A Pedra e a Flor
Rolava pelo campo uma pedra, bruta, pesada pelas várias camadas de tempo e tempestades, de idéias antigas, frustrações, de medos, mas cheia de uma vontade única de encontrar algo que achava já conhecer.
E por isso rolava, não conseguia se acomodar, queria subir a montanha... não sabia porque, mas tinha que subi-la. Às vezes, porém, o medo era pior que a gravidade e o fazia andar em círculos. Chegava, por vezes, a acreditar que preferia continuar por ali, onde já conhecia, do que se arriscar em outras paisagens. Dessa vez, não. Dessa vez subia...
Um dia a pedra parou em um caule verde, que ia para o alto, mas que era de um verde tão belo e profundo que a pedra se pôs a contemplá-lo.
Disse a Pedra:
- Já vi algo assim antes, acho que te conheço, mas tua cor... e esse perfume... vem de ti? Tua cor e teu perfume conseguem vencer a dureza que há em mim e me preenchem de tal forma... nunca imaginei que houvesse espaços vazios a serem ocupados, achava ser completo. E o que são essas pontas espalhadas sobre ti? Quem tu és?
- Ora, sou uma rosa e tenho, sim, espinhos que me protegem... também... mas sei que às vezes incomodam e me afastam de quem tenta se aproximar.
Neste momento, um pássaro voou mais baixo e veio ao encontro da flor. Ele, livre, de canto macio e terno, causava na flor um doce encantamento, e ela, por um instante, sentia-se levitar, como se pudesse voar também, mas ela sabia que o pássaro era livre e voaria ainda por muitos campos e veria ainda muitas flores e principalmente, muitos outros pássaros. Era hora de deixá-lo seguir seu vôo, até porque agora se sentia ligada, não à terra, mas à pedra.
A pedra, porém, não conseguia ver direito o que se passava (o sol brilhava muito) e as camadas lhe pesavam a essência. Era-lhe difícil entender como aquela que lhe ocupava tão profundamente, que lhe agitava os átomos mais recônditos, já lhe alterando a forma bruta, podia estar tão distante, mesmo que lhe parecesse ao lado. Como chegar ao seu topo e descobrir suas pétalas? E os espinhos? Seriam esses mais suportáveis que os de outrora? Para a flor era igualmente difícil acreditar que a pedra trocaria todas as possibilidades de caminhada para estar ali com ela.
- Aonde vais? – disse a flor ao ver que a pedra ameaçava continuar sua jornada, quase confirmando sua descrença de que ficaria.
- Flor, te senti tão presente em mim que achei que estavas realmente aqui, mas estás longe, inalcançável... tens outros que talvez te conheçam melhor. E esse incômodo a me fervilhar por dentro... devo ir...
- Faço parte de um jardim e por isso recebemos muitas visitas, todas nós, flores. Mas se queres continuar, vá, volte a olhar o mesmo lado da montanha. Saiba apenas que outros podem até ter me visto de outra forma, mas nenhum me fez tanto querer deixar de ser botão.
Pedra e flor ali, imóveis, impróprios, envoltos por inefável desejo, por uma infausta vontade de se tocar.
- Quero tanto, flor, explodir em alegrias a te rodear o caule e te ver abrir as pétalas de carinho pelo desabrochar do nosso sentimento.
- Pois volta, pedra, que se te preencho a fonte mais profunda quero também te envolver toda superfície, retirando o peso dos nossos tormentos para encontrarmos, juntos, a razão desse encontro, inesperado, mas tão intenso que parece ter sido preparado aos milênios por toda natureza.
Flor e pedra ali, unidos de novo, incontroláveis a se transformar. Foi assim que a flor mostrou a pedra que ela podia se desdobrar, se esticar, subir, tanto quanto a pedra a convencera que ela, flor, podia se mostrar inteira, ela, puro perfume e beleza.
No ato de crescer a pedra foi esbarrando nos espinhos, ora retirando-os, ora sendo por eles lapidado.
No ato de se abrir a flor foi reconstruindo a pedra com seu brilho perfumado como chuva de bênçãos a jorrar de suas pétalas de luz.
No ato de se amarem deixou a rosa de ser botão para tornar-se a mais frondosa e vigorosa flor, e a pedra, sem o peso do passado e abraçado pela sombra rutilante da flor, o mais raro diamante.