Em Tempos de Pandemia 9

Cada ano que passava, um vírus novo, uma doença nova, uma vacina nova. Os problemas antigos, ao invés de diminuídos, crescidos até a tampa; guerra, mortandade, corrupção, tramoia e michorna contra a malfadada incolumidade pública, sem deixar as pontas dos dedos dos culpados de fora.

Violência, dores de toda estirpe; na china, na índia, no Butão. Mesmo Dubai com suas Ilhas artificiais demonstrando o império do ter, perdia cada vez mais sua graça, expunha a mediocridade humana em focar somente para fora, esquecidos os valores humanos que serviam como instrumento para o fluir da fraternidade humana, a geração do adamantino no coração do ser humano, sem uso no interior do homem.

O que adiantava a religião, ficar implorando horas à Fonte Suprema para ajuda individual, ser poupada dos efeitos da crise social estabelecida.

Sua vida nos últimos quatro meses passou ser a própria oração, a única prece que não deixou do orar era a do Pai Nosso . Cuidava do corpo, usufruía melhor do silencio para introjetar o instante, o ar que respirava, a comida que comia, a vista do horizonte quando caminhava, o funcionamento do próprio corpo ao pedalar.

Passou oferecer a si mesma a Deus todas as manhãs, como oferenda, o próprio serviço. Conectando por vídeo em atendimento remoto com os necessitados, que buscavam ajuda na Instituição onde era Assistente Social.

Maquiava seu rosto em tons pasteis, colocava a blusa das melhores que tinha no guarda roupa, meditava mais cedo, ao menos meia hora em silêncio absoluto( tinha de sobra).

Quando apresentava a ela a primeira pessoa para ser atendida na tela do computador, sorria num bom dia, querendo transmitir ao interlocutor o sorriso de Deus, o olhar compassivo de Deus, a energia amorosa Divina que poderia acalentar o fogo negro do coração do flagelado, exposto a estar em potencial ser vítma da depressão, do mundo do crime, do suicídio.

Realizava tudo sem querer retorno próprio, muito menos com ânsia de resultado. Servia à Grande Obra.

Quanto ao que tinha adquirido da cultura, seja a religiosa, ou do mundo, queriam um pouco de ar , havia dado uma esfriada nas convicções e crenças que cultuava.

Comprou calças compridas, de tecido, seda, jeans. Passou a usar.Para quem fez uso de vestidos longos e saia até o joelho, mesmo que algumas amigas da fé estarem usando saias e vestidos mais curtos, até calças algum tempo. Assumiu a liberdade de locomover-se e sentar com mais tranquilidade de não se ver exposta nas suas partes intimas.

Adotou em definitivo o uso de calça comprida, pintou os cabelos, deixou de tocar o órgão na Igreja, por si mesma, ia aos cultos somente como adepta para assistir aos cultos.

Não abriria mãos de sentir o coletivo do grupo, a energia do devocional sendo praticado no coletivo, na audição dos hinos do silêncio no início da cerimônia, ver, conversar, cantar os hinos sacros,saudar os amigos nas reuniões, o orar coletivo, o sentimento de estar com Deus pelo coração, no coletivo. Comungava com a irmandade no espaço do templo como sendo uma só.

Após o desligamento do namoro com Wilmer, da mesma religião, por motivo de ter esfriado o sentimento que tinham um pelo outro , o ex companheiro casou com outra adepta, em questão de meses.

Elba passou algum tempo se culpando por não ter ficado triste dele ter definido sua relação com outra pessoa. Depois esqueceu. Antes da quarentena, chegou avistar o ex namorado com a esposa felizes no culto, seguindo o destino.

Por estas e outras, junto, o despertar estar vencida pelas razões do velho mundo ser o que era, não encontrando solução para tantos destemperos que a condição humana impunha a si e ao cidadão na Terra. Ficou uma coisa insípida para partidarismos, achismos, rigorismos, e todo turbilhão de ismos que levassem a dogmas, servilismos, materialismo espiritual, fragmentação e separatividade.

Walter, não muito longe ,havia deixado claro para Elba quando iniciaram o namoro, que não dava conta mais de ser provedor afetivo seguro de parceira nenhuma, que era espiritualista, amadorista do estudo da vida oculta, não tinha uma religião definida, apesar de família católica. Dizia que depois dos quarenta, e de vários relacionamentos , bem como a profissão de médico, tinha a sobrecarga na mente com tantas responsabilidade, além de si mesmo para dar conta.

Quando juntos, era para usufruírem um do outro no instante, sem fiapos, refofoques, tramoias para lembrarem um ao outro dos tempos idos, dos relacionamentos anteriores, da carga pesada que tinham que levar, os efeitos na consciência e inconsciência das profissões que exerciam, que contribuía em muito a querem desistir do mundo, da vida.

Não queria obrigação e espera, reconhecimentos e tratos previsíveis, que muitas vezes não chegariam, e por isto, foram causa do encerrar das relações pretéritas.

Haviam amadurecido? Quem sabe tomaram para si as próprias vidas, cedendo a si mesmos para um relacionamento estável, sem condicionamentos.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 08/08/2020
Código do texto: T7029751
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.