Momento

Só sossegou quando o colocaram diante do delegado.

- Por que você matou a mulher?

- Por amor, doutor.

- Quem ama não mata.

- Ah, vejo que o doutor ainda não amou de verdade!

- Sim, amo minha esposa.

- O doutor só saberá isso quando estiver diante do grande dilema. Mas vejo que ainda é muito jovem para saber alguma coisa sobre as profundidades do amor. Por enquanto, o doutor navega em mares calmos. Parece amor, mas ainda não é.

- Tá bom, mas a tua filosofia não te salvará da cadeia.

- Eu sei e não ligo, doutor. Eu não me entreguei? Vejo que o doutor acredita que grades de aço são ameaças à existência.

- Sem dúvida. Nada mais importante do que a liberdade, não acha?

- Liberdade? O doutor é realmente muito jovem. Talvez um dia o doutor entenda que a breve existência de um homem consiste simplesmente de um momento único, momento diante do dilema, momento que exigirá de você uma posição, posição que definirá seu destino.

- Não vejo a coisa desse jeito.

- Eu sei, eu sei. Talvez só verá em seu último suspiro e perceberá que todos seus conceitos existenciais não passaram de enganos pueris.

- Ok. Tudo bem. Que seja.

O delegado vira-se para o escrivão, manda colher o depoimento do filósofo assassino e sai. Vai até a área externa da delegacia, saca um cigarro na tentativa de apagar a cara do infeliz, de emudecer sua voz em seus ouvidos. Fica impressionado por algum momento, mas a vida real o traz de volta à razão e tudo segue normalmente.

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 21/06/2022
Código do texto: T7542348
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