Mateus e o destino (maio de 2021)

Há a chegada da vacina para uns, mas é muito pouco para muitos. Mateus divagava que demoraria um ano até que chegasse uma vacina para ele, de vinte anos. Mas era traído pela vaidade, que mandava afeitar o bigode na barbearia do seu Carlos. E hoje era sexta-feira, seu dia semanal para ficar bonito. Mesmo que atrás de uma máscara.

Seu perfil, depois de bem-cuidado, era o de Nietsche. Ele queria parecer mais velho e conseguia. Poucos não lhe dariam trinta anos. Na saída deu de encontro com um homem como ele, de bigode. Mas este mantinha cuidada também uma barba farta, do tipo que circunda o rosto através do maxilar e não chega a ultrapassar o pescoço. Não Mateus.

Era o Russo, seu amigo de infância. “E aí, meu camarada?” ao que o moço lhe redarguiu, “Como é que vai, Mateus? Não sabia que éramos clientes da mesma barbearia. Vou pedir desconto por ter um amigo aqui.” Risos. Depois caíram naquele papo vazio sem muita intimidade e terminou logo o assunto. Cada um para seu canto.

Mateus era apaixonado por Giovana, que implicava com seu bigode mas adorava seu ar de homem novecentista. Dalí seguiu caminhando pela avenida no entardecer do dia até a casa dos pais da namorada. Seguiu pensando o quanto a grana estava curta, e o que faria para gastar pouco na noite dessa sexta-feira com a menina.

Tanto ele quanto ela moravam com os pais, e não trabalhavam a sério. Estagiavam um em uma clínica de fisioterapia (ela) e ele em um escritório de economistas. O dinheiro era contado para tudo, às vezes dependiam da generosidade de seus pais. Chegando ao destino tocou o interfone. Alguém que reconheceu sua voz abriu o portão.

Tomou o elevador até o quarto andar e bateu na porta da casa de Giovana. A saudade era grande, porque havia uma semana que só se falavam pelo telefone. Alguém abriu a porta, e era a mãe da garota. Fez sinal para que entrasse e sentasse na sala. O semblante da mãe era pesado, os olhos estavam pesados pela ausência de uma noite bem dormida.

Mateus, internamos a Giovana hoje de manhã. O vírus veio como do nada, de um dia como outro; a princípio ela não quis te encontrar, apenas pelo telefone, e estávamos todos proibidos de dizer o que acontecia com ela. Eternamente otimista, acreditava que o mal-estar acabaria logo, mas não acabou.

Duas lágrimas escorreram dos olhos do rapaz. Não sabia o que dizer, não esboçava nada para a mãe de Giovana. Mas conseguiu perguntar onde ela estava e o que acontecia com ela naquele momento. Ela lhe confidenciou que os médicos acreditavam que se o oxigênio no sangue não aumentasse ela teria que ir intubada; e dependeria de uma UTI.

“Como foi que ela se contaminou?” Perguntou Mateus. “Isso ninguém sabe.” Respondeu a mãe. “Posso ficar com ela no hospital?” Emendou o rapaz. “Não são permitidos acompanhantes onde ela está.” Rebateu a mãe de Giovana. E emendou, “O que podemos fazer é orar.” Ele fez sinal de que compreendia a gravidade de tudo.

Achou melhor ir embora, não suportava ver aquele apartamento vazio, sem Giovana. Saiu dali caminhando pela avenida que o havia conduzido até ali. Nada importava mais. Foi caminhando pelas calçadas largas, com os olhos perdidos sem se deter no letreiro de barbearias, lanchonetes e butiques.

Após meia-hora chegava em casa para ser recebido por seu pai e sua mãe. Chamou-os a um canto e sentaram-se em círculo, uns de frente aos outros. Disse: “A Giovana adoeceu. Está no hospital em um estado que requer atenção, e o quadro pode piorar. Ela contraiu Covid-19.”

Seus pais cobriram os rostos em sinal de tristeza. Lamentavam a fundo a informação que Mateus trazia para eles. Quiseram saber se podiam visitá-la, se havia alguma coisa que poderiam fazer. O rapaz explicou-lhes que não. Agora, cabia a ela lutar sozinha contra o vírus mortal.

E a semana passou com todos mantendo a rotina de trocar informações através do telefone. Mateus comprou um grande bicho de pelúcia para que pudessem deixar junto ao leito de Giovana. Era um macaco grande que dizia “Eu te amo.” As visitas continuavam proibidas.

Foi na segunda semana que souberam que havia sido intubada. Rezaram pelo melhor, iniciaram uma novena, acenderam velas. Mateus pôs-se a escrever cartas para Giovana que um dia teria a sorte de entregar a ela. E aproveitou para rezar com sua mãe em torno a uma vela acendida especialmente ao anjo da guarda da mocinha.

Na terceira semana houve o rumor de uma melhora, mas a instrução do médico que cuidava do caso era que tudo poderia acontecer, inclusive o pior, porém com fé que esperassem o melhor. Quando soube dessas notícias Mateus tomou sozinho uma embalagem pequena de cerveja Stela Artois. Precisava afastar os pensamentos.

Na quarta semana o estado de saúde permanecia como o da semana anterior, e o médico comunicou que seu quadro era estável. Comemoraram na casa de Giovana todos juntos, os pais de Mateus, a mãe da garota e um parente. Mas foi uma comemoração modesta, sem alarde. Comeram um bolo de padaria e tomaram refrigerante.

A quinta semana veio sem notícias promissoras. Houve uma piora no quadro e ela respirava somente por aparelhos. Seu pulmão estava praticamente todo comprometido. Rezaram cada um em seu canto pelo anjo da guarda. Mateus dormia abraçado em um suéter de Giovana que ela esquecera um dia em seu apartamento.

A notícia fatídica veio na mesma semana: não resistiu ao quadro infeccioso. Houve pouco choro, porque o médico já lhes havia advertido que poderiam esperar o pior. O enterro foi simples, apenas a mãe e Mateus. Ela o abraçou e disse que restava ainda a ela um filho, era ele. Ele a abraçou e assentiu.