A língua paga - BVIW
Gerusa nunca teve jeito com plantas. Achava bonito ver na casa dos outros. Não queria nem as de plástico. As de verdade tinham que ser aguadas quase todo dia, e as artificiais precisavam ser limpas da poeira.
Língua falou, pagou. Foi o que a mãe disse quando Gerusa aceitou uma oferta de trabalho depois de quase dois anos desempregada. Ela já havia sido cuidadora de idosos. Animada, esqueceu de perguntar detalhes do trabalho.
Como recomendação do filho único de dona Zenaide, de 96 anos, recebeu a relação de remédios, rotina de alimentação e de higiene. E um pedido especial: cuidar dos duzentos vasos de plantas, no apartamento de noventa metros quadrados.
A cuidadora se via chorando clorofila, de tanto contato que passaria a ter com as plantas. Tinha que se desviar delas quando passeava com dona Zenaide pelo apartamento, de poucos móveis, para as plantas crescerem em liberdade.
Foram dois anos assim. Dava mais tempo às plantas do que à idosa que, devido à idade e à saúde, passava mais tempo deitada, quase não falava mais.
Em suas últimas palavras, disse que Gerusa ia herdar as plantas e uma renda mensal para cuidar delas. Dias depois, ao voltar para a casa da mãe, em um caminhão cheio de plantas, levava um segredo: sabia decorado o nome de todas as suas duzentas filhas adotivas. Era uma mãe clorofila.