A DOR DE CADA UM = EC

Véspera de Natal.

Heloísa está na fila do Caixa de um supermercado .

Todos os anos é a mesma coisa. Ela planeja fazer tudo com antecedência para evitar o atropelo dos últimos dias, mas, qual! Está sempre correndo até a última hora.

Pensa divertida que se o Natal por algum motivo fosse adiado 10 dias, ela correria esses 10 dias atrás de coisinhas de última hora.

Parecia a ela que todo mundo era desse jeito, pois todo mundo, ou pelo menos a metade da cidade estava naquela fila, sofrendo aquele calor sufocante, com dor nos pés e irritada com a espera.

Mas ela não ia se irritar e, para distrair, começou a pensar na próxima festa de Natal.

Sua família era pequena. Tinha só uma filha casada e uma netinha.

Mais uma vez sorriu divertida lembrando-se da sua surpresa quando Elana, a filha, contou que estava namorando o Elano, agora seu marido.

Conhecia vários casais com essa coincidência. Seu irmão mesmo, Paulo era casado com a Paula, mas estes nomes são bem mais comuns do que Elana e Elano.

Só tinha esse irmão e o marido tinha duas irmãs solteiras.

Os seus pais e os sogros, velhinhos, tinham alguns problemas de saúde, mas eram muito alegres e participavam da festa até onde podiam.

A família toda era muito unida. Não se lembrava de nunca ter havido o menor desentendimento entre eles.

Morava em um condomínio de classe média, muito bom e era na sua casa que a família se reunia nas datas festivas.

Toda a vizinhança era conhecida e os fins de festa eram sempre nas áreas comuns com todos participando.

Elana viajará para a Disney com o marido e a filha.

Era o presente de Natal da menina, antecipado, pois, no Dia a festa era na casa da Vovó aonde o Papai Noel ia chegar.

Estavam viajando àquelas horas, pois chegariam logo mais, no meio da tarde.

Sorriu agradecida a Deus por ter uma vida tão boa, uma família tão unida e tudo para ser feliz.

Mas ...

Quando atendeu o celular ouviu a voz nervosa do marido:

- Venha pra casa!.

- Espera mais um pouco. Já estou quase no Caixa.

- Largue tudo e venha.

Assustou-se. Parecia que ele chorava. Que teria acontecido? Seria um dos velhinhos? Qual deles?

Aflição crescendo no peito depois do primeiro choque, pegou o carro e saiu tão rápida quanto o permitia o trânsito difícil.

O marido a esperava na entrada.

Chorava. Em toda sua vida juntos nunca o vira chorar e ficou assustadíssima

- O avião caiu mar!

- O quê? Que avião?

Não queria acreditar, não podia ser, era cruel demais!

Mas era verdade.

Tudo rodou a sua volta e alguem a amparou para que não caísse.

A cunhada trouxe um copo com água e um comprimido.

- Tome. Assim você descansa um pouco.

Ela estava chorando também.

Horas depois Heloísa despertou de um sono profundo e aos poucos a realidade a atingiu como um torpedo.

A Elana, o Elano, a Elisabeth .... No fundo do mar ... Nunca mais os veria ... Aquilo parecia um pesadelo terrível.

O marido estava deitado a seu lado de olhos parados fitando o teto.

O irmão e a cunhada entraram no quarto e Paula, sempre atenciosa, sugeriu:

- Levantem e desçam para comer alguma coisa que eu vou preparar.

- Não estou com fome.

- Mas precisa comer. Não comeu nada o dia todo.

Só então se deu conta de que já anoitecia e resolveu fazer o que sugeriu a cunhada.

Os pais dela e os dele chegaram quase juntos.

Não sabiam de nada e coube ao Paulo contar-lhes o ocorrido, com o devido cuidado escolhendo, as palavras para não assusta-los, como se isso fosse possivel.

Os quatro ficaram olhando para ele, sem querer entender muito bem o que ele dizia, profundamente chocados.

Pouco depois a mãe de Heloísa começou a passar mal e Paulo foi levá-la ao hospital onde ficou internada.

O marido insistiu em ficar com ela e o médico achou que era bom que ficasse mesmo porque também ele não estava muito bem.

Paulo ficou com eles e Paula voltou completamente arrasada.

A meia noite, ao invés do costumeiro brinde, abraçaram-se chorando.

A sogra de Heloísa sugeriu que fizessem uma oração e foi o que fizeram emocionados e desalentados.

Heloisa saiu ao portão. Os vizinhos tentavam conforta-la sem saber muito bem o que dizer.

Todos estavam pesarosos. Conheciam Elana desde criança. Ela era muito comunicativa e tinha amizade com todos os vizinhos.

O Natal foi muito triste. Não houve a ruidosa comemoração de costume. Todos comungavam a mesma dor.

Heloísa pensou com amargura:

Que "Infeliz Natal!"

Mas, olhando ao longe, pode ver os enfeites luminosos. Ouviu o repicar dos sinos e o espocar dos rojões e pensou que todos os dias aviões caem, pessoas morrem nos hospitais, nas casas, nas ruas, no mar e que nem por isso o Natal deixa de ser comemorado.

Afinal, Jesus não veio para tirar as nossas dores, mas para nos ensinar a suporta-las.

ENQUANTO ISSO LÁ DO OUTRO LADO DA CIDADE ....

Ramiro era um Garoto muito carente.

Desde criança tudo lhe faltara, comida, agasalho e, sobretudo, amor ..

Não sabia quem era seu pai e tinha mais seis irmãos nas mesmas condições.

Sempre ouviu dizerem que uma sua mãe não prestava.

.

Durante muito tempo não soube por que, mas agora com dezoito anos, muita coisa já podia compreender.

Durante toda sua infância e adolescência andara pelas ruas, pedindo restos de comida para se alimentar e vez por outra ganhava uma moeda e comprava uma bobagem qualquer.

Mas, agora já era um homem e podia começar a ganhar dinheiro de uma maneira mais eficiente, ou seja, roubando.

Chegou o Natal com todo seu encantamento, suas luzes, sua festa ruidosa, mas, para Ramiro nada disso tinha significado, pois assistira sempre essas festas de longe. Nunca participara de nenhuma delas. Nunca receberá um presente ou tivera uma comida especial.

Mas, aquele ano ia ser diferente. Ora, se ia!

Com um saco enfiado na cabeça para não ser Reconhecido, adentrou uma residência onde se realizava uma festa, agarrou um bebê e disse que só o largaria se lhe dessem cem reais.

Houve um momento de susto, mas, ato contínuo, mãos fortes o agarraram, libertaram o bebê e o seguraram até que a Polícia chegou e levou-o.

E Ramiro, que nunca tivera um Natal Feliz, teve, então, o seu mais Infeliz Natal

Este texto faz parte do Exercício Criativo - Flagrante Delito.

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Maith
Enviado por Maith em 07/12/2009
Reeditado em 07/12/2009
Código do texto: T1964997