Em tempos de Pandemia 13

Tamara sinalizou com um olá, levantando a mão direita , trazendo os dedos levemente semi cerrados pela atrofia que portava em alguns dedos, e na musculatura da mão, sequela motora em decorrência de um acidente que a levou para a cadeira de rodas, com movimentos reduzidos e fadiga muscular.

Iniciou a conversa:

___ Pensou que não a encontraria, Elbinha? Cresci, mas não esqueci nossa amizade, andei mundo! Andei mundo! Te encontrei, menina. Não chora não!

Tamara arranjou um amaciamento para Elba. Elbinha era o nome de uma das bonecas que tinha quando criança, levava este nome em homenagem à amiga, não gostava do nome Elba, soava estranho, meio que sem sentido, resolveu a época passar chamar a amiga do nome no diminutivo, que foi aceito.

Quanto tempo Elba não ouvia ser chamada de Elbinha! Depois que Tamara passou tratá-la com o apelido, o grupo todo de amigos pegou o costume.

Passou a gostar, soava carinhoso. Depois da partida de Tamara para o exterior, estando em L.I.N.S(lugar incerto não sabido), a vizinhança foi mudando para outros bairros, outras cidades, Elba, fez-se moça, até que o apelido caiu em desuso.

Sem pausa, quase que sem respiração, Elba enxovalhou a amiga de perguntas: para onde foi morar? por que não deixou endereço do destino da mudança? por que nunca mandou notícias? sumiu, sumiu!!!

Tamara pediu calma, iria explicar tudinho, disse que depois das justificativas, a amiga entenderia.

Elbinha interrompeu-a dizendo que iria até a Instituição, precisaria vê-la pessoalmente:

Tamara respondeu que poderia parecer ironia do destino, mas isto não seria possível, tinha vindo ao Brasil às pressas para resolver sobre um patrimônio deixado por seu pai, que havia falecido, necessitava ser inventariado, tinha voo marcado de retorno ao país de origem para dali duas horas. Antes, teria que ir até o hotel com o acampanhante, que a auxiliava na locomoção. Teriam outras oportunidades para conversas, voltaria para visitá-la, Bibi iria antes a Zurique.

Ajeitou o tronco do corpo na cadeira de rodas, iniciou o relato:

Saímos repentinamente de onde morávamos porque papai resolveu por si mesmo ir embora, quando comunicou à mamãe, tinha os passaportes comprados. Foi a conta de arrumarmos as malas, e partirmos.

Disse com a voz trêmula, emocionada:” Para ser sincera, Elbinha, poderia até ter ido a sua casa, que ficava no quarteirão de cima, dar um abraço de despedida, mas não quis, sabia que iria para não voltar, seguiria sem sua amizade, a mais importante que tinha.

Viagem difícil, meio que na clandestinidade, fomos como turistas, passamos morar em um porão de uma casa de brasileiros em Zurique. Papai e mamãe trabalhavam bastante, faziam a limpeza e comida em um restaurante, passei ficar sozinha.

Com dezoito, saí de casa, tínhamos ido para outra residência depois de dois anos vivendo “ de favor”. O mundo me chamava, queria uma ressignificação, viver fora do Brasil, das raízes de onde havia sido criada, da alegria sobejante de ser gente. Estar em lugar estranho, vivendo a maior parte do tempo sem a companhia de papai e mamãe, fez-me sair, arrumei um emprego como Babysitter, page de bebê.

Às vezes me pego sozinha imaginando degustar manga, mexerica, jabuticabas maduras, colhidas no pé, nas idas aos pomares da região onde morávamos. Deixo-me perder nos sorrisos nossos e da molecada nas corridas. É como estar nelas, nas comilanças, nos apertões nas campainhas das casas do vizinhos, no cheiro de suor depois de um dia inteiro correndo pela cidade de bicicleta, nas brigas que arrumávamos com a molecada, na escola e na rua, nos banhos de cachoeira nos domingos e nas férias escolares.

Foram estas lembranças que não me deixaram perder as esperanças de voltar ao Brasil, e revê-la, amiga querida!

Doei-me de corpo e alma aos cuidados e afeto a uma criança, filha de um casal suíço. Tinha uma folga na semana, que muitas vezes não a tirava, ficava no quartinho dos fundos da mansão assistindo a TV.

Até que conheci em um dos passeios em um parque em Zurique com a criança que cuidava, um Venezuelano, Marino. Morava há algum tempo na Suíça, era guia turístico, acompanhava turistas de mundo todo aos museus e lugares turísticos da cidade histórica de Zurique.

Em uma das andanças com ele de moto na região da cidade, acabei por ser vítima de um acidente, a moto colidiu com um carro de passeio, que transitava na contramão. Na queda, fraturei a coluna, atingindo a medula, ficando paraplégica.

De bípede, fui conhecer a ótica do que é viver andando sobre duas rodas. Submetida a várias cirurgias, conheci o que é estar na condição que levou-me a perdas e ressignificações, não fui a mesma nunca mais. A não ser a pureza que se manteve intacta, lembranças da infância, da nossa amizade, naquelas pernas que fiz uso no grau máximo na menina do ontem.

A procurei como agulha no palheiro, Elbinha! até que o destino me presenteou com a feliz coincidência das documentações serem regularizadas na cidade onde mora. Fiquei sabendo de você quando passei em frente a instituição de táxi, vi seu nome escrito no muro frontal da instituição ontem a noite.

Acordei pela manhã endereçada até aqui. Aguardei o atendimento, e aqui estou.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 28/08/2020
Reeditado em 28/08/2020
Código do texto: T7048946
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