DIA DO PROFESSOR. A FORMATURA DA OITAVA SÉRIE B.

A Brasília amarela entrou barulhenta pelo portão da escola Antônio Matarazzo, deixando um rastro de fumaça . O veículo estacionou no gramado, ao lado dos carros dos outros professores. O professor Epaminondas desceu, com a maleta em punho. Os óculos e o terno azul eram sua marca registrada. -"Minha Brasília amarela, tá de portas abertas pra mode a gente se amar pelados em Santos. Music is Very good." Cantou um grupo de alunas, todas na mureta da quadra de esportes. O professor riu e acenou pra elas. Após um café na sala da diretoria, o professor passou na biblioteca. A Salete, líder da oitava série B, chamou a atenção dos colegas. -"Turma, é sério. Estamos no fim de setembro e ainda não definimos o patrono da sala, pra formatura de fim de ano. O Gustavo vai falar." O aluno sardento se levantou. -"Pessoal, tem dez alunos com as mensalidades da festa de formatura, em atraso. Alguns não pagaram julho. Assim, no tocar da carruagem, não teremos chácara nem churrasco mas sim pão com mortadela na casa do Minduim." A Patty se levantou. -"Em outras palavras, vamos pagar gente! Quem não pagar não vai na festa, simples assim." A Malu protestou. -"Calma, Patty. Aqui todo mundo é pobre." O Maneco, da turma do fundão e primo do Minduim, foi direto na ferida. -"Em março, todos votamos pela chácara e pelo churras, tão ligado?! Se não tiver grana para isso, anula-se isso e pronto. Devolva o money de quem pagou e anula logo de uma vez por todas." A turma ficou em silêncio. O Ataxerxes puxou o cabelo da Cibele. A menina o ameaçou com um lápis. -"Primeiro o patrono. A oitava A chamou o professor Apollo, de Química. Como sempre ele é o mais disputado por ter carro bonito e ser bonito também. A oitava C pegou a professora Jandira, por ser rica e ser irmã da diretora Nancy. A oitava D convidou a professora Amélia de Biologia, mas ela recusou. Chamaram a professora Gertrudes, de Matemática, que também recusou pois será paraninfa noutra escola. Chamaram o Estanislau, de Física, que alegou viagem a Minas na mesma época. Nós estamos pensando em chamar a professora Vanda, de Inglês." Salete fechou os ouvidos quando a turma gritou. -"A Vanda, não! Chama a Paula, de geografia." Protestou a Michele. -"A Vanda tá afastada com Covid. Não vai rolar." Todos se viraram ao ouvir o professor Epaminondas entrar na sala. A Salete murchou. -"Caraca, sério?!" -"Ela só volta ano que vem. A diretora já contratou um substituto. Bom dia a todos. Sentem-se pois vamos ler a página 134 do livro. História Grega, a guerra do Peloponeso. Um tema magistral e interessante." Salete fez sinal pra Patty, apontando o professor Epaminondas. A outra fez sinal de negativo com o dedo indicador. A Malu riu. Ataxerxes jogou uma bolinha de papel na cabeça da Cibele. -"Moleque chato." Gritou a Cibele, irada com o aluno que sentava na carteira atrás dela. Gustavo abaixou a cabeça. Uma bolinha de papel voou até a carteira da Salete. Ela derrubou o lápis no chão. -"Licença, profe. Caiu meu lápis." O professor, com a cara enfiada num livro de Nora Roberts, apenas resmungou. -"Qual era a página mesmo, professor? 142?" Gritou o Minduim, lá do fundo da sala. -"154 anta." Disse o Marivaldo, rindo. O professor se levantou e escreveu 134, com números grandes, no quadro negro. -"Depois vou dividir a classe em grupos de 5, pra discutir o tema." A Salete abriu o papel que tinha pego no chão. -"O mosquito nunca!" Ela riu ao ler o bilhete de Gustavo. Era assim que chamava o professor Epaminondas. Mosquito pois era alto, feioso e magrelo metido naquele terno amarrotado. Salete passou o bilhete para a Malu. Ela soltou uma gargalhada. -"O que viu de engraçado na matéria, dona Marluce?" A aluna corou. -"Bobice, professor. Esses nomes engraçados dos gregos." Salete, Gustavo e Malu se reuniram no intervalo. -"Pirou, Salete? Não tá querendo convidar o mosquito pra ser nosso patrono, quer?!" Gustavo estava furioso. -"Nem pensar. Seremos a gozação da escola." Adiantou a Malu. Zenaide e Gabriela vieram até elas. -"Não vão acreditar. Bafo. A oitava D pegou a professora Paula. Ela aceitou, após pensar muito." Anunciou a Zenaide, quase engasgando com a garrafinha de Coca. -"Estamos na roça. Azedou a boca da égua." Disse a Salete. -"Não sobrou ninguém pois os professores, Ananias e Vitória, sempre viajam no fim de ano. Dias depois, Salete, Gustavo e Malu foram a sala da diretora. -"Eu, patrona de vocês?! Não, sou a diretora e não serei patrona de nenhuma sala. Não é certo embora reconheça que fico feliz e lisonjeada com tanto apreço e carinho. Temos vários professores, todos são meus filhos e todos tem qualidades dignas de louvou e admiração da minha parte e da parte da escola, assim como da mesa diretora da secretaria de educação de nosso município, que prima pela quantidade de notas boas no Enem e na avaliação dos órgãos educativos da região a qual pertencemos. Sei que vão encontrar alguém apto de ser patrono de sua sala. As vezes, o que parece estanho e que não queremos, nos surpreende. O que desejamos com afinco nos decepciona. Vocês são inteligentes, vão achar uma solução. Toda sala deverá ter seu patrono de formatura." As alunas saíram da sala da diretora. -"Poderia simplesmente dizer não em vez de discursar. Achei que nunca ia terminar de falar. Parecia o homem da cobra, como diz minha vó. " Observou Gustavo. -"Toda a sala deve ter patrono, novidade." Salete estava irada. Na segunda feira, a Salete tomou a frente e convidou o professor Epa para ser o patrono da sala na formatura. -"É sério?! Estão me convidando, no duro?" A turma riu. -"É por única e exclusiva falta de opção, professor." Gritou o Maneco, lá do fundo. -"Caraca, velho. Por essa não esperava pois nunca fui chamado, sabiam?! Eu estou feliz. Eu aceito o convite sim, com muito carinho." A sala toda aplaudindo, o professor ajeitando os óculos, sem jeito e corado. -"Fechem os livros, vamos falar da formatura, da festa, o que querem fazer?" A turma ficou quieta. O Gustavo, tesoureiro da sala, se adiantou. -"O de sempre, estamos escolhendo a roupa que representa a sala. Temos uma vaquinha para a festa. A Salete tá vendo uma chácara, no recanto das árvores. Um lance básico." O professor fechou o livro. -"Básico. Legal. Irado mas se precisarem de ajuda, falem comigo, certo?!" Um grupo de alunos se reuniu atrás da cantina, durante o recreio. Outros alunos passaram rindo. -"Mosquito patrono da oitava B, vai ser lindo de ver." Salete quis partir pra briga mas a Patty a segurou. -"Liga não, pode piorar a situação." Delma, líder da oitava A, veio até elas. -"Mosquito? Não tinha melhor opção, garotas? O professor Epaminondas deveria ser patrono em Marte, Saturno onde vivem os alienígenas. Se bem que patrono só discursa e sai na foto mesmo." Salete e as amigas nada responderam e voltaram pra sala de aula. Gustavo e Maneco estavam numa mesa da biblioteca, discutindo a festa de formatura. -"Cara, fala com a turma do fundão, não vamos ter festa assim. Todos estão em falta com as mensalidades de cinquenta reais. Não teremos churrasco assim, no máximo pão com mortadela e groselha." Maneco retrucou. -"Você caiu na lábia das meninas, aceitando a escolha das meninas irem de vestido rosa e os garotos de roupa social. Ou vamos a formatura ou a festa. Somos pobres, de bairro de periferia. Além do que, vamos estar parecidos com 9s formandos da oitava A. É ridículo." Gustavo abriu o caderno. -"Olha. Têm alunos que deve a mensalidade de julho." -"Cobra você que é o tesoureiro. Como vamos a essa chácara longe, de jegue, a pé? Pensaram nisso ao alugar essa chácara? Estamos em outubro já, meu caro. Essa chácara, em dezembro, é mais cara. Não vai dar pra pagar essa chácara, esquece. Vamos lá, fazer churrasco só pra nós alunos? Tem que pagar um churrasqueiro pra assar, ou você vai assar? Sem a presença de nossos pais? Velho, vai ser uma presepada, programa que nem índio faz

Acaba logo com essa palhaçada, desiste de festa. Não dá." Os alunos não viram que o professor Epaminondas estava no fundo da biblioteca, escutando a conversa. -"Escolhemos o professor mosquito por falta de opção, pra não ficar sem patrono na foto. É um bom professor mas eu sempre preferi a professora Marluce." Disse Gustavo. -"Olha, quem sabe o mosquito nos surpreende?! Ele se ofereceu a ajudar, o que é raridade." Gustavo riu. -"Ajudar como? Vendendo a Brasília amarela dos Mamonas Assassinas? Professor ganha mal no Brasil, não é valorizado. Mais fácil a gente fazer uma vaquinha pra ajudar o professor." Os alunos saíram. Cibele arrancou folhas do caderno de Ataxerxes e as jogou na lixeira. O aluno ficou possesso ao notar a falta das folhas. -"Meu, sacanagem. Isso não se faz." Ralhou o Ataxerxes. Cibele ficou calada, rindo por dentro. Na outra semana, o professor Epaminondas anunciou um passeio ao museu. -"Avisem a família. Dia 18, museu de São Paulo, aí vamos nós. Tenho um amigo que é dono de uma empresa de ônibus e me cedeu motorista e um carro, de grátis. Vai ser bom dar uma volta." O professor, dias depois, no fim da sua aula, voltou a perguntar da festa de formatura. -"Pessoal, um minuto de atenção por favor. Salete, se me permite, bem... como patrono de vocês, sinto na obrigação de dar um presente a vocês. Pensei em pagar a chácara, pra festa mas um amigo meu não quis receber nada. Ele me ofereceu a chácara dele, é só por um dia, ele disse. Se quiserem e concordarem, poderão fazer a festa na chácara dele e gratuitamente. " Salete olhou para Gustavo, feliz. -"É longe daqui. No recanto primavera, na cidade vizinha. Ônibus? Vai ser preciso alugar um ônibus mas tenho esse amigo, que já vai ceder um para o passeio. Falei com ele, vai ceder o ônibus pra festa mas temos que pagar o motorista apenas. Se vocês concordarem." A turma ergueu os braços, concordando. -"Que bom. Quanto as roupas da formatura. Tenho uma prima, que tem uma loja de aluguel de roupas pra festas. Falei com ela, que garantiu dar um desconto caso todos aluguem as roupas com ela. É uma boa. O que acham?" Salete perguntou. -"Não sei. Estávamos pensando em vestido rosa, para as garotas da sala mas a oitava A já definiu essa cor." O professor deu sua opinião. -"Elas são elas. Porquê querem ser iguais?!" Malu, Natasha e Patty aplaudiram. -"Cada uma escolha a cor preferida e pronto." Gritou Natasha. -"Os rapazes podem decidir na hora da prova. Como são jovens, que tal tênis, calça jeans e um paletó por cima?!" Gustavo gostou da idéia. -"Boa, professor. Tênis, calça já temos." Cibele mudou de carteira pra ficar longe de Ataxerxes. -"Não suporto esse mala sem alça. Vê se te enxerga, moleque feio de nome feio." Ataxerxes riu. -"Vá ver se estou na esquina, Cibele Cibalena." A Malu não curtiu muito pois não gostava muito da Cibele. Minduim ergueu o braço e falou. -"Beleza, vou de uniforme da escola por baixo do blazer, vai ficar top." O professor sorriu. -"Ótima idéia, Maurício. Seria uma bela homenagem a nossa escola e um gasto a menos com roupa. Acho que ninguém fez isso até hoje. Ainda falta o meu presente a vocês." A turma ficou em silêncio. -"Já tá fazendo muito pra gente, profe. Não precisa." Disse o Plínio. -"Cala a boca, maluco. Deixa o cara falar." Pediu o Minduim. -"Eu faço parte de uma galera há décadas e a gente se reúne a cada três meses. Essa reunião poderia ser na chácara, na festa da formatura, se concordarem. A gente une os dois encontros, da galera e a nossa sala, se quiserem. Eu faço questão de dar o churrasco de presente a vocês." A turma aplaudiu o professor. -"Mas tem uma condição. Que cada um leve os pais na festa, certo? Não quero perder a oportunidade de conhecer seus pais." A turma do fundão começou a bater nas carteiras. -"Podemos sair cedo pra chácara, pra curtir muito, o dia inteiro. Pode rolar até um futebol, quem sabe?" A notícia se espalhou como fake news. -"Verdade que o mosquito vai dar o churras da oitava B?" Perguntou uma menina a Salete, no recreio. -"Mais que isso, conseguiu um desconto no aluguel de roupas, numa loja de uma parente dele." Um grupo de alunos, de outras salas, rodearam Salete. -"Deve ser uma dessas lojas chinfrim de periferia, não?" Perguntou Delma, líder da oitava A. -"Sei que é no shopping. Meices, Marces... alguma coisa assim." Uma aluna a corrigiu. -"Maycles, minha mãe ia alugar lá, tem vestidos lindos mas caríssimos." Delma tossiu tanto que quase enfartou. -"Conseguimos também um ônibus pra chácara, que é uma bênção." Delma estava sem palavras. Nenhum patrono tinha feito tanto. -"Vamos ter a melhor festa de formatura, galera!" Salete vibrou, abraçada a Patty e Malu. Início de Novembro. O ano letivo terminando. Os preparativos pra formatura e pra festa na chácara. A turma ansiosa. As alunas foram ao shopping a fim de provarem os vestidos. Natasha escolheu um vestido preto. O professor chegou de surpresa a loja . -"Não poderia perder a oportunidade de pagar um lanche e sorvete às minhas alunas, na praça de alimentação." Salete percebeu que ele estava diferente, de jeans e camisa xadrez. -"Quero ver a cara dos meus pais quando me virem naquele vestido maravilhoso." Disse Michele, na praça de alimentação. -"Tenho certeza que terão muito orgulho. Nessas formaturas, com as garotas maquiadas e aqueles penteados a beleza de vocês dá um realce. Vão perceber os olhares de seus colegas de classe, admirados. Certeza que será um dia muito bom." Dois dias depois, na vez dos rapazes provarem os paletós, o professor também chegou de surpresa a loja. -"Elza. Terá a difícil e ingrata tarefa de transformar esses ogros em gente civilizada e bem vestida." Os alunos se assustaram. -"Professor? Está até parecendo gente, de roupa de jovem." Disse Maneco. -"Não ia perder a oportunidade de rir com vocês de paletó. Podem pagar um lanche pra mim, na praça de alimentação, depois." Minduim gostou de ver no espelho, de blazer azul marinho. -"Taí, dona Elza. Firmeza esse, tô com cara de pagodeiro." Elza pediu pra fotografar cada um dos alunos. -"Preciso ter certeza da roupa que escolheram. Vou apagar a foto depois, fiquem tranquilos." Dias depois, Salete, Gustavo e Maneco foram conhecer a chácara com o professor. -"Vamos na Brasília amarela, oras. Tenho as chaves da chácara." Disse o professor. Trinta minutos de viagem até saírem da cidade , passando por uma estradinha de terra. Um conjunto de chácaras. -"Uau. Tem represa de água. Irado aqui." Vibrou Maneco, ao ver o campinho de futebol e pedalinhos na água. -"Tem dois freezers e duas churrasqueiras. Quartos e o principal, três banheiros. Não teremos filas." Riu o professor. -"Não precisa alugar mesas e cadeiras, têm tudo aqui. Colocamos algumas na área e no gramado. Legal aqui." Concluiu o professor. -"Uh. Bem melhor que aquela que a gente ia alugar. Vai dar até pra pescar no dia." Observou Salete. -"Importante é que gostaram, conheceram o lugar. Isso não tem preço." O sol do meio dia. -"Deu até fome agora. A gente falando de churrasco e tal." Disse Maneco. -"Vamos embora. Que acham de almoçarem comigo, lá em casa?" Maneco e Gustavo se olharam. -"Por mim, beleza." Disse Gustavo. -"O senhor vai cozinhar pra gente? Sabe fritar ovo?" Maneco riu. -"Depois de andar na Brasília, comendo poeira, a gente merece. Vamos conhecer o barraco do patrono." Salete deu um tapa no ombro de Gustavo. -" Alô?! Mariana?! Mesa para quatro, por favor. Chegamos em meia hora. Muito obrigado. Abraço." O professor desligou o celular. No carro, a conversa rendia -"Salete e Gustavo só estudam. Maneco trabalha de servente de pedreiro. Já têm idade pra serem jovens aprendizes, sabiam? É uma renda a mais no orçamento de casa, auxiliando seus pais, terem uma graninha pra curtir. Aprender uma profissão e até serem contratados em definitivo pela empresa que trabalharem. Meu amigo Dorival recruta jovens, pela prefeitura. Posso falar com ele, se quiserem!" -"Até fui procurar ser guardinha mas fiquei com medo. Usar aquele uniforme estranho." Disse Salete. -"O medo é o nosso maior inimigo. Somos mais que um uniforme. Todo trabalho é digno e importante. Muitos falam isso pra desestabilizar e fazer você desistir. Você poderia estar trabalhando de guardinha e ajudando sua família mas se deixou levar." Maneco aprovou. -"Quero muito ser guardinha, professor. Muitos da sala vão querer também. Nossa, Deus o abençoe por isso. Por tudo que tem feito." O professor sorriu. -"Amém. Vocês que têm feito por mim, muito mais. Nem sabem como fiquei feliz com o convite de vocês." O carro passou pelo centro. Um bairro de um condomínio fechado, com portaria. -"O professor mora aqui, no Spazio Royale?" Perguntou Salete. -"Sim. Meus pais compraram aqui, um ano antes da morte de mamãe." As alamedas floridas do condomínio. -"Uau. Parece Los Angeles. Professor, quem te viu, quem te vê." Maneco estava boquiaberto. O carro parrou em frente a uma casa de dois andares. O portão abriu e a Brasília entrou, parando ao lado de uma Mercedes. A piscina enorme nos fundos da casa. Um jardim impecável. -"O elevador tá quebrado. Vamos de escadas." Disse Epaminondas, tirando os óculos escuros. A cozinheira os recebeu. Os alunos foram lavar as mãos no banheiro social. -"Uau. Banheiro de revista de moda. Surreal." Disse Salete a Gustavo. O professor mostrou a casa toda a eles. -"Daqui de cima dá pra ver a torre da catedral. O por do sol é lindo daqui. O silêncio é o que mais gosto, pra ler e estudar. Vocês são os primeiros que conhecem minha casa, sabiam?" A sineta soou. -"Maria anunciou que o almoço está pronto. Espero que gostem." Eles desceram até a sala de jantar. -"Fiz um estrogonofe de frango, com palmito, milho verde, azeitonas. Arroz com cenoura e vagem. Purê de batata, aipim como creme de leite e requeijão. Batata frita com iscas de bacon. Tudo simples." Explicou a cozinheira. -"Parece até que estou naqueles programas de culinária da tevê. Certeza que está maravilhoso." Disse Salete, salivando. -"Aqui não tem garçom, é cada um que se serve. Atacar, pessoal." Disse o professor, fazendo os alunos rirem. Maria sentou -se com eles. Maneco viu nesse gesto a nobreza do professor. -"Geralmente a criadagem não senta com os ricos, como nos livros. Parabéns, professor." O professor riu. -"De fato, é um bom observador, senhor líder da turma do fundão. Maria é mais que funcionária, é colaboradora. Ela serviu meus pais e devo muito a ela. Além disso, é a melhor cozinheira que conheço. Por favor, não falem disso às merendeiras da escola senão apanho." Maneco repetiu o sorvete e fez perguntas a cozinheira enquanto os outros visitavam o canil. -"Agora vou levar cada um pra sua casa mas com o outro carro." Maneco riu. -"Graças a Deus. Professor, esses bancos da Brasília acabam com a gente." Durante a aula, os demais alunos não acreditavam que o trio tinha conhecido a casa do professor. -"Tudo fachada? Tem mansão com cozinheira no Spazio Royale? Vai mentir na China, Salete." Disse a Patty . Malu também não caiu na história. -"Mercedes? Mansão? Ninguém acredita." Salete e Maneco receberam cartas da prefeitura, admitidos no programa Menor Aprendiz. Maneco iria trabalhar numa loja de tintas enquanto Salete tinha sido escolhido por uma clínica de dentistas. Gustavo e outros alunos também esperavam por oportunidades. Dezembro. Fim do ano letivo. No último dia de aula, alguns alunos jogaram seus cadernos pro alto, na rua. Folhas voando com o vento. Uma gritaria danada. O dia da formatura chegou, finalmente. As alunas elegantes nos belos vestidos. Natasha toda de preto e com o cabelo idêntico a Amy Winehouse, atraia a atenção dos fotógrafos. -"Maluco. A bruxa Natasha tá linda, mano. Maquiagem muda muito a fachada, né meu?! Meteu uma massa corrida na cara, virou gata." Disse o Minduim a Maneco. -"Tô vendo alguém apaixonado aqui. Olha lá, o profe mosquito. Veio de blazer também, igual os alunos. O cara representa." Os alunos foram cumprimentar o patrono. -"Todas lindas, minhas alunas. Não digo o mesmo do rapazes. Brincadeira, estão lindos também. Aproveitem." Eles tiraram fotos, no saguão do teatro. Alunos e familiares felizes.

A turma da oitava série A chegou ao teatro. As meninas todas de vestidos rosa foram vaiadas pela outra B. -"Não tô vendo o tonto do Ataxerxes!" Disse Cibele a Patty. Maneco e Minduim gritaram quando Ataxerxes chegou atrasado, acompanhado dos pais. Patty beliscou a Malu. -"Uau! Aquele é o Ataxerxes?!" As garotas olharam pra trás. Ataxerxes tinha cortado os cabelos longos e aparado as sobrancelhas grossas. A maquiagem disfarçou suas espinhas e o blazer valorizou sua altura. Tinha um olhar confiante e a roupa lhe caiu muito bem. -"Até as meninas das outras séries estão comendo o Xerxes com os olhos." Disse a Natasha. Cibele engoliu em seco e abaixou a cabeça. A cerimônia foi demorada. A apresentação dos professores. Os discursos. A diretora em êxtase, num vestido brilhante. O professor Epaminondas foi aplaudido de pé, pelos alunos da oitava série B. -"Mosquito. Mosquito. Mito, mito." Maneco puxou o coro. Um a um, os alunos eram chamados ao palco, onde recebiam o diploma de seu patrono junto a diretora. O nome anunciado pelo mestre de cerimônia. Cibele não tirou os olhos de Ataxerxes, quando o moço foi receber seu diploma. A música Coração de Estudante tocando ao fundo. Um show musical encerrou a noite especial. -"As demais salas foram pra suas festas. A nossa será domingo, na chácara." Disse Salete aos amigos, a frente do teatro. -"Quem disse isso? Temos festa hoje também, ora bolas. Vamos pra minha casa, pessoal?!" Os alunos vibraram. Uma fila de carros, dos pais e amigos de alguns alunos, entrou tempo depois, no condomínio onde o professor morava. Salete, Malu e Patty foram de carona na Mercedes do professor. A música alta vinha da mansão. -"Aqui é a casa do professor? Sério?" Perguntou Natasha a Salete. As mesas ao redor da piscina. Uma pequena banda num palco rodeada de caixas de som. Os canhões de luzes. -"Você viu, no muro da casa?" Salete seguiu o Gustavo. A menina boquiaberta. -"Caraca." Os alunos pararam ao ver o painel com fotos enormes de cada um, coladas no muro. Todas identificadas com o nome em dourado. Os pais tiravam fotos no painel. O professor pediu pra pararem a música e pediu o microfone. -" Boa noite. Bem vindos. Eu, Elza e a Maria montamos esse painel de fotos lindo com as fotos da loja, quando provaram as roupas. Foi uma mentira saudável, já pensando nesse painel que poderão descolar e levar de recordação. Temos música, temos pizza e salgados pois não deu pra preparar algo melhor. Tem choppe, refrigerante, suco, água pra todos. Cuidado com a piscina e boa diversão." O professor foi aplaudido. Salete quis falar e agradeceu muito ao patrono. Gustavo e Maneco quiseram discursar. -"Maluco esse patrono, representa. Muito. Obrigado, professor." Minduim quis falar. -"Todos já falaram e concordo. Só queria pedir pra banda tocar Racionais." O relógio marcou duas horas da manhã quando o pessoal da banda e do buffet se foram. O professor deixou algumas alunas em suas casas. No domingo às sete horas, os primeiros alunos chegaram a escola. O ônibus aguardando. A diretora e alguns professores preferiram ir com os alunos no ônibus. -"Pessoal, não é longe. Só meia hora de viagem." Anunciou o professor Epaminondas, levando uma vaia dos alunos. Alguns alunos com tambores e pandeiros, fazendo algazarra. O nome de cada professor cantado e aplaudido. A diretora feliz com seu nome cantado pelos alunos. Uma fila de carros, com alguns pais de alunos, seguia o ônibus. -"Não vai acreditar , Cibele. A Natasha está sentada com o Ataxerxes, no fundão do ônibus. Tão de mãos dadas, no maior papo." Cibele torceu a boca e fez cara de nojo . -"E eu com isso, Michele? Eles se merecem." Michele ficou calada. A chácara, finalmente. Alguns pais de alunos já estavam no local, preparando o café da manhã. Abraços aqui e alí. A equipe de churrasqueiros e garçons chegou, tempo depois. -"Vamos jogar bola agora, depois o sol esquenta e não dá pra correr." Disse o professor Epaminondas. As alunas organizaram um jogo de vôlei no gramado. Minduim cuidava do som. -"Leva jeito, Maurício Leonardo." O rapaz se virou. -"Natasha? Obrigado. Valeu mesmo." A moça estendeu a mão. -"CDs do Racionais pra você. Não sei se você tem." O rapaz ficou envergonhado. -"Tenho nada. Muito obrigado. Você disse meu nome? Você era a mais bonita da formatura. Eu achei." Os pais da moça a chamaram. Minduim ficou admirando os CDs. -"Caraca, tudo original. Passei o ano todo sem trocar uma palavra com ela e agora tô com vontade de..." Maneco se aproximou. -"Tá chorando, Minduim? Olha, ganhou presente, moleque. Deixa a música rolar e vem comer, Minduim. As tias trouxeram até bolo de chocolate. Cara, aqui tá muito legal." Alguns alunos na piscina, outros passeando de pedalinho na represa, alguns pais de alunos pescando. A fumaça do churrasco. -"Gustavo, não vai tomar cerveja!" Disse a mãe do aluno, severa. -"Olha, o Maneco está tomando refrigerante." Gustavo olhou para o amigo. -"Está certo, mãe." Maneco riu da cena. Ele e Gustavo foram até a piscina. -"Olha lá, a professora Nancy tá bonitinha naquele vestido florido. Com cabelo solto é outra pessoa." Gustavo concordou. -"Ela está dando lado para o professor Epa. Estão quase colando os rostos." Maneco sorriu. -"Massa esse lugar. Meus pais não saiam há tempos. Toma aí." Gustavo pegou a lata de refri. -"Mano. É cerveja?" Ele riu. -"Lógico que é cerveja. Peguei uma cerveja e coloquei na lata de refrigerante. Pra todos os efeitos estou tomando só refri." Gustavo riu. -"Gênio. Vou fazer igual." Um ronco forte. O barulho de motos. -"Chegaram, pessoal. Vota rock pra tocar, Minduim. Vamos fazer barulho para receber os Anjos do Asfalto." Gritou o professor. Os cinquenta motoqueiros invadiram a chácara com suas motos iradas cheias de adesivos. Os motoqueiros, alguns barbudos outros com bandanas. Os alunos vibraram. As motos estacionaram no gramado. Os motoqueiros, alguns com as esposas na garupa, desceram trazendo potes de sorvete e muita carne. -"Sou o velho Raul. Quero agradecer a acolhida de nosso membro honorário, o professor Epaminondas, que está com a gente há décadas. Não tenham medo, não somos do mal, ao contrário, fazemos o bem, fazemos serviço solidário, gostamos de motos e vento no rosto." A turma vibrou. Cibele, de longe observava Ataxerxes e Natasha tirando fotos ao lado da motos. O professor pegou o microfone e discursou, após mostrar sua tatuagem de caveira e dos Anjos do Asfalto. -"Irado. Uma fila de motoqueiros, igual no cinema." Vibrou Malu. Dois ônibus chegaram a chácara, com formandos das oitavas séries A, C e D. -"Maluco, a festa é nossa. Quem convidou esses manés?" Maneco acalmou o Gustavo. O professor Epaminondas e seus colegas abraçavam os alunos. -"Negativo, meu caro. A festa é do professor Epaminondas, dos motoqueiros. Ele convida quem ele quiser. Tem carne pra alimentar um batalhão aqui. Além disso, são formandos iguais a nós, da mesma escola e alunos dele também. Vamos lá, receber nossos amigos e dar o exemplo. Repartir o pão, como pediu o mestre maior." Gustavo concordou. -"Está certo, amigo." Ao verem Maneco e Gustavo irem até os outros formandos, os demais alunos da oitava B também foram até lá. Todos foram aplaudidos. Minduim colocou a música tema do filme Ao Mestre com Carinho. Salete pegou o microfone. -"Amigos. Que bela cena. Nosso patrono é tão gentil que no seu coração, na sua festa, cabem os outros formandos de outras salas, formandos como nós. Parabéns a todos nós. Parabéns ao nosso professor. Parabéns a esse profissional que é base, o que ensina a todos os demais profissionais. O único ao qual o imperador japonês se curva. Muito obrigada a todos os nossos mestres." Salete foi muito aplaudida . Ela olhou para Minduim. -"Tá chorando, Minduim?" Rolou outro jogo de futebol, a tarde, entre alunos e motoqueiros. Cibele quis passear de pedalinho no lago. -"Temos seis pedalinhos, cinco deles estão na água." Disse Gustavo a Cibele. -"Vamos, Gustavo?" O garoto recusou o convite. -"Sinto mas não posso ser a sua companhia no pedalinho. O Minduim me deu um chute na perna, no futebol. Não vou conseguir pedalar." Ataxerxes se aproximou. -"Se permitir, posso ir com você, Cibele." A menina se virou. -"Eu não posso ir embora s passear no lago. Podemos ir, Xerxes." O rapaz sorriu e entrou no pedalinho. Ele ofereceu a mão pra garota entrar no pedalinho com forma de cisne. Gustavo empurrou o pedalinho pra água. -"Não vão brigar, por favor. Não temos salva vidas na chácara se caírem na água." Dez minutos depois, no meio do lago, a moça quebrou o silêncio. -"Obrigado por me acompanhar." Ataxerxes sorriu. -"Não precisa agradecer. Que festa da hora, não? Eu adoro linguiça assada com maionese. Alguém trouxe uma travessa com uma maionese deliciosa." Cibele riu. -"Uma travessa com tampa verde?" Ataxerxes respondeu que sim

-"Minha mãe trouxe essa maionese. Insistiu tanto. Churrasco sem maionese não é churrasco, ela diz." Ataxerxes tocou o braço de Cibele. -"Eu também acho. Dê os parabéns a sua mãe, pela maionese. Ela é ótima cozinheira." -"Desculpa, tenho a mania de falar e tocar nas pessoas." Cibele corou. -"Também tem a mania de puxar meu cabelo nas aulas, jogar papel, ser grosso as vezes, colar de mim nas provas." Ataxerxes concluiu -"Você é toda estranha, joga futebol no recreio , na quadra com os garotos." Cibele não deixou barato. -"Melhor que eles eu jogo." O silêncio se fez. Os outros pedalinhos saíram da represa. -"Você ficou diferente." Ela disse com a voz trêmula. -"Como assim, diferente?!" Eles se olharam. -"Ficou bonito com o cabelo cortado, com meio quilo de gel e a roupa da formatura." Ela abaixou a cabeça. -"Você tava linda naquele vestido. Nunca tinha visto você de vestido e maquiada, com aquele cabelo armado. Ainda está meio armado, está bonito." Eles se olharam e sem querer tocaram as mãos. Gustavo acenou pra eles, na beira da represa. -"Está na hora de ir embora. Vou retornar de carro, com meus pais." Ataxerxes ajudou a moça a sair do pedalinho. -"A Natasha?! Você tá namorando ela?" Perguntou Cibele. -"Que tem a Naty? Ah, não. Nada a ver. Ela gosta do Minduim, o Maurício. Eu nunca namorei ninguém." Cibele riu, satisfeita. -"A gente se vê? Um cinema, um sorvete qualquer dia?" Ataxerxes corou e arregalou os olhos. "Pode ser. Quando você quiser." Cibele foi ao encontro dos pais, já dentro do carro. Ataxerxes ficou paralisado, olhando o horizonte. -"O sol ensaiava seu adeus. Quase seis da tarde, quando o ônibus com os alunos da oitava B deixou a chácara. -"Quem quiser, poderá passar a noite na chácara. Amanhã poderão voltar a cidade de carona de moto, com a galera da estrada." Maneco, Ataxerxes, Minduim, Patty, Salete e Natasha resolveram pernoitar na chácara, junto do professor Epaminondas e dos motoqueiros. O grupo fez uma fogueira. Epaminondas tocou violão. Maneco vibrou, ao saber que dormiria nas barracas dos motoqueiros, armadas no gramado. Natasha estava a beira da represa, apreciando o céu estrelado, quando Minduim se aproximou. -"Só fiquei pois você ficou." A moça o encarou. -"Eu percebi, Maurício." Eles deram as mãos e se abraçaram. Minduim sentiu o coração disparar. Natasha tomou a iniciativa e o beijou. Eles conversaram um pouco. Natasha quis entrar pois era quase meia noite. -"Preciso de um banho. Boa noite, Maurício. " Minduim entrou na barraca e viu que Maneco dormia profundamente. Natasha passou pela sala e viu Salete e o professor aos beijos. Ela riu e foi para o quarto. -"Realmente, essa formatura está surpreendente." Pensou Natasha. Epaminondas e Salete namoraram por 3 meses e viajaram juntos pra Irlanda. Eles se separaram e o professor resolveu ficar na Europa, com a filha. Dois anos depois, Natasha e Minduim se casaram. Muitos dos antigos alunos da oitava série B estavam presentes, inclusive Ataxerxes e Cibele, padrinhos de Natasha. Cibele pegou o buquê e foi beijar o namorado. -"Vai ter que casar comigo , Xerxes." Disse Cibele a ele . -"Pra comer a maionese da sua mãe, eu aceito." FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 22/10/2022
Reeditado em 05/11/2022
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