O sujeito decepcionado com todo alvoroço da igreja quando da chegada de um famoso pregador, aborda-o na entrada:

     “O senhor está de acordo com todo esse alvoroço ao redor de sua pessoa?”

     “Sim, estou.” 

     Respondeu o pregador da maneira mais natural possível. O sujeito não satisfeito insistiu:

     “Ora, mas a honra deve ser de Deus e não do pregador. O senhor deveria ter vergonha e repreender este povo idólatra!”

     Agora o sujeito chegava a levantar a voz para atrair propositalmente a atenção dos outros. O pregador ironizou:

     “Ora, meu caro, Deus não pode vir em pessoa, então eu vim, eu me propus a vir em seu lugar. Então, de certa forma, mereço essa recepção, não?”

     O sujeito indignado:

     “Merece? Como assim, merece? O único merecedor de louvor é Deus! Maldito o homem que confia no homem!”

     “Calma, meu caro, estava apenas brincando. Mas para lhe ser sincero, as pessoas vêm aqui todos os dias para cultuar a Deus. Ora, isso é uma teoria. Até mesmo o senhor, meu caro, segue esta teoria. Mas na verdade o que o traz aqui é a mensagem do pregador. É a dissimulação espiritual…”

     Não conseguiu concluir, pois o sujeito o interrompeu:

     “Dissimulação espiritual? Jamais! Meu louvor é sincero!”

     O pregador tenta retomar a fala:

     “Ok, tudo bem. Mas não esqueça que se você não amar seu irmão, você não ama a Deus. É preciso amar primeiro o que você vê, para depois amar a Deus que você não vê. Há muitos que dizem ter uma devoção verdadeira por Deus, mas despreza o seu irmão. E essa devoção é mera dissimulação. Não sou eu que digo isso, mas Deus.”

     O sujeito é obrigado a recuar, mas em seguida retoma a investida:

     “Sim, isso é verdade, mas não repreender o erro também é devoção dissimulada!”

     “E onde o senhor vê erro?” - Perguntou o pregador.

     “Ora, quando o senhor aceita o louvor que deveria ser somente de Deus.”

     “Eu aceitei o louvor por amor, pois as pessoas estão felizes em receber um pregador. Como não aceitar toda essa demonstração de carinho! O senhor não lembra da euforia e alegria dos primeiros cristãos quando recebiam uma carta do apóstolo Paulo? E isso não é idolatria, mas amor. O senhor confunde amor com idolatria.”

     O sujeito emudece. O pregador o olha com compaixão. O pregador já conhecia essas almas perturbadas. Achava isso um paradoxo, pois na tentativa de amar de maneira zelosa, acabavam se aprofundando em mágoas, angústias e desespero. O pregador se aproxima do sujeito de forma terna, abraça-o fraternalmente e diz:

     “Irmão, eu te amo. Eu não te conheço, mas eu te amo. Entendo seu zelo religioso, mas hoje eu vim falar de amor, sentimento superior a todo e qualquer sentimento. Eu vim mostrar a diferença entre zelo e amor, entende? Porque o senhor sabe que o amor nunca falha, ao contrário, é eficiente em curar tudo. E além de pregarmos e zelarmos pelo amor devemos vivê-lo. Devemos tê-lo como guia de nossas ações. Pois ele é o próprio Deus. Quando amamos imitamos Deus. Quando amamos, somos luzes. O amor é a melhor resposta para tudo. Até mesmo os filósofos de todas as eras pensavam assim. E quando uma ideia é aceita universalmente é porque essa ideia é revelação de Deus. Então, meu irmão, amemos uns aos outros. Não economizemos em amar, mas nos fartemos desse dom de Deus.”

     Um pouco mais afastado, dois anjos que acompanhavam aquela querela evangelical, trocaram olhares e um disse ao outro:

     “Que importa a verdade, não? Basta-lhes o amor.”

 

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 12/07/2022
Código do texto: T7558240
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