Vapor
A morte é certa e natural. Como dizia um judeu: A vida é “um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece”. Assim, naturalmente, foi também a vida dela: vapor. Enterramos o vapor ontem e o choramos hoje. Nossas lágrimas também se tornarão vapor e não mais choraremos.
Cheguei até o caixão e vi ali um corpo imóvel, sem vapor, sem vida. Aquela que sempre me resistiu, sempre me contradisse, agora estava ali, imóvel, calada, para sempre. A morte é maior do que a vida, pois é para sempre. A morte é uma deusa que (abre o parêntesis para a vida, concedendo-lhe um tempinho e depois fecha) o parêntesis.
Vieram dois homens com um suporte para levar o caixão até a cova a ela reservada. Tiraram os restos do seu marido, vapor anterior que já conhecera a morte bem antes. Ela foi colocada no lugar de seu marido, pois agora ele ocupava apenas uma pequena caixa, sem a necessidade de caixão.
A deusa Morte é irônica, a morta lutou tanto para ter uma casa e agora é abandonada sozinha numa cova de um cemitério no interior do mundo. Pior do que um mendigo que ainda pode contemplar as estrelas, a morta não contempla mais, não tem mais poder, não tem mais cozinha, nem quarto, nem cama e tv. Seus inimigos poderiam rir de seu infortúnio, mas não podem, pois a vida é “um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece”.
Disse adeus à morta, em pensamento. Não queria que ninguém soubesse…