FOTO EM PRETO E BRANCO

Lancei rápido olhar à imagem diante de mim, acabrunhado. O sofá velho e surrado como tudo o mais da nossa casa em épocas de outrora, a a parede da sala com o reboco descascado e resquícios de mofo, uma mesinha de centro manchada, um carrinho de brinquedo malfeito quebrado no chão e uma cadeira da vovó com assento e encosto de pano, sujo, notei. A velha foto em preto e branco registrou tudo em derredor de seu foco, eu em primeiro plano todo empertigado e aparentemente feliz porque ser fotografado não era acontecimento corriqueiro em minha vida, daí a possível alegria estampada. Sorriso meio torto, os cabelos mais ou menos bem aparados e penteados, usando roupa domingueira e pose madura no franzino corpo infantil, lá estava eu me transformando em recordação futura. Ao lado dos despejos.

Não sei quem me fotografou naquele dia, lembro que não havia máquina fotográfica em casa e os filmes custavam caro. Luxo impensável para nós.Talvez fosse meu aniversário e algum vizinho nosso, por gentileza ou favor, registrou o momento a pedido de meus pais. Olhando hoje aquela foto de tempos tão longínquos, vislumbrando a simplicidade da casinha de meu avô paterno onde morávamos de favor, não seguro as lágrimas. Choro de saudade menos das nossas condições sociais e mais do tempo da inocência que os anos me roubaram.

Apesar do meu sorriso de aparente felicidade na velha foto, bem sei, algo em meus olhos denunciava réstias de tristeza causada pela incerteza dos dias vindouros. Ali no pouco brilho do olhar, somente eu sabia, clamavam os alvoreceres, as tardes e as noites sem a perspectiva de um prato de comida decente, uma escola vazia de merenda escolar mas transbordando de carrancas e reguadas dolorosas nos braços aplicados pela professora ranzinza e mal preparada e dos muitos sonhos que se acumularam apenas porque era grátis sonhar.

Por conseguinte, compreendo que jamais seria de bom alvitre volver novamente os olhos àquela foto devido as tantas amarguras pontuadas em cada detalhe, angústia que não valia a pena lembrar. Doía tanto! Por isso a recoloquei no fundo da gaveta onde o passado ficou e precisa continuar.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 18/03/2024
Código do texto: T8022356
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