Monólogo à maneira de Joyce

Eu fui naquela feira de arte da avenida central e fiz um comentário crítico sobre uma instalação artística de muito mau gosto e a artista ficou uma fera comigo e disse pra ela que precisava ser mais tolerante quanto às críticas pois uma artista tem que ser tolerante e quando se pretende expor alguma obra em público ela deveria saber que críticas surgiriam mas ela fez um escândalo dizendo que se eu não gostei ou achei de mau gosto bastava eu ter ignorado como ignorar perguntei a ela se você expõe publicamente numa feira sua arte tem que estar preparada para ouvir críticas emendei o Antônio ficou uma fera comigo dizendo que eu estava sendo inconveniente e desde quando uma crítica é inconveniente insisti mas ele acabou ficando do lado da artista eu sei que ela era muito linda e gostosa mas se tratava de arte e ele precisava respeitar mais a arte e resistir aos encantos da bela artista o policial pediu para que eu deixasse a artista apresentar a sua obra e pediu que eu evitasse mais perguntas e comentários críticos como assim interroguei o guarda que me olhou com cara de poucos amigos outro intolerante da polícia eu já estava acostumado mas dentro de uma feira artística a liberdade de expressão deve ser respeitada e até mesmo fomentada e não essa postura polialesca e sensível e mimada de artistas que não aceitam ser contrariados uma geração frouxa e parva que só aceita ou melhor que exige plena adoração plena aceitação de suas obras razas pueris o cartaz na entrada dizia que todos eram bem vindos mas percebo agora que deveriam colocar uma observação nesse todos pois esse todos significa todos que não pensam que não questionam que são eternamente plateia e eu não sou assim o Antônio sabia disso mas ele insisitia em consolar e elogiar aquela obra de mau gosto ruim mesmo da boazuda artista eu sei que o Antônio estava querendo mesmo meter a rola nela mas antes do prazer a liberdade Antônio ria sarcasticamente da minha disciplina e por detrás da artista me jogava aqueles olhares obscenos e a retardada nem percebia minha mãe mesmo dizia que esse meu comportamento era agressivo como assim dizia pra ela como assim agressivo querer aprofundamento vocês não cansam de ficar na superficialidade o tempo todo que tal um mergulho vez ou outra para contemplar mais intensamente os fenômenos a arte e tudo o mais meu pai levantava e ia ler o jornal na varanda achava tudo aquilo uma grande chatice eu entendia ele mas pra mim aquilo era coisa de primeira ordem e não seria uma boazuda qualquer posando de artista que me faria mudar não não não a arte em primeiro lugar o Antônio é um parvo um tarado só tem interesse pras bucetas mas e arte eu perguntava e arte seu idiota seu parvo seu ignorante pedi uma coca cola e passei a observar de mais longe a instalação da boazuda as pessoas com caras afetadas ensaiadas falas treinadas repetitivas e só elogios tem sentido isso perguntei ao barman ele disse que estava pouco se fodendo e só queria vender as bebidas vi mais sinceridade nele do que em toda aquela gente falsa se passando por intelectual meu pai que tinha razão e ficava na varanda lendo a seção de futebol e fazendo palavras cruzadas bem que podia cair um temporal e todo aquele lixo ser inundado e um picasso vadiando por ali poderia pintar uma nova guernica sei lá um pollock talvez um adolescente com sua câmera de celular faria arte melhor pois o caos seria mais razoável do que aquele lixo pretensamente artístico.

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 31/05/2022
Código do texto: T7527870
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