O reflexo de um ser equilibrado

A música não tocava.

O radio silencioso, os CD’s jogados

O piano que outrora trazia tanta euforia aos dedos entusiasmado, está guardado, tampado, lacrado, esquecido.

O violão em algum canto perdeu completamente seu som

Já não tinha vontades, ou ainda, não mais importavam.

Resolveu ser normal, ser decente, ser orgulho, ser o que a sociedade ditava e, além disso, tentar viver nos parâmetros de Deus... e ser pelo menos um terço do que o Soberano sonhara para ele.

Resolveu mostrar aos outros que valia a pena ser quem ele era, ou deveria ser.

Tentou mostrar para si mesmo frente ao espelho quem ele mostrava ser para os outros. Fingiu tão bem, que acabou se perdendo. Pouco importavam as horas, os dias, as pessoas.

Ele sim, tinha cabeça boa! Não era mutante, inconstante ou desequilibrado.

Ele sim, era confiável!

Mas o problema real surgia quando a noite caia.

Tomava banho, fazia a barba e então, se olhava no espelho. Afinal de contas quem era aquele sujeito que via à sua frente?

Era ele! Mas quem era "ele", afinal?

Ahhh, ele era o sujeito equilibrado, o sujeito constante. Dava um sorriso falso, para si mesmo!

Fazia a barba correndo, sufocado pela idéia de, enfim, se reconhecer frente ao espelho. Dava logo uns tapas (passando a mão no rosto, impregnada de uma ótima loção importada, dinheiro não era o problema)

Sem animo e apático, sem cor e ação ia para a cama. Seus olhos cansados... seu corpo fadigado de viver em mundo de superações... o sono não chega, seu coração não entende o porquê está preocupado, na verdade o fato de não conseguir dormir já o preocupa... sua mente grita pelo sono... a luz da TV ligada não o distrai e os pensamentos voam em devaneios, hoje, dormir não é uma tarefa tão simples assim... sua cabeça se perturba... e não há ninguém para ouvir seus gritos.... em um quarto escuro ele se encontra aprisionado em si, acreditar cegamente que o Criador o sustenta em seus braços é sua única força para prosseguir...

Em seu desespero... Dormia profundamente, após a ingestão de um confiável tarja preta. Droga lícita, de gente bonita, de gente bacana e equilibrada. E que equilíbrio, hein... Usava "só para relaxar", para descansar... para dormir.

Afinal é o que a sociedade faz, não é?

No outro dia levantava-se, não se olhava no espelho, tirava o pijama, tomava café - quente e forte - , enquanto lia o jornal que pegava na banca da esquina. Tudo certo. Tudo milimetrado. Só quando se sentia preparado para o dia longo e estranho que tinha pela frente, saía de casa. Dirigia seu carro ouvindo no rádio o jornal para pessoas "seguras de si mesmas". Sim, ele era antenado, equilibrado... muitos o invejavam, muitos queriam ser como ele...

Pobres inconstantes...

Sim, ele era acido... até para si, e ninguém via, ninguém o via por dentro, seus verdadeiros sentimentos

O cotidiano, a falsa alegria, o sorriso amarelado pelo exagerado consumo de café, o tornara cada vez mais instável... Mas sim, ele é equilibrado, ele era o ser social, a pessoa comum que segue sua vida pelos parâmetros da sociedade.

Ele é trabalhador, entende do mundo moderno, senta frente ao computador e descarrega seus dias por lá, ele é um adulto, ele é responsável demais, uma pessoa justa aos olhos do homem, mas e Deus? Quem vai devolver sua vida quando olhar para trás?

O todo poderoso, o seu Criador. Pois todos os dias lembrava das promessas que outrora lia em sua bíblia e se perguntava durante a madrugada, quando elas chegariam.

Ninguém vai cumprir o que nunca fora prometido, ele pensava que acreditava nelas, mas já havia desistido a muito tempo... e não há o que se fazer por um sepulcro caiado.

O silencio lhe consumia, os remédios não ajudavam mais, um já não dava conta, aquele pote de remédios tarja preta lhe parecia suculento, a gilete do barbeador o acariciavam, já não precisava ter barba para se barbear e a cada passada de gilete, usava ainda mais força, o sangue escorria.

Mas ele é equilibrado...

O espelho mostra a verdadeira realidade, e ele... já não suporta mais seu reflexo, e o que mais lhe atraí são os cacos de espelho no chão do banheiro do ultimo que havia quebrado, por não se suportar mais, cacos de uma imagem exterior, que já refletia a loucura interior, mas como loucura? Um ser equilibrado não faz loucuras e se sustenta na coerência de suas atitudes.

Ele era acido... até para si.

Day Princess e Ronny

Diane Gardim
Enviado por Diane Gardim em 02/04/2009
Reeditado em 02/04/2009
Código do texto: T1519841