HISTÓRIAS A "TRINTA POR HORA"

Ele vinha distraído, a driblar os buracos da calçada pela manhã que ensaiava nascer.

Um estranho silêncio vagava pela cidade nua dos costumeiros automóveis e comtemplada pelos voos das aves que escapavam do parque e rapidamente ciscavam no asfalto.

Os semáforos pareciam abrir e fechar para o nada, também asssustados com a solidão da manhã da megalópole, tão diferente do cotidiano de sempre.

Domingo é dia de missa, e de súbito pensei se ele ainda rezava.

Eu não o conhecia, mas rapidamente entendi que sua cama era ali na calçada, montada entre um amontoado de panos sujos e jornais velhos, e seu corpo parecia não conhecer os carinhos dum simples banho quente...há anos...

Seus passos ziguezagueavam, seu olhar vago focava o horizonte,seus cabelos desgrenhados pousavam-lhe os ombros, e suas pernas tinham movimentos fracos e caóticos.

Sua face ainda jovem, levava a barba por fazer, aonde se insinuavam as arcadas salientes dos seus zigomáticos, nítida manisfestação da sua desnutrição.

Discursava sozinho para uma plateia de ninguem.

Mas percebi que ainda era um ser... cujo instinto de vida perdurava.

Talvez o último ato de preservação que ainda lhe restava estaria ali, prestes a impressionar meus olhos...

Por um instante parou no cruzamento, esperou pelo fechamento do semáforo e só depois, disciplinadamente, atravessou na faixa de segurança.

Inquietei-me! E me perguntei porque aquele ato anônimo e tão óbvio me comoveu tanto!

Nada surpreendente...porém deveras envolvente...

Olhar a cidade pelas manhãs calmas, a mim é como colher histórias do asfalto, e derreter no âmago delas.

Subi a avenida Brigadeiro nos meus costumeiros "trinta por hora" dos domingos, e ele continuou trôpego a caminhar-seguramente!-sem destino...