum lugar, por escrito, o registro de que tenho muita certeza de que todos nós temos a condição, a capacidade de acumular, de investir, de reconhecer, identificar o que, de fato, está fazendo com o saldo da conta que a Vida nos oferece assim que nascemos.

Eu invisto no futuro, sim. Claro. Como não? Invisto o quê? Aqui posso dissertar sobre muitas formas de investimento. Financeiro? Também. Essa não deve ficar de fora. Todavia, hoje prefiro falar sobre um investimento menos material, que considero “por demais” valioso: o que vou deixar de herança tanto para meus filhos, quanto para o mundo, de uma maneira geral.

Somos migalhas. Somos, sob um ponto de vista, insignificantes diante do planeta, do universo. Em contrapartida, cada um de nós tem nas mãos algumas ferramentas incomparavelmente únicas e exclusivas. Ferramentas capazes de moverem montanhas, se assim quisermos, se assim desejarmos com ardor, com crença de que podemos.

Outro dia reli algo que escrevi há mais de um ano para alguém que contestava determinado assunto. Passado tanto tempo, confesso que não me lembrava muito bem das palavras que eu havia usado. Como gostei do que reli, repito aqui:

... sabe, ultimamente, tenho tentado ser mais verdadeira é comigo, com os princípios em que eu acredito, senão, minha cara, senão meus filhos nunca legitimarão o que a mãe deles prega e tenta viver. Quero meus filhos felizes, ou que vejam que estou buscando a felicidade, que não há hora de parar de buscá-la. Quero meus filhos com passos livres, que sejam seguidores de seus próprios corações e de suas consciências. E para isso, eles precisam me ver nessa busca incessante, nem que seja preciso a caixinha de primeiros socorros sempre por perto. Quero, depois de morta, ser lembrada por eles como uma pessoa que tentava praticar as teorias que defendia. Como alguém que se recusava a acreditar que a vida de cada pessoa precisa ser como terceiros preferem ou determinam que seja. Aí, pra encurtar,... Se eu morrer amanhã ou depois, saibam que morri feliz da vida, como falei ali em cima! Saibam que morri sem levar comigo nenhum sentimento de que devia ter feito isso ou aquilo diferente. Morri achando que meus filhos guardarão a lembrança de uma mãe como eles gostariam que eu fosse: o mais autêntica que eu acreditasse e pudesse ser, ainda que em nada fosse. Morri sem achar que devia ter relevado x, y ou z. Não estou com pesos, não estou com amarguras, não estou com raivas, nem com rancores, nem com mágoas.

Quando reli isso, alguns pontos chamaram mais a minha atenção. Quero, claro que quero, que meus filhos possam legitimar esses meus investimentos. Esses também são gerados na base de muito suor. O exercício tem que ser diário, o de gerar essas receitas. Outra coisa que também gostei de ler foi o “ainda que em nada fosse.”. Acho uma bobagem pensarmos que somos sempre, o tempo todo, seres coerentes. Abaixo a auto-exigência.

Ah, lógico, conta corrente daqui, conta investimento dali, conta poupança de cá, títulos de capitalização acolá, previdências, empréstimos, e nisso tudo faço questão de destacar as aplicações que vira e mexe fazemos nuns tais Fundos de Alto Risco, quando não de Altíssimo Risco. Ai, meu Deus, como já fiz isso... Se me reporto a esses episódios, possivelmente essas situações sejam as que mais tenham me colocado frente a frente com os gerentes da minha conta aqui na Terra. Isso, aqueles mesmos, os que me assistiram e me assistem desde o nascimento. Sei que já cometi, ou melhor, já fiz aplicações extremamente arriscadas. Sei que elas podem ser comparadas a erros bem significativos. Perdas? Certamente. Ganhos? Garantidos, mesmo nas circunstâncias negativas. Sem riscos, nenhum avanço se fez e nem se fará. Pessimismo é impedimento, em se tratando desse tipo de escolha. Receio é atraso na marcha.

A pessoa que opta por colaborar com a construção de um futuro melhor não se intimida diante da hipótese da injúria. É um dos riscos.

Seguros. Eu não os citei até agora. Seguro de tudo quanto há. Um assombro se a gente resolve saber o que podemos “segurar”. O de Vida, o Residencial, de Automóveis, esses eu considero prioritários. E Planos de Saúde? Se essa modalidade for deixada de lado, é um Deus nos acuda!

Resumindo a ópera, quero que este conto conte que se quando Chico Buarque nasceu veio um anjo safado, um chato de um querubim; já comigo, quando nasci tive um Anjo Amado que não me deu muita bola (coitado! em plena Revolução no Brasil), um belo de um Serafim. Não raramente sinto o vento das suas asas. Das suas e de sua legião.

Acredito na força da matéria, sei da precisão das prudências, das reservas monetárias, do pão que alimenta o corpo. Porém, quero continuar acreditando e experimentando (posto que tem dado certo) que o melhor combustível do que move o mundo, muitas vezes, são fluidos abstratos, invisíveis e nem por isso imperceptíveis. Basta abrirmos a portinha da boa vontade que cada um de nós possui e nossas vibrações, sensações, sextos, sétimos, oitavos, infindos sentidos darão conta de que a gente vá decifrando enigmas nem tão misteriosos assim. Quem se preserva demasiadamente contra obstáculos e provações, esses sim, correm o risco (alto) de menor desenvolvimento de suas aptidões. Na contabilidade do próprio bem, consequentemente do bem de todos, mais vale a imperfeição de passos dados do que, por medo de nos perdermos, estagnarmos a virtude.

Não tem receita, não tem como ensinar, não tem manual normativo sobre como se faz para saber em que projetos investir. Ninguém, nenhum de nós recebe cópia das Cláusulas Gerais no momento em que abre cada conta que escolhe.

Somos de uma geração (não falo de faixa etária) de seres em evolução. Para não cairmos na roda-viva da repetição temos que ter coragem de pensar, agir, renovar, pois já estamos vivendo uma intensa revolução cultural, que gera reformas íntimas e involuntárias. O contrário disso é o mesmo que irmos em sentido oposto a qualquer progresso - não seremos úteis a ninguém, nem a nós mesmos.

Nessa Vida, ou nesta, como queira quem me lê, o que conta, e que, repito, desejo que este conto conte (quiçá apenas sugira, e já está bom), é que se hoje eu invisto no futuro, é porque resolvi não deixar o ralo aberto, não deixar que meu passado (minha receita concreta) escorra. Quero que meu presente seja o eterno dia do meu pagamento, dia em que meu salário é creditado na minha conta corrente, na conta pioneira e principal. Que eu permaneça com plena liberdade para saber que destino terá cada centavo. Que de alguma forma eu continue trocando muitas experiências com meus parceiros de jornada, ensinando, aprendendo, perdendo, ganhando, descendo, subindo, oscilando, chorando, sorrindo, gargalhando, concentrando, meditando, abstraindo, VIVENDO. Afinal, meu futuro e eu merecemos.

Lucia Sant ini
Enviado por Lucia Sant ini em 14/10/2010
Reeditado em 14/10/2010
Código do texto: T2555306
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