Humor negro, quer dizer, ruço

Duas velhinhas russas, as viúvas Polina e Yelena, conversavam na casa desta última: ambas sabiam que Putin estava realizando uma operação especial na Ucrânia desde o ano passado, mas elas jamais falavam em guerra porque lhes fora informado – através dos meios de comunicação governamentais – que não havia guerra no país vizinho, apenas os russos estavam fazendo uma limpeza lá, eliminando os nazistas que tinham sobrevivido à grande guerra do século passado ou deixado descendentes ali.

Segundo os agentes russos, esses ucranianos ainda estariam pensando em facilitar as coisas para o Ocidente, ajudar europeus e americanos, caso eles decidissem invadir a Rússia e apropriar-se de suas riquezas e escravizar seu povo. Certamente a primeira coisa que eles fariam seria prender Putin e depois, talvez, matá-lo.

E como elas amavam o líder russo – tinham em casa grandes retratos de Putin pendurados nas paredes - , assim como mais de setenta por cento da população russa, então acreditavam piamente que ele estivesse fazendo a coisa certa lá na Ucrânia, como sempre fazia na Rússia, que era proteger as fronteiras do país e seu povo, atitudes patrióticas que causavam inveja no Ocidente.

Elas se interessavam por tudo o que o grande líder russo fazia ou deixava de fazer, assim ficaram sabendo através de outras vizinhas que ele tinha um grupo de funcionários encarregados de provar sua comida antes de se servir dela. É que uma vez Putin tinha quebrado um dente ao mastigar uma azeitona que julgava tivesse sido descaroçada, mas não.

Nisso entra em cena Yuliya, a neta de Yelena, querendo saber se essa história de azeitona era de fato verdadeira, pois nem ela nem seus amigos tinham ouvido falar disso.

Sim, era verdadeira, responde Polina, e prossegue dizendo que desde aquele dia e enquanto estivesse governando a Rússia, alguém sempre provava a comida do líder assim ele não quebraria nenhum outro dente. E a conversa iria morrer ali, pelo menos esse assunto, se a garota não tivesse perguntado se Putin consumia azeitonas todo dia, em todas as refeições, até mesmo no café da manhã.

Sim, consumia, a senhora Polina confirmou. Mas Yuliya não se convenceu com a resposta da amiga da avó porque com ela, quando comia muita azeitona, ocorria um desarranjo intestinal tão grande, por conta do óleo que o fruto da oliveira continha, que ela nunca exagerava no seu consumo pois sabia das consequências. Não ocorreria o mesmo com Putin, que era considerado um sábio por muitos russos?

Não, isso não ocorria com ele, que tinha tripas de aço, pois era um dos poucos seres humanos anatomicamente perfeitos que habitava nosso planeta. Essa resposta da senhora Polina também não convenceu a garota, que insistiu, apesar do pedido da avó para que parasse de questionar a amiga: mas será que os provadores de comida a serviço de Putin não estavam ali no Kremlin justamente para evitar que ele fosse envenenado? Será que essa história de azeitona e dente quebrado não seria mentirosa, inventada para encobrir a verdade, que havia gente que desejava ver Putin morto?

Aí a outra velhinha ficou pensando um pouco e pensou que como era verdade que o Ocidente invejava a Rússia até que isso podia ser verdadeiro também, que alguém desejasse a morte de Putin, provavelmente por envenenamento. Mas não comentou isso com a amiga e a neta dela.

Diante do silêncio das velhinhas, Yuliya aproveitou para dizer que aquela história de operação especial na Ucrânia não passava simplesmente de invasão russa ao território do país vizinho, que Putin não queria tanto assim se proteger do Ocidente, mas sim reconstruir a antiga URSS, coisa que muitos russos mais velhos também desejavam. E será que elas sabiam que o Tribunal Internacional de Haia, na Holanda, havia condenado Putin por crimes de guerra? Ou seja, que ele era um criminoso de guer...

A moça nem teve tempo de completar a frase porque a casa onde as três estavam foi destruída por um drone que despejou uma bomba no local, pois que quase tudo que os russos fazem é vigiado, espionado, proibido e punido. Algumas vezes com a morte, como ocorreu nessa narrativa.

- Nossa! Então era isso que você queria que eu lesse? Qual é a graça de uma história como essa, tão sem graça?

- Graça nenhuma, desgraça muita. Quem mandou você ler até o final?

- Estava curioso para saber como terminava. Não fiquei satisfeito com esse final. Afinal, as duas velhinhas e a moça morreram inutilmente, a guerra prossegue e o maldito criminoso continua vivo.

- Sim, muitos inocentes ucranianos continuam morrendo enquanto isso. E pensar que tempos atrás o Legislativo russo aprovou uma regra constitucional que permite que Putin fique no poder até 2036 se quiser.

- Meu Deus! Você não está falando sério, está?

- Claro que estou: pesquise e você verá que é verdade.

- Rapaz, se esse louco inventar de permanecer no poder até lá estaremos todos fud...

Infelizmente esses dois também não tiveram tempo de terminar a conversa.