VENDA DOS DESEJOS - BVIW

 

 

Eu sempre tive essas mãos prontas para a luta. Mesmo nos tempos em que brincava de vendinha com Rosinha e Samuel, eu era o que fabricava o que vender; Samuel tinha ideias urbanas, Rosinha as admirava, escrevia no papel as palavras promoção, caixa, venda do Lino e o ajudava ajeitar as mercadorias nas prateleiras improvisadas do celeiro. Eu moldava as latas velhas, pegava tocos de madeiras, lascas de lenhas, cascas de coco, palha de milho para transformar em mercadorias. O tempo foi passando e essas mãos prontas para tudo, eram cheias de palavras não ditas, de desejos naufragados em ingenuidades pueris.

 

Samuel morava na cidade e desde a infância, só vinha em época de férias. Rosinha casara-se com um pastor para o desgosto eterno de minhas mãos solitárias e de meus cabelos envelhecidos. Nem vi o tempo se esvaindo de modo precoce e definitivo.

 

- Eu estou bem, cuido do gado, dos cachorros, da venda e das galinhas; a noite me pega num cansaço de mortalhas antigas e sombrias.

Abro um vinho. Moro em uma fazenda de próprio suor. Sou José Lino e sinto um vazio que não cabe nessas mãos e nem nos poemas que escrevia escondido no tempo de Rosinha ainda solteira. Se fosse mais de falar que de escrever, não a teria perdido para um proseador religioso. Que poema ganharia das falas de Deus?

 

– Dizem por aí que ele chifra Rosinha com Maria Adelaide.

 

As mãos solitárias de José quiseram mais vinho. Iriam à barbearia do Alencar resolver os brancos e depois voltariam a frequentar igrejas, fabricar poemas ou sonhos de noites melhores.

 

Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 17/04/2024
Reeditado em 17/04/2024
Código do texto: T8043706
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.