O felizardo infeliz

Para Raimundo havia restado apenas duas coisas: a bola nove e o jogo da mega sena que ele imerso em desespero acabava de apostar. Era a vez de Dirceu, seu oponente, a dar a tacada que acabaria de vez com toda a sua dignidade.

Nesse momento, Raimundo sentiu-se aflito ao lembrar que teria de dar satisfações à sua esposa. Ela aguardava ansiosamente pelo salário que ele havia recebido naquele dia para poder pagar o aluguel atrasado do único cômodo que moravam. Sua aflição aumentou quando pensou na hipótese das dezenas do seu jogo serem sorteadas naquela noite e o volante não estar mais em seu poder

Dirceu, de forma fria e implacável pôs fim àquele tormento. Com uma jogada magistral, fez com que aquela bola que representava toda a angústia de Raimundo, fosse enfim parar dentro da gaveta. Restou a Raimundo, o suspiro dos derrotados. Atordoado, cumprimentou seu algoz e saiu com o dobro de seu peso. Começava ali sua paranóia. Não importava a chateação da mulher, o aluguel atrasado e a humilhação de ter perdido tudo. O que importava era o sorteio da mega sena que estava prestes a acontecer.

Ao chegar em casa, colocou a mulher a par do acontecido. Ela, após ouvir o triste relato, trancou-se no banheiro e passou a noite por lá.

No dia seguinte logo no primeiro horário, estava Raimundo em frente à casa lotérica aguardando sua abertura. Por se julgar perseguido pela falta de sorte, tinha absoluta certeza de que as dezenas jogadas por ele eram as mesmas sorteadas. Raimundo nem esperou a abertura total das portas e entrou agachado, procurando desesperadamente o cartaz onde estava o resultado. Para surpresa das atendentes, começou a pular e a gritar levando-as a supor que ele havia ganhado o prêmio de nove, sim, nove milhões de reais. Uma delas criou coragem de se aproximar e perguntou se era ele o sortudo. Para espanto dos presentes, Raimundo soltou em plenos pulmões.

— Não, não fui eu quem ganhou, mas sou...

Raimundo foi diminuindo o tom de voz e soltou quase sussurrando.

—Sou um felizardo infeliz.

E toda aquela cena por ele protagonizada, converteu-se em um choro copioso.

Sérgio A Silva
Enviado por Sérgio A Silva em 30/10/2020
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