A JÓIA QUE O DIABO PERDEU

Em 1970 a Santo Antônio em Porto Alegre era uma rua com várias casas noturnas onde era possível encontrar mulheres de todos os tipos. Garotas de programa desde jovens iniciantes às mais variadas e experientes prostitutas profissionais. Rogério, engenheiro paulista solteiro aos 40 anos, freqüentava o local perambulando entre uma casa e outra a procura de alguém para uma noite de amor. De natureza tímida sem muito tato para abordar uma mulher, não conseguira até agora um relacionamento mais sério. Preferia as profissionais do sexo, porque bastava dinheiro no bolso e não dava a mão de obra exigida para abordar uma mulher em outra situação. Tentara desde sua juventude namorar alguém, mas, acabava sempre só. Seus relacionamentos duravam muito pouco e não entendia por que. Tentara um relacionamento com uma colega na empresa de engenharia onde trabalhava. Foram morar juntos, mas dois meses depois descobriu que ela o traia com seu melhor amigo. Foi uma desilusão muito grande e Rogério decidiu que não casaria mais. Tinha uma preferência pela boate Minatto, onde já fizera amizade com o dono e ali se sentia em casa. Sempre pegava a mais bonita e melhor mulher do local. Já que podia pagar, simplesmente queria o melhor. Os garçons desdobravam-se para atendê-lo, pois sempre dava uma boa gorjeta. Era Dezembro quase véspera de natal e o verão já começava a dar sinais de que seria bastante quente. Como sempre fazia, lá pelas 23,00 h estacionava o carro na Santo Antônio e começava seu habitual tour pelas casas do local e invariavelmente acabava na Minatto. Sentou-se a sua mesa habitual e pediu seu tradicional scotch on the rock. Passava os olhos pelo local em busca de alguém que preenchesse suas expectativas, e esta noite teria que ser alguém especial. As garotas que faziam o show de strip-tease, geralmente eram selecionadas, havia entre elas algumas, que somente faziam o show. Não faziam programas e quem sabe uma aposta mais alta, pudesse convencer alguma delas. O show começava bem mais tarde e Rogério não tinha pressa. Várias garotas dançavam na pista a sua frente e um exame minucioso não revelou nada que valesse a pena sob seu conceito. Repentinamente em um relance, percebeu uma garota quase escondida em um canto pouco iluminado. Era muito bonita, mas tinha um comportamento diferente das demais, não dançava e parecia nervosa, roendo as unhas e com uma expressão tristonha.

Rogério pediu ao garçom que passava que a convidasse para a mesa dele. A garota veio e sentou-se a seu lado. Puxou conversa com ela e ofereceu o tradicional drink destinado as moças da casa, uma mistura com leve teor alcoólico. A garota era diferente, pois conversava de um jeito bem distante das demais. Demonstrava alguma cultura e não tinha aquele linguajar típico desse tipo de ambiente. Sorria docemente quando ele elogiava sua beleza e mal tocava na bebida. A maioria bebia aquilo o mais depressa possível para fazer o cliente pagar mais um. Pois ganhavam comissão. Convidou-a para dançar e logo percebeu que algo estava errado. A garota dançava muito bem, mas sem aquele exagero de colar no cliente com movimentos e atitudes eróticas. Finalmente acertaram um programa e foram para o motel perto dali. Chegando no quarto, Rogério começou a despir-se para um banho, já imaginando fantasias com a bela garota. Rosana ao invés de acompanhá-lo ao banho como faria qualquer mulher do local, sentou-se a beira da cama e desabou a chorar. Rogério parou e recolocou as calças aproximando-se da garota. Sentou-se a seu lado e carinhosamente colocou a mão sobre seu ombro,

- O que há com você?

– Não sei o que fazer, falou a garota entre soluços. Nunca fiz isso antes, não sei o que devo fazer. Rogério foi tomado por um sentimento que não sabia explicar, nunca antes havia se sentido assim, havia um misto de compaixão e ternura em seu coração.

– Ok, não se preocupe. Vamos fazer o seguinte, vamos sair daqui e você vai me contar tudo. Você obviamente não é uma prostituta e deve ter sérios problemas para estar aqui. Conte-me tudo e prometo que vou tentar ajuda-la. Rosana agora mais calma olhava para aquele homem e seus olhos ainda marejados descobriam os dele e sentia-se confortada. Rogério recostou-se sobre o alto travesseiro de penas e acendeu um cigarro. Ofereceu para a garota, mas ela recusou.

– Eu não sou daqui, disse ela esfregando as mãos uma na outra. Vim de Pelotas para cá atendendo a um convite para trabalhar como recepcionista. Conheci o Paulo numa festa, dançamos e ele me fez o convite. Eu precisava trabalhar, tenho que completar meus estudos de enfermagem e meus pais são muito pobres. As minhas roupas foram emprestadas por uma amiga. O dinheiro da viagem me foi dado por um vereador amigo de meu pai. Chegando aqui, não era nada do que o Paulo falou. Ele me tirou o dinheiro que sobrou, me bateu e disse que eu tinha que trabalhar na noite e que teria que dar a metade pra ele ou me virasse pra ir embora.

– Calma, vou te ajudar. Disse Rogério, limpe as lágrimas, vamos pro meu apartamento e fique tranqüila. Não vou te tocar.

– Esse tal Paulo, deixe comigo. Depois me de o endereço que vou tomar umas providências. Você já jantou? – Não. Respondeu ela, comi um pastel na boate, até tinha comida que eles dão pra gente, mas estava sem fome. Rogério pagou a conta do motel e tomou seu carro. Rumaram para a zona sul onde morava. Antes passou numa lanchonete e fizeram um generoso lanche. O amplo apartamento no primeiro andar, decorado com muito bom gosto encantava a garota que parecia feliz. O quarto, uma ampla suíte com móveis caros, uma cama de casal um quadro de Mabe na parede, televisor e ar condicionado.

– Vou dormir no sofá e amanhã compramos umas roupas pra você. Rosana deitou-se na cama macia, mas, não conseguia conciliar o sono. Aquele homem bondoso tinha um charme que a encantara e comovida tentava compreender como num local como aquele encontrara uma pessoa tão diferente e compreensiva. Sentia-se atraída e não entendia direito o que estava acontecendo com seus sentimentos Levantou-se e entreabriu a porta, observando Rogério que fumava sentado no sofá. Vestida só de sutiã e calcinha, pegou o lençol e enrolou-se aproximando-se, sentou-se ao lado dele. Ele apenas a olhava e parecia que agora o fazia de um outro jeito Então seus olhares se encontraram e ele a tomou nos braços e um longo e intenso beijo fez com que de repente se descobrissem completamente apaixonados. Ele a tomou no colo e então a levou para o quarto. Viveram uma intensa noite como a muito tempo não haviam vivido. Quando na manhã seguinte, Rogério acordou, procurou-a na cama. Mas ela já estava na cozinha e havia preparado um gostoso café. Não lhe foi difícil encontrar o que precisava, pois a cozinha era uma perfeita bagunça, típica de um homem solteiro. Rogério estava feliz, sentia que alguma coisa estava finalmente mudando em sua vida.

Aquela garota desprotegida e frágil estivera a ponto de prostituir-se e agora ela era sua mulher. Sentia que aquela noite havia lhe proporcionado a mais pura sensação de sua vida. Acostumado com os falsos estratagemas das prostituas, sabia que a garota fora sincera em suas atitudes Pela primeira vez em sua vida sabia o que era amor, intenso e verdadeiro.Ligou para um amigo dono de uma loja de roupas femininas e depois que Rosana deu aquele jeito feminino que só as mulheres são capazes, a cozinha ficou irreconhecível. Pelo menos para o Rogério. À tarde foram a loja do amigo de Rogério que apesar do feriado os atendeu com toda a paciência, mesmo porque o Rogério não economizou. Comprou um enxoval completo. Resolveu antecipar suas férias e foram na manhã seguinte para Pelotas. Foram dias de intensa e completa felicidade. Os dois estavam felizes e isso notava-se na troca constante de carinho. Resolveram então se casar. Casaram-se lá, Rosana fez questão. Hoje ainda vivem na zona sul de Porto alegre, Rogério aposentado e Rosana dedicam-se aos filhos e netos do casal. O Filho mais velho, também engenheiro já lhe dera um casal de netos e Brenda a filha mais moça estudava medicina. Rogério finalmente encontrou o que buscava no lugar menos provável. 39 anos de um casamento sólido e que o afastou para sempre da vida boêmia.

Conseguira arrancar uma jóia das mãos do diabo antes que ele a destruísse.

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 16/04/2010
Código do texto: T2201397
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