Por ai, um Puta me disse:

Amor. Quem precisa dele? Sou feliz sem ele. Mantenho minha vida sem o amor. Amo o suficiente para perder, e perco o suficiente para não amar. Não gosto do amor. Ele me deixa se rumo presa dentro de algo que desconheço. Algo que parece ser diferente de mim. Sou apenas uma puta. Puta? Algumas mulheres moralistas e cheias de pudor podem se chocar, mas sou puta, e puta serei.

Muitos me perguntam por que sou puta. Sou puta porque sou, e ponto. Ser puta não é uma escolha minha. Foi uma escolha da vida, ou melhor, da sociedade por mim. Tinha catorze anos quando comecei. Eu tinha planos, sonhos. Queria ser mãe, avó. Morrer... Hoje, só quero terminar e tomar banho.

A vida muitas vezes parece injusta. Injusta? Tenho amigas que por não conseguirem um bom marido reclamam da vida. Uma porque o marido bebe, outra porque ele fuma. Algumas porque ele esquece a data do aniversário. Quantas futilidades. Quantas coisas supérfluas... A grande verdade é: quisera eu ter um marido que me amasse e esquecesse a data da merda do aniversário. Ou que bebesse e algumas vezes me desse uns murros: seria melhor apanhar de meu marido, do que de um bando de policiais bêbados. Quem me dera que ele fumasse e tragasse perto de mim: seria melhor que ver homens que fumam e depois apagam o cigarro em meninas, rosas indefesas. Quem me dera ter um amor e não um bando de vermes sexualmente ativos.

Algumas de minhas amigas dizem que eu não sei o que é apanhar do marido. Sei que é ruim. Digo que elas devem lutar: homens não devem bater em mulheres. Mas digo que seria melhor apanhar de um homem que amo, do que de um bando de bêbados, e ainda mais, policiais.

Comumente, nós putas, somos tratadas como lixo. Muito menos que lixo: putas. Mas pense em porque estamos aqui? Quem somos nós realmente?

Conheço várias histórias de amor, de ódios, vinganças. Várias, que poderia criar um livro, quiçá uma bíblia, só de histórias de putas. Mas não. Basta a minha, que de longe é a mais triste ou mais fácil de contar. Não é interessante, heróica, harmoniosa ou como um conto de fadas: meu príncipe não veio me salvar. Acho que ele se esqueceu de mim, ou talvez...

Nasci na Lapa, sou paulista de corpo – aquele que ainda me sobra – e alma. Sempre fui uma boa aluna, apesar de nunca ter me dedicado: tirava sempre acima dos outros. Tinha um futuro brilhante, maravilhoso, era o que diziam todos os meu professores.

Meu pai sempre me apoiou: queria que eu tivesse um futuro melhor. Queria ter o gosto de ter uma filha “dôtora devogada.” Dizia-me todas as manhãs, quando ia para a escola: “vorta logo em minina, tem que estudá muito pra sê dotora.” E eu voltava. Demorava um pouco, porque ficava paquerando o Raimundo. Um dia me cansei de paquerar e dei-lhe um beijo. Mas foi só, tinha de ir.

Papai sempre soube de Raimundo: traficante. Vendia drogas na porta do colégio. Eu? Sua menina, sua garota. Vendi para ele dentro da escola. Papai? Sabia, aconselhava-me. Mas eu estava cega, queria que Raimundo fosse só meu. E eu era só dele. Até que um dia veio o Artur, um garoto da zona sul, fazia Medicina, tinha jeito de “dôtor”, como dizia papai.

Era lindo. Gostava de mim. Mas Raimundo, aquele que era traficante, deu “cabo dele”. Eu disse que minha história não era interessante, muito menos divertida. Raimundo ficou muito bravo, chamou-me de puta. Deu-me uma surra, e me levou para a boca.

No outro dia foi no médico: estava sangrando todinha. Ele acabou comigo. Apanhei a noite toda dele e de um bando de policiais bêbados e sujos, que depois de algum tempo, viraram meus clientes mais fieis.

Papai sumiu. Encontraram o corpo dele boiando no Tiete quatro meses depois. Mamãe ficou desesperada, morreu de tristeza dois anos depois. Eu? Durante estes dois anos, eu tinha só dezessete, passei a vender mais drogas para o Raimundo. Vendia na escola. Até que parei: fui expulsa. Pobre do papai, que desgosto teria de mim. Mas ainda era inteligente.

Começou então minhas noites: ia para as festas na zona sul. Vendia, usava e ainda por cima “dava.” Vou pular os detalhes, não gosto de falar dos clientes. Sempre fui discreta. Quando se passaram os dois anos, e mamãe morreu, pensei: o que fazer agora? Não tenho mamãe, muito menos papai. Que fazer? Resolvi continuar.

Algumas amigas acham que minha vida é ruim. Outras que é ótima. Veja a Julianne: o pai dela abusava dela junto com dois vizinhos. A menina teve dois abortos, um com 13 e outro com 17. Foi presa: matou os três canalhas. Hoje tem 25. Não tem família, emprego. Essa é boa: emprego. Quem daria emprego para uma puta, acusada de assassinato, uma ex-presidiária? O dono do Banco? Do mercado? Não. O dono da boca deu. Emprego de puta. Ela aceitou, precisava de dinheiro.

A Fernandinha, coitada. A mãe era drogada, batia nela todos os dias. O pai era dono de um bar. Um dia a policia entrou no morro, confundiram ele com bandido e mataram-no. Depois virou puta. Foi presa, hoje tem 25.

Eu? Minha vida é boa. Agradeço por ela todos os dias: papai sempre me amou. Mamãe sempre cuidou de mim. Só me arrependo é do Artur. Quisera eu ser louca e ter fugido com ele...

Até hoje fico a espera de um príncipe, dirigindo um conversível, de terno ou camisa pólo. Algum príncipe de São Paulo que venha até a Lapa e me salve. Enquanto isso vai querer um programa moço...

"Leiam minha apresentação: http://www.recantodasletras.com.br/cartas/2394709"

Le Vay
Enviado por Le Vay em 08/07/2010
Reeditado em 23/09/2010
Código do texto: T2366420
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