O CONSELHO DO PAI-DE-SANTO

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Meus Contos

Américo contava com 23 anos e desde os 18 servia no Destacamento de Base Aérea de Santos, na ilha de Itapema, também conhecida como Vicente de Carvalho. A ilha fica próxima ao porto de Santos e seus habitantes homens, na maioria, eram estivadores que trabalhavam no porto. Apesar do catolicismo ser a religião predominante, poucos eram os moradores que não tinham posto os pés em um terreiro de candomblé para “tomar um passe” ou fazer um pedido.

Américo era meu companheiro de farda desde o ingresso na aeronáutica, assim como o Wanderley e alguns outros. Formávamos um pequeno grupo, comum em toda caserna, para as farras nos finais de semana em que folgávamos.

Acontece que o Américo estando para se casar, se viu indeciso e nós todos solteiros não tínhamos autoridade para um conselho. Ele, então, resolveu pedir um conselho a um pai-de-santo muito famoso na ilha, e, para dar-lhe confiança, nos levou a “tiracolo”.

Entramos, com a devida licença dos seguranças, na salinha do candomblé. Sentimos logo haver ali uma mistura de fumaça de charuto e cheiro de cachaça.

— Mas que cheiro safado! Disse-me baixinho, Wanderlei.

Então, fomos nos refugiar perto da única janelinha da saleta. Minutos depois, mais habituados à atmosfera do lugar, pudemos observar melhor o ambiente. Havia na saleta (lotada), entre outras pessoas, umas mulatas saradas, vestidas de branco, que o pai-de-santo sentado em uma cadeira do tipo “trono”, chamava de vez em quando para fazer isso ou aquilo.

O Pai-de-Santo, conforme ficamos sabendo, “recebe” um espírito de alcunha Zé Pelintra e vestia-se conforme a exigência dele: terno branco, gravata vermelha, sapato branco, chapéu branco com uma fita vermelha e finalmente uma bengala. Uma das formosas mulatas informou-nos que o Zé gosta muito de ser agradado com presentes, principalmente em reais; como também, ser brincalhão, da presença de mulheres e de elogiá-las... Informamos-lhe que o agrado seria feito pelo nosso amigo Américo.

 Por detrás do trono onde estava sentado o pai-de-santo, ficava o santuário. A figura central, no primeiro plano era a estátua duma sereia: branca, cabelos e olhos pretos, nua da cintura para cima, seios formidáveis. Paradoxalmente, sustentava no braço direito o menino Jesus. Santinhos miúdos se distribuíam em torno dela, pratos de sobremesa com caramelos, frascos de dendê, pires com pimenta-do-reino, fitas, conchinhas e não sei o que mais, e tudo ia subindo num altar em degraus, todo iluminado... No fundo, em cima de tudo, reinava um tabernáculo com a imagem de São Pedro em madeira; por trás do santo, afixado na parede, um pano de seda carmim, muito bonito, onde se via bordado o sol, uma harpa e flores.

O pai-de-santo pediu as mulatas misteriosas que trouxessem umas pequenas tigelas de barro que estavam ao pé do altar. Com uma tigela em cada mão, as mulatas ajoelhavam a frente do pai-de-santo que despejava um pouco de aguardente dentro da tigela, onde havia na mistura de fumo de rolo (desfiado) e ervas; em seguida baforava - após uma longa tragada - a fumaça do charuto, cobrindo o que chamava de “marafa”.

— É... quem entrou tem que se assujeitá! – sentenciou o pai-de-santo.

— Meu amigo, você vai beber essa porqueira? Perguntou-me Wanderlei

Mas, para nossa felicidade, ou melhor, minha e de Wanderlei: só tinham direito ou dever de cumprir o rito, os que iam solicitar um trabalho do pai-de-santo. Américo empalideceu, porém, pela necessidade, aguardou a sua vez. Quando foi chamado para a consulta, bebeu a marafa, praticamente na marra; ficou um tanto aturdido, tonteou, fez menção de devolver o que engoliu, mas, se segurou; descalçou os sapatos, ajoelhou diante do pai-de-santo e pediu o conselho.

O pai-de-santo encarou-o e perguntou-lhe de relâmpago, sem dar tempo a ele de pensar:

— Se te dessem a escolher entre dois objetos, um bom e outro melhor, qual deles escolheria: o bom ou o melhor?

Américo sem embaraçar-se respondeu:

— Claro que escolheria o melhor?

— Pois então meu filho, casar é bom, mas o não casar é melhor, então, escolha o melhor.

Após o conselho do pai-de-santo, é que me dei conta de um excelente conselho do filósofo Sócrates, que poderia ter repassado ao Américo e evitado dele ter de beber a marafa: “De qualquer maneira case-se; se conseguir uma boa esposa, você será feliz: se arranjar uma esposa ruim, você se tornará um filósofo”.

Como o nosso amigo era o último a ser atendido, o pai-de-santo encerrou os “trabalhos” daquela noite dizendo:

— Quem é de abença, abença; quem é de boa-noite, boa-noite.

Não obstante o conselho do pai-de-santo, algum tempo depois, Américo “foi casado” pelo pai da noiva, cuja “barriguinha” já se fazia notar. Eu e o Wanderlei estávamos lá, ou melhor, fomos os padrinhos. ®Sérgio.

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Se você encontrar erros (inclusive de português), faça a gentileza de avisar-me.

Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquer comentário. Volte Sempre!

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 15/01/2009
Reeditado em 07/08/2013
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