OUTRA VEZ

“Ah, esse sol, por que tinha de tanto brilhar / Anunciar no meu peito a manhã /

Pra depois sumir / E deixar tão mais negro meu céu, minha noite /

Por que foi minha boca beber / Se embriagar na tua boca /

Pra deixar tão mais amargo / Um gosto de vazio, de solidão (...)

Meu coração prefere acreditar nessas promessas / Mesmo essas que só fazem /

Deixar na minha pele / Calor, luz, alegria / Pra nenhum verão...”

Sei que a expectativa é toda nossa; ninguém nos obriga, ou mesmo nos autoriza, a desenvolvê-la. Entretanto, não posso deixar de reclamar, lamentar, chorar. Por mais sábios que nos julguemos, sempre cometemos lapsos – dos quais, por mais agradáveis que momentaneamente tenham sido – invariavelmente nos arrependeremos. O lacre que, temporariamente, veda nosso coração facilmente se rompe, deixando exposta toda a nossa vulnerabilidade, nossa carência. E nos entregamos, prazerosamente, ao deleite, ao enlevo.

Tudo é festa, fantasia, luz, alegria. Somos os ícones do amor, amamos e somos amados. Nada nos ameaça. Qualquer um que queira nos alertar, abrir-nos os olhos para a realidade, nada mais é que “qualquer um”, pois “quer nos derrubar”. A inveja, aos nossos olhos, espreita-nos a cada esquina, a cada olhar, a cada gesto alheio. Entregamo-nos visceralmente, doamo-nos sem exigir recibo. Entretanto, a todo instante passamos recibo do nosso amor, dando provas simultâneas do mesmo.

Como nos deixamos levar! Enganamo-nos facilmente, tal qual uma criança. Deixamos, deliberadamente, que roubem os nossos sonhos. Criamos, irreparavelmente, crostas protetoras. Marcas indeléveis passam a fazer parte de nosso ser. Solidão, angústia, mágoa, ressentimento, mau humor. Até que nos encantemos de repente, outra vez. E tudo se renova, como um flash, como um revival. Sabemos que podemos nos dar mal, mas o “podemos” brilha intermitentemente. Desta vez será tudo diferente. Eu sou outra pessoa, mais experiente, vivida. E também estou amando “outra” pessoa. E vou cuidar mais de mim. Ou melhor, de nós, de nossa relação. Afastar-me-ei dos invejosos, dos falsos amigos, aqueles que levaram minha relação anterior a se deteriorar.

Assim aconteceu comigo. Assim acontece comigo. Quando você me deixou, jurei nunca mais me entregar a ninguém, afinal, nossa história nada mais fora que o replay de outras. E fiz questão de, apesar da angústia, ou, quem sabe, exatamente devido a ela, rememorar tudo. Para não mais me iludir, não mais me deixar iludir. Bethânia na cabeça (tola foi você / ao me abandonar), óculos escuros para esconder de mim e dos outros os olhos vermelhos, pus-me a acessar meus arquivos mentais. E pus-me a perceber meus enganos. Minha inocência.

Reli nosso primeiro encontro. Parece filme, novela. O entusiasmo ao primeiro contato visual, a imaginação fluindo, vagando solta, os planos... Seu sorriso retribuindo o meu, meio tímido, meio provocativo, sugestivo! Incitando-me, levando-me ao delírio. A troca de olhares, ora furtivos, ora nem tanto, uma piscadela de cá, outra de lá. De repente, em meio ao enlevo, não percebi a sua aproximação. Você nem precisava disfarçar, pois eu me encontrava totalmente disperso. Os planos já haviam tomado conta de mim, como sempre.

Sua voz me encantou. Ou melhor, acentuou o meu encantamento. A timidez, velha companheira – não é por charme – fez-se presente. Não fosse você, não chegaríamos a trocar uma palavra sequer. Mas eu podia me limitar a responder aos seus questionamentos, às suas interlocuções. Ao final, a velha saída: troca de telefones, promessas de novos encontros.

Encontros seguintes melhores que o primeiro. Fui-me soltando aos poucos, entregando-me, a despeito de meus receios. Inevitável. Delicioso. Sentir-se enamorado, entregar-se sem reservas. E ser correspondido. Alheamento total, entrega idem. O tempo de amar havia, finalmente, chegado para mim, eterno. E etéreo. Cada defeito seu era uma excentricidade.

Eu não consegui ver o seu constante e crescente distanciamento. Não pude me precaver, armar-me para a defesa ou o ataque, o que quer que seja. Até que veio o golpe fatal. Você me disse tranqüila e serenamente que “não dava mais”. Por mais educada que tenha sido dita a sua decisão, não conseguia raciocinar direito. Outra vez! Depois de tantos planos, tantos sonhos!!! O sol que antes brilhava tão intensamente agora se transformava em uma nuvem negra, horrível. O verão que se prenunciava se transformava em um tenebroso inverno.

Hoje, racionalmente – espero -, vejo que valeu a pena. Viver momentos tão alegres, mesmo que passageiros, permitiu-me conhecer o prazer, a satisfação. Não penso mais em algo perpétuo; tornei-me adepto da volubilidade. O verão, afinal, não dura o ano todo. Há invernos, primaveras, outonos... O que não pode é não haver “nenhum verão”. Lastimar haver conhecido o sol? se foi ele que me permitiu conhecer a escuridão!!!

Pabinha
Enviado por Pabinha em 01/09/2006
Reeditado em 25/01/2007
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