More em Mim

É realmente uma dádiva quando temos a chance de percorrer um pouco da nossa estrada tendo ao lado pessoas que tornam a paisagem ainda mais bela, atrativa, sedutora e inspiradora. O problema é que nem sempre aproveitamos. Mas eu aproveitei. Aproveitei cada pequenino passo que demos juntos, cada singelo segundo que se passou no relógio da vida enquanto tínhamos a companhia um do outro. Fui um homem de sorte, preciso confessar. Você tornou meus dias mais curiosos, a cada amanhecer uma novidade, a monotonia nunca mais se manifestou em meu caminho desde que você dele começou a fazer parte. E agora, sem a sua companhia, preciso prosseguir, preciso continuar, a vida não para porque as pessoas que amamos partiram, ela continua e nos impulsiona sem sutilezas, se forçarmos o caminho contrário acabamos atropelados, machucados, até derrotados.

Mas quando amamos verdadeiramente alguém o distanciamento é simplesmente físico. As almas se mantêm unidas, os corações se mantêm sincronizados, as lembranças fazem com que a história vivida nunca seja ignorada, mas revivida constantemente. Você não está aqui comigo. E sinto a sua falta. Mas ainda sou capaz de sentir o seu coração batendo junto ao meu. Ainda sou capaz de vê-la ao meu lado. De senti-la perto de mim. Como se morasse aqui dentro.

E como preciso perseverar na minha caminhada, neste momento estou onde tudo começou. Deixando pegadas sobre a areia úmida e aquecida que tantas vezes servira de testemunha para as nossas brincadeiras. Você se lembra daquele grande dia? Eu nunca poderei me esquecer. Era um garoto ansioso por me transformar em homem. Sonhava grande. Sonhos que chegavam a ser irreais, mas qual jovem nunca sonhou grande demais? E talvez sejam esses sonhos mirabolantes que nos levam adiante, que nos encorajam para seguir em frente, até que percebamos que precisamos sonhar sonhos mais realistas, palpáveis, nem por isso insuficientes. Mas um dos meus sonhos se mostrou mais possível do que todo o resto. Eu estava tão envergonhado naquele dia. Tão nervoso. Havia comentado com alguns amigos que estava apaixonado. Eles riram. Eles sempre riem, não é verdade? E às vezes me pergunto por que as pessoas acham tão engraçado quando alguém lhes confessa que se apaixonou. Mas depois de terem se divertido tentaram me encorajar. Foi quando levaram até você aquele pedaço de papel amassado preenchido por letras tremulantes. E você olhou na minha direção. Sorriu. Que sorriso fora aquele? Até hoje, quando me lembro, sinto o mesmo arrepio, a mesma ansiedade que daquela vez. Um sorriso tão meigo, tão gentil, tão belo. O sorriso que eu não sabia, mas já era meu. Foi um sorriso de aprovação. E aqui, na beira dessa praia, um pouco afastados de nossos amigos, eu perguntei se estava tudo bem. Minha voz fraquejou. Qual adolescente nunca passou por isso, não é? Mas você não se importou. Nem sei se chegou a perceber. Apenas me respondeu que sim, com aquele rosto sereno e tímido. Eu sempre soube reconhecer alguém tímido. Então a convidei para se sentar ao meu lado indicando que tinha algo importante a dizer. Você já sabia disso, afinal, era o que eu tinha escrito no bilhete, mas em momentos como aquele que estávamos vivendo até o mais controlado dos sujeitos perde o domínio sobre a própria mente. Parece que o cérebro nos abandona, fecha a janelinha do juízo e se diverte com as nossas peripécias. Comentei sobre aquele horizonte tão lindo. Você contou que era a sua inspiração para escrever. Eu me impressionei e quis saber sobre o que você escrevia. Você disse que era sobre o amor... Então eu falei que era exatamente sobre isso que eu queria falar com você. Foi sobre o que falamos. O que eu sonhava desde o dia em que a vi acabou se tornando realidade a partir de uma conversa tão aleatória, mas que fazia todo o sentido para nós. Aqueles que se amam têm uma linguagem própria, só deles, que apenas eles compreendem. Não foi naquele dia que nos beijamos, mas nos levantamos de mãos dadas e nossos amigos voltaram a fazer suas piadas ao mesmo tempo em que nos parabenizaram. Eu me senti tão feliz. Como sempre passei a me sentir. Mas agora preciso deixar esse lugar nas minhas memórias. Sou grato a ele. Serei eternamente grato. E deixo um pouco de você em meio a essas águas que não me deixam passar por mentiroso quando digo que meu amor era imenso demais para ser mensurado.

E como meus passos continuam, nossa vida também continuou. De maneiras tão especiais e únicas. De formas tão agradáveis e suaves. Tivemos os nossos percalços, é verdade. Mas acima disso tínhamos os nossos sentimentos que eram verdadeiros, genuínos, tão originais quanto a natureza criada por mãos que entendem sobre arquitetura. Talvez tenham sido essas mãos que escreveram a nossa história. Uma história sem furos ou barrigas. Uma história escrita na medida certa.

Agora estou num lugar no qual deixamos registrada a nossa passagem. Nesse exato momento meus dedos tocam o contorno do seu nome, escrito com um prego, marcado sobre a madeira antiga que enquanto durar manterá assinalado que dois amantes aqui se encontraram. Não é apenas o seu nome. O meu está logo depois do seu. E ambos estão guardados dentro de um coração um pouco tortuoso, meio disforme, assimétrico, mas nada disso importa, fizemos do torto algo perfeito. Talvez a vida seja isso. Seja pegar o que todos dizem que está errado e mostrar que nunca poderia estar mais certo. Essa madeira na verdade é o corrimão que tantas vezes recebera o seu toque. E eu nunca me cansei de sobre a sua colocar a minha. Você ficava a minha frente. E eu logo atrás de você. Debaixo dos nossos pés uma ponte de vidro permitia que víssemos as águas que passeavam tranquilas, atravessavam o parque com cautela, cheia de peixes coloridos que enfeitiçavam crianças curiosas. E numa dessas visitas a esse parque, eu vi que você estava vidrada em uma garotinha concentrada que, agachada na beira do rio, observava os peixes em sua aventura. Comentei sobre o que ela poderia estar pensando. Você apenas disse que não sabia, mas que com certeza era como se estivesse descobrindo os segredos do universo. Eu falei que poderia ser isso, que talvez ela estivesse naquele instante comparando as histórias que os pais lhe contavam com a realidade. E você disse que achava isso tão mágico, criar uma criança, colocar alguém no mundo e ajudá-lo a se transformar em um ser humano incrível. Soube naquele momento que chegava a hora de prometer que teríamos a nossa própria família, que seríamos muitos felizes juntos, que teríamos a chance de trazer ao mundo um nobre ser humaninho. Você me olhou com aqueles olhos de espanto e com aquele sorriso largo. E eu confessei que sim, estava pedindo você em casamento. Você ficou tão animada que se esquecera de me responder. Então tive que insistir. E você ficou indignada por eu demonstrar que ainda não sabia a resposta. Mas eu só queria ouvir você dizer. Como você disse. Entregando-se a mim completamente e me permitindo a me entregar a você inteiramente. Deixo um pouco de você aqui também. Que a sua energia possa contagiar a tantos outros apaixonados que por aqui passarem. Que eles também possam deixar os seus nomes eternizados. Não apenas os nomes. Mas que vivam um capítulo especial de suas histórias como nós vivemos.

E sigo no meu caminhar. Não importa para onde eu olhe, onde eu esteja, você está comigo, levo você dentro de mim, cada canto desse mundo deve ter algo de especial que me faça rememorar o meu único e grande amor. Como esse bosque do qual soa a música mais bela que alguém poderia criar, a música que emana da própria natureza, da majestade Natureza que com tanta devoção sempre adoramos. Lembro-me das muitas tardes que passamos nesse lugar. Que sobre o meu peito você adormeceu tão segura, despreocupada, plenamente rendida. E eu acariciava seus cachos sempre tão perfumados. Passeava os dedos sobre o seu rosto adormecido, sentia a sua pele emanar o calor que me garantia conforto em dias de frio. E prometia a mim mesmo que nunca perderia essa mulher tão única e inigualável. As pessoas não acreditaram quando dissemos, mas no convite do nosso casamento esse era o local por nós escolhido para que déssemos um importante avanço em nossa história. Queríamos a Natureza como suprema testemunha e foi o que tivemos. As árvores foram ornamentadas, o chão foi cheio de flores, e até os animais inofensivos que aqui moram se aproximaram para ver o que estava acontecendo. De fato, não poderíamos ter feito escolha melhor. Eu me sentia tão nervoso naquela manhã. Minha mãe enxugava minha testa a cada dois minutos, dizia repetidamente para que eu me acalmasse e acreditasse que tudo daria certo, que logo sua chegada seria anunciada e eu teria para sempre a companhia da mulher que amava. Eu queria ter o poder de avançar o tempo. Mas hoje sei que precisamos ser gratos por esse poder não nos pertencer. Quantas coisas apressaríamos em nome de um objetivo e deixaríamos de viver por afobação? Quase sempre o caminho tem mais e oferecer e ensinar do que o próprio destino. Quando a música soou meu coração acelerou. Eu lutei contra as minhas próprias emoções, mas não pude mais resisti-las quando você despontou no meio daquelas árvores tão vistosas, marcantes, cheias de frutos deliciosos. As lágrimas rolaram quando contemplei aquele seu sorriso. O mesmo de anos atrás. Quando aquele adolescente magricela, sonhador, acanhado, tirou coragem de onde até hoje não sabe para dizer que queria ajudá-la a escrever sua própria história de amor. Nossas mãos nos tocaram e uma energia dominou o meu corpo. Foi sobrenatural. Como se fosse de outro mundo. Era a Natureza nos envolvendo. Você disse que estava nervosa. Eu falei que parecia que iria morrer. E você me fez prometer que não a faria passar tamanha vergonha. Fiquei indignado por você se preocupar mais com isso do que com o meu bem-estar. E seu sorriso travesso tornou a se manifestar em seus lábios. Aquela era você. Sempre tão aberta à vida. Capaz de tirar um sorriso das pessoas nas horas mais dramáticas que pudessem ocorrer. Foi naquela manhã que firmamos um compromisso diante dos nossos amigos, familiares, daquele juiz de palavras tão sábias e da maior de todas as convidadas, diante da Natureza, que nos acompanhou desde o nosso primeiro passo.

Foi naquele dia também que você me contou que estava grávida.

Quatro semanas.

O bastante para que sonhássemos acordados. Para que pelo menos eu perdesse o sono e ficasse imaginando como seria o futuro. E ele não poderia ter sido tão surpreendente. Em meus braços, acompanhando-me nessa despedida, está o nosso filho. Ele é tão lindo. Tem os seus olhos e o seu sorriso. Tenho certeza de que quem for se apaixonar por ele no futuro será por esse sorriso tão despretensioso, mas que seduz instantaneamente. Tem apenas seis meses, mas já é esperto, consegue se sentar sozinho, é questão de pouco tempo e estará falando pela casa toda. Você se foi, mas me deixou um pouco de si para que eu tivesse forças para caminhar. Trouxe ele para conhecer esse bosque, ter contato com a Natureza, tenho certeza de que Nela também há um pouco de você, da sua energia, sei que ele a sentirá de alguma maneira. E também deixo mais um pouco de você aqui. Essas cinzas que carrego comigo não são apenas o seu corpo. Nelas existe a sua essência, a sua alma, a energia da vida que percorria por entre suas veias e contagiava aqueles que se dispusessem a ouvi-la e senti-la. Espero que a Natureza se encarregue de levá-la por aí numa viagem interminável, uma viagem que espalhe o amor por todo o mundo. É verdade que não mais tenho a sua companhia física. Mas tenho o nosso filho. Ele sempre carregará um pouco de você. Tenho as nossas memórias. Elas sempre me acompanharão. E nesse momento lhe faço um convite e sei que será aceito. More em mim.

(Escrito por @Amilton.Jnior)