QUANDO O TEMPO ACONTECE...

Eu os conheci no ano em que comemoravam cinquenta anos de casados.

Eram simbióticos.

Aonde um estava, não faltava o outro.

Conheceram-se na primeira infância, na rua em que moravam, num daqueles traçados da amarelinha, contavam, e desde então nunca mais se separaram.

De fato, tinham muito a contar, ainda muito a planejar e o tempo parecia não ter passado por eles.

Em todas as oportunidades estavam juntos, nas atividades da casa , nos encontros de família, dos filhos, dos netos, já dos bisnetos e vez ou outra passavam horas a me narrar a união de vida que acantecera até ali. A ela a memória já não a ajudava muito.

Certa manhã, já bem senil, ela tropeçou na escada de casa, e por fraturar o femur, foi internada às pressas.

Mal houve tempo de se despedir do marido, que de toda sorte queria se internar também. Ninguém permitiu, obviamente.

-Eu volto meu querido, volto logo!

Ao voltar da anestesia percebia-se claramente que já não era mais ela, e em alguns dias já não reconhecia a si e nem ao entorno.

Dois dias antes da sua alta para casa, um infarto silencioso levou seu companheiro de vida para outra dimensão.

Não houve tempo para despedidas, se é que elas existem.

Tempo traiçoeiro que nunca respeita os próprios laços...

Mas ambos jamais souberam que o tempo também acontece.

VERÍDICO