PERDAS SEM GANHOS.

Desde cedo, ele caminhava. Uma procura,pois, há meses estava desempregado.

De novo, visava endereço no agitado ritmo da cidade grande.

Juvenal não tinha pressa. À frente, rua ou calçada, onde pudesse andar, a rotina do intenso trânsito. Como em outras vezes, levava seu currículo. Até que confiava na feitura e conteúdo dele. Seguia atento à numeração dos prédios; queria encontrar, numa placa ou portão, a anotada agência de empregos.

Pessoas se moviam, direções várias; seriedade nos indiferentes olhares. Em certo local do trajeto, várias pessoas num grupo. Grupo parado, contrastando com a grande movimentação. Eram ouvintes da palavra gritada e borbulhenta de um homem, - cabelos desalinhados, agitados gestos e, nas mãos, uma biblia. O pregador invocava as escrituras: "a humanidade está perdida, precisa de salvação."

Salvação? O juvenal pensou na sua. Mas, deveria ser imediata,

tanto já demorava sua situação de desempregado. Fé religiosa ou crença devota, ao Juvenal nenhuma preocupação em ir para o céu ou inferno. Não se tratava de salvar a alma; nem grande pecador ele era. Precisava de socorro aqui na terra. Queria ajuda, sim, mas toda a eloquência daquele falante não lhe dava garantia.

Saiu do grupo. Retomou o caminho, quando encontrou conhecido amigo, sabedor da situação na vida do caminhante. Daí, palavras do amigo: "Você ouviu falar da Irmã Davina? Melhor que as promessas desse pregador é o trabalho dessa vidente que, pela premonição, pode salvá-lo."

Desconversou; não acreditava. O amigo insistiu. A grave

situação de desempregado forçou. Seria uma tentativa, apesar da

descrença na tal Davina, chamada Irmã, com I maiúsculo. Cinquenta reais era o preço da consulta. Dinheiro, mediante necessário

empréstimo, solicitado.

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Tocou a campainha. Longa escada acima. Recepção pela assis-

tente, roupa branca, boca pintada e seios empinados. Estendeu-lhe a mão para o pagamento adiantado. Na acanhada sala, velhas poltronas afundadas pelo uso. Sentados, ali estavam alguns clientes esperando a vez. O Juvenal, constrangido, de vez em quando se percebia olhando os volumosos peitos da risonha assistente. Então, na sequência do atendimento, ouviu seu nome. Chegara o momento.

No cara a cara, a Irmã, olhos fechados, mexeu e remexeu

as cartas. Mãos ágeis. Números, figuras e naipes foram jogados sobre a mesa. Dedos direcionados e cartas apontadas. A encenação prosseguiu nas revelações e presságios.

-Sr. Juvenal, o naipe preto está à mostra.

-E, daí?

-Naipe preto não é boa coisa. Mas, olhe, a dama de copas foi lança- lançada. Ela tem força, com ela terá ajuda .

- Como, quem é ela?

- Sua esposa, ora.

- Mas eu sou solteiro.

- Azar seu.Se fosse casado esta dama o salvaria de perda certa.

Irmã Davina, agitada, embaralhou as cartas repetidas vezes. Sal-

tou a figura de um valete. O de ouro.

- Sr. Juvenal, não se apoquente. Este valete é seu pai e o naipe

significa fortuna.

- Meu pai faleceu, faz anos.

- Eu vejo perda, mas me ajude na concentração, meu filho. Outras

cartas estão dizendo que a perda não se relaciona com seu emprego

na firma onde trabalha.

O Juvenal ficou quieto; a Irmã Davina, mexendo de novo as cartas, apontou o rei de copas: "Veja que importante presença, tem cara de chefe. Percebo boa vontade na figura. Significa que o senhor vai ter aumento no salário.

Logrado e desiludido, o Juvenal conteve a raiva, enquanto a car-

tomante se levantava. Desenrolou da cabeça um lenço de cor ber-

rante. A consulta terminara nas palavras que o Juvenal ainda teve que ouvir: "Senhor Juvenal, aguarde o amanhã. Confie nas cartas,

pois elas nunca mentem ....

Todavia, na conclusão do Juvenal, as cartas mentem e não men-

tem. No seu caso, mentiram falando de ganhos e acertaram não negando as perdas...