Em tempos de Pandemia 10

Estava amaciada, escolada para estar em relacionamento, poupando o próprio emocional para não sofrer expectativas, e frustrar-se.

Não o suficiente para não sentir a falta do companheiro quando demorava um pouco mais para chegar do trabalho, suas mãos em seu corpo, sua voz, seus mimos quando estavam juntos.

O pouco que Walter ficava em casa, demonstrava cumplicidade, seja na tomada de uma bebidinha juntos, ou do peito de frango grelhado que sabia fazer como ninguém, do café coado com suas próprias mãos, que nunca ficou esclarecido na mente de Elba, se era porque achava seu café ruim, ou se queria agradá-la.

Deixava no criado mudo do quarto, no início dos meses, o dinheiro que contribuía com as despesas da casa, sempre um pouco a mais do que era de sua parte. Elba, até que levaria sozinha as responsabilidades com as despesas mensais, mesmo saindo acirrada a disputa com os débitos serem quitados em dia, mas a conduta do companheiro em assumir passivamente o pagamento daquilo que gastavam no convívio, destacou-o no melhor do seu caráter, conduta que não viu nos parceiros anteriores.

Retornando ao apartamento naquele domingo,com um marmitex que havia comprado na cantina que funcionava aos domingos na esquina onde morava, resolveu realizar uma vídeo chamada para o companheiro, queria vê-lo, saber das últimas notícias de sua recuperação.

Deixou a bicicleta no suporte na sacada, a comida sobre a mesa da cozinha; sentou no sofá, telefonando para o companheiro.

Quando a vídeo chamada foi concluída, viu a expressão do companheiro; deitado no leito de um quarto em isolamento do hospital. O administrativo havia reservado para o médico, tinha mérito na decisão, além do que, era elementar sua recuperação no contexto.

Estava com a pele um pouco escurecida, de uma magreza forçada, cabelos crescidos, a expressão do rosto um pouco cansada. Mesmo saindo dos sintomas graves, depois de mais de trinta dias no hospital, tinha a respiração pouco ofegante. Disse:

___ Olá, Elba! Bom dia, querida! Você está com uma tez como que acabou de chegar do Sol. Foii dar uma caminhada?

Elba sorriu amiúde, respondeu sem extravagância na expressão:

___ Sim, fui tratar um pouco da pele, dos movimentos do corpo, do sistema imunológico , da circulação sanguínea, das articulações, e, de quebra, deixar entrar um pouco de ar na mente. Pensei em você, que poderia estar comigo na pedalada.

Elba ficou em silêncio, olhando o companheiro, não vieram palavras, somente silêncio. Não deu conta de falar mais. Dizer o quê?

Walter tomou a palavra:

___A vida como ela é, Elba. Sem cisco, risco e petisco. Eu aqui, você aí...

Sem revoltas, nem ressentimentos pelo infortúnio de ter sido contaminado, as palavras ditas por Walter trouxe ele, sem maquiagem, realista, aquele que lidava no âmago da vida na Terra na profissão de médico. Não tinha adornos nos conceitos, nem acordes nos resultados. Quando analisava as situações, inclusive aquelas da própria vida, tratava-as como sempre foram, desnudadas das roupagens dadas pela religião, psicologia, sociologia, filosofia.

Não cultuava a autopiedade, muito menos o drama derrotista adotado por alguns modernistas, que levam para o esquecimento nas argumentações que a humanidade do hoje não estava como marinheira de primeira viagem nas questões que estavam por assolar o mundo.

Ele, no leio do Hospital, vítima da doença que tratava dos pacientes, ela, no apartamento, bronzeada do Sol que havia tomado no pedalar de bicicleta no bairro pela manhã. Equação resolvível pelos dois, somente pela via dos corações. Pela lógica, não.

Os olhares compassivos foram trocados na ligação, aquilo que não se conquista, nem tem possibilidade de ensaios, acontece.

Elba esticou as pernas sobre o sofá, recostando a cabeça na almofada, aproximando a tela do celular ao rosto, de modo que podia vê-lo melhor. Alcançou os olhos do companheiro, fazendo o encaixe da engrenagem, quando os dois , mudos, permutaram forças, sem palavras, nem sorrisos, muito menos expressões de tristezas. Estavam um para o outro por alguns segundos.

Walter interrompeu depois de algum tempo a mudez, disse:

___Almocei e, você ?

Elba respondeu que havia comprado a comida, iria alimentar um pouco mais tarde, tinha tomado café quase na hora do almoço.

O namorido disse que iria ter alta naquela semana, o último exame que fez para ver a carga do vírus no corpo, deu negativo.

A companheira ficou extremamente feliz com a notícia, que iria recebê-lo com o prato de que mais gostava, rosbife regado ao vinho branco.

O companheiro deu um leve sorriso, aconselhou-a desligar o telefone, e ir alimentar, tomar água para se hidratar, o clima estava seco e quente, que iria tomar as medicações da tarde.

Para encerrar a ligação, Elba sinalizou com os lábios o envio de um beijinho, dizendo que o esperaria.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 13/08/2020
Reeditado em 21/08/2020
Código do texto: T7034576
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