Um homem célebre - versão emoderna

"Às vezes fico pensando em você

Pensando em coisas que nem tenho coragem de dizer

O quanto te amo, o quanto te quero

Um beijo seu é o que mais na vida espero".

Se eu subir no palco e cantar apenas esses quatro versos, apenas essa estrofe, já garanto a popularidade que muita gente da minha idade gostaria de ter. Se for um cara a fim de pegar umas menininhas então, nem se fala. Porém, estou cansado disso tudo. Daqui a alguns meses, daqui a pouco, quando aparecer outra banda emo, vão esquecer de mim e da minha música. Na verdade, só queria escrever algo que exacerbasse, que ficasse nos ouvidos de muita gente por gerações e tal.

Pena que não consegui tal feito ainda. Também, só componho, só toco há uns meses. O tempo e a matemática não o permitiriam. Acho que ninguém do meu público já se tornou pai ou mãe, muito embora estejam há muito na ativa. Adolescentes, hormônios, sabe como é. Também não fico atrás. Bom, para evitar qualquer gracinha do tipo “ah, quer dizer que você só fica na frente, olhando para trás, né”, digo logo que pego geral nos meus shows. É só eu dizer “sabe, quando escrevi aquela música, tava pensando em você”. Essa é a frase-chave para eu conseguir uns amassos. Aquela música, segundo as minhas contas, já deve ter tido umas vinte destinatárias. Ou destinaotárias, com o perdão do trocadilho.

"Oiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, caraaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa, adorei seu xouuu ontem, vou te add aqui, blzinha?????? Bjuuuuuuuuuuus".

Isso também acontece muito. Toda noite, madrugada, depois de mais um show, aparecem aos montes delas me adicionando no Orkut. Acho que não conseguem escrever uma palavra sequer sem o miguxês, mas fazer o que, são todas bem gostosas, aí deixo que entrem no meu Orkut para depois eu... ah, deixa pra lá.

Não sei por que, mas nesses momentos, nesse tipo de interação – mesmo que superficial -, acabo ficando emotivo. Tento escrever algo que fale sobre o amor, algo que não seja clichê, mas me sinto um pagodeiro daqueles com dor de corno.

"Quero falar de amooooor

Mas não quero ser clichê

Me liga, por favor

Eu só quero vocêêê!"

Caso resolvesse comentar a minha própria música, acho que seria algo como uma página de um livro composta apenas por reticências.

Há dias em que me sinto inspirado. Paro. Sento. Respiro fundo. Penso. Penso. Penso. Escrevo sem parar. À capela, canto o que acabei de escrever.

"Quando o sol bater, na janela do seu quarto

Lembra e vêêêê

Que o caminho é um só".

Caramba, arrebentei. Essa é uma daquelas músicas que vai virar o hino de uma geração inteira. Mas minha irmã surge e destrói o meu castelo de Lego.

- Cantando Legião Urbana? Até que enfim música de verdade.

Pois é. A música que julguei inovadora, genial, já tem dono.

Pensando não ter o dom, a inspiração de forma natural dentro de mim, ando pelas ruas, vou à praia tentando encontrá-los. Porém, não os acho com a facilidade que imaginei. Facilidade mesmo só em ser reconhecido por uma groupie ou outra. Santos biquínis pequenos. Elas vêm, dizem que adoraram o show, perguntam do próximo, pedem o meu MSN, falam que estão sozinhas em casa (oba!) e bla bla bla. Alguns lelesks também vêm falar comigo. Sabem que a minha companhia é garantia de mulher por perto. Não dou muito papo e não entendo como conseguem usar aquelas bermudas tão gays de coloridas.

Como na praia só vou arrumar mais algumas transas para um domingo de tarde, resolvo ir embora e procurar algum lugar mais calmo, longe daquela confusão. Andando pelo centro da cidade, vejo um lugar daqueles com aparência Cult, com pessoas Cult, vários clones do Woody Allen e um bando de gente poser. Sento num canto, tento parecer inteligente, daqueles caras que vêem um monte de filmes alternativos e fazem mil considerações sobre cada um, mesmo sem terem entendido nada deles. Mas acho que não engano ninguém assim, pois minha bermuda é tão colorida, com cores tão berrantes, que mais parece feita de material radioativo.

De repente, vejo à minha frente uma menina, uma mulher linda. Saia comprida, branca, blusa de chochê marrom, vários cordões, várias pulseiras. Linda-linda. Quem dera minhas groupies fossem assim. Ela senta ao meu lado, fala um oi com um sorriso de comercial de pasta de dente e pergunta o que estou escrevendo. Bem melhor assim conhecê-la do que esbarrar nela e deixar cair alguns livros.

Falo da minha banda. Ela fala da faculdade de letras. Falo do último show. Ela fala das aulas que dá no pré-vestibular comunitário. Falo dos amigos da banda. Ela fala do estágio numa editora. Falo das aulas de inglês. Ela me diz que já fez medicina e fala alemão. Os dois últimos períodos são brincadeira.

Trocamos MSN, Orkut, os grandes vetores da comunicação nos dias de hoje. Vejo as comunidades dela no Iogurte e a minha ignorância me espanta. Um monte de coisas, um monte de gente que nunca ouvi falar. Enquanto isso, no meu perfil há uma letra do Fresno. Finalmente, a bendita plaquinha do MSN sobe e lá vem quem eu esperava. Deixo de assistir ao Pânico só para ficar de papo com ela.

Indo direto ao assunto, marcamos no próximo sábado de ir a algum barzinho com música ao vivo, de preferência MPB, algo que só conheço de nome. Entre batatas fritas, copos de coca-cola e de chope vazios, minha mão desliza até a dela. Um sorriso tímido e, logo depois, um beijo. Enquanto isso, escuto "quando não está inspirado, ele procura a inspiração". Música de Jorge Bem sobre o Zico.

Chego em casa, sento na minha cama e escrevo. Dessa vez, em inglês, algo que me fará famoso internacionalmente, a banda emo mais famosa do mundo.

Today is gonna be the day

That they're gonna throw it back to you

By now you should've somehow

Realized what you gotta do

I don't believe that anybody

Feels the way I do about you now

Acho que essa estrofe transmite exatamente o que sinto no momento. Compus um hino, uma música a ser cantada por multidões, algo que será tão famoso quanto as músicas dos Beatles. Sei que é madrugada, mas canto o mais alto que posso no meu quarto. Acordo minha irmã, ela vem e me diz:

- Caráleo, Oasis a essa hora?

De novo. Quando penso que engenho e arte me ajudaram, mais uma vez estou, insconscientemente, plagiando algo já existente. Olho para o espelho, olho para o meu quarto, meu violão, minha guitarra, que tanto prazer e alegria já me deram, e vejo que não sei tirar o melhor deles. É a mesma coisa que dar uma Ferrari para o Barrichelo.

No outro dia, encontro com Ela novamente. Conversamos, ela sempre me contando mil coisas para lá de interessantes e eu com meus assuntos superficiais. Mais uma vez me sinto o Eduardo da Mônica. Que maçada.

Mais tarde, encontro meus amigos, aviso que vou sair da banda, que desejo outros ares para mim. Cansei dessa vida de lelesk playson. Deixo com eles algumas das músicas que já havia feito, que estavam em casa esperando o momento certo de serem gravadas ou cantadas em um novo show mesmo. Alguns parecem gostar da minha saída. Maior popularidade para eles, mais groupies assanhadas e sedentas, né. O novo vocalista será aquele que sempre se sentiu - e que sempre foi, na verdade - o patinho feio de nós. Porém, sempre foi meu melhor amigo.

As groupies agora têm novos donos, assim como seus gritos histéricos. As letras melosas, de minha autoria, entrego de bandeja para qualquer um da banda. Parabéns pelo nome nos créditos. Meus dias, minha atenção e, quem sabe, minha inspiração têm novos donos e uma só dona.