A Canção do Carvoeiro

Canção do Carvoeiro

Negro, negro

Zé do carvão

Mil vezes negro

Da cor d’um tição

Negra é a sina

No negro da estrada

Levanta a vontade

De madrugada

Entra na mata

Catana na mão

Corta a madeira

Faz vez de ladrão

Ergue a enxada

Rebenta o chão

Traz força no braço

Redobra a atenção

Põe estacas de esteira

Alinha a madeira

Aponta para norte

Que fazer o forno

Tem pouco de sorte

Negro, negro

Zé do carvão

Mil vezes negro

Da cor d’um tição

Negra é a boca

A fome de pão

A espera na noite

Em breve oração

Três dias, três noites

De olhos no chão

É riqueza da terra

É a voz do carvão

Revolve a terra

Com pouca torção

É esperança de vida

Enterrada no chão

Ao longo da estrada

A curva esperada

O peso dos sacos

As costas vergadas

Negro, negro

Zé do carvão

Mil vezes negro

Da cor d’um tição

Negro é o corpo

É negro o pulmão

A espera na estrada

O kwanza, o quinhão

Vai para Luanda

No azul camião

A jorna merecida

Sem olhos no chão

Os putos na escola

De livros na mão

A casa arranjada

Fartura de pão

Negra é a pele

É negra a paixão

Renascer Angola

De futuro na mão

Negro, negro

Zé do carvão

Embala a catana

Entoa a canção

Negro, negro

Zé do carvão

Mil vezes negro

Da cor d’um tição