o xixi

A viagem de carro entre Nilópolis e a capital paulista já durava pouco mais de três horas e o menino, choramingando, disse que precisava fazer xixi. Não havia por perto nem pousada, nem bar, restaurante, ou qualquer outro lugar com banheiro disponível àquela altura. E não haveria nos próximos quilômetros. Eu balançava diante do vidro dianteiro para distraí-los durante o deslocamento.

A família também tentava distrair a criança até o momento oportuno. Eu observava. A cada cinco minutos passados era um novo – Mamãe, xixi! Achando que a palavra xixi pertencia à parte do léxico destinada às meninas, o pai dizia: - Não é fazer xixi. É mijar! A criança chorava ignorando o aprendizado e a construção do vocabulário masculino.

-Amor, pare aí no acostamento. São dois minutos. Ele ainda está se acostumando a usar a cuequinha sem fralda. Daqui a pouco vamos ter problema. O homem, contrariado, para o carro com medo de assalto, multa ou algum problema maior. O combustível também estava contado, racionado, mas não havia outra alternativa.

O menino, aliviado, volta pulando e segurando a mão da mãe que caminhava com cuidado, enquanto o pai aguardava apreensivo. Eu também aguardava. Parado dentro do veículo, agora sem o balanço que me fazia dançar. Quando a família voltou ao carro, o homem arrancou rapidamente e eu me desprendi do para-brisa e caí no chão, como em um mergulho suicida no apertado espaço escuro.

A criança, percebendo o ocorrido, abaixou-se para me buscar, tateando o chão com as curiosas e pequenas mãos. Achou-me depressa, porém,, antes que a mãe pudesse evitar, deixou-me cair pela janela. Novo choramingo teve início. Fiquei na beira da estrada, há alguns metros do xixi.

Minutos depois, a cena se repete. Outro pai apressado a caminho de São Paulo. outra criança precisava fazer xixi.

- Ela é menina! Não pode segurar e não pode fazer na roupa. Disse a mãe, decidida.

- Mania de mulher a toda hora precisar fazer xixi, resmungou o pai.

A mulher, andando calmamente, na volta, para pra tirar uma selfie com a menina. Eu apareço na foto. Bem no fundo, jogado no chão. Só não servirei de peso de papel para a multa que chegou apressada, quase voando das mãos do guarda que passava pela localidade.

- Eu sabia que essa história de xixi iria dar problema! E Agora com duas mulheres! Nunca mais vou dirigir tranquilo! Dizia o homem enquanto a esposa e a menina entravam caladas no carro.

Pois é. Largado no acostamento aprendi que xixi é realmente capricho feminino, embora o substantivo não seja. Agora estou sem família e sou oficialmente um fiscal da paisagem, mas ao menos, meu dono menino não demorou no acostamento ao ponto de gerar uma multa para o pai. Imagine o transtorno! Só falta se apropriar corretamente do vocabulário masculino. Com quantos anos será que os meninos aprendem a falar “mijar” e a usar a língua de forma mais apropriada? Outra mãe de menina se aproxima. Essa já é uma mocinha e já traz o próprio celular na mão. Mais uma foto na beira da estrada e mais uma multa aplicada. As mulheres são problema desde cedo. Maldito xixi!