Em tempos de Pandemia 7

Era início de agosto. Havia mais de 15 dias que não via Walter corpo no corpo, pele na pele. Tinham que obedecer ao afastamento até o derradeiro exame que comprovasse que o companheiro estava livre do vírus.

Na manhã de domingo, o Sol estava convidativo a uma corrida de bicicleta no bairro. Levantou um pouco mais tarde, a mudança de rotação do motor da geladeira a acordou; a audição estava afinada para sons acidentais que ocorriam no ambiente, muito mais quando passou morar sozinha, depois do óbito da mãe há mais de três anos.

Nada ficava sem ser percebido pelos ouvidos de Elba; o cachorro do vizinho do apartamento do andar superior, que uivava vez ou outra em sinal que estava sozinho, sem os moradores da casa; percebia pelo piar do passarinho a insistência para abrir a janela para adentrar ao ambiente e roubar um farelo de pão; os passos de Walter aproximando da porta de entrada, movendo a chave para ser destrancada; movimentos e sons que vinham da rua que iam sendo apaziguados no final do dia; o barulho que emitia o caminhão de lixo que passava pela manhã três vezes na semana.

Em prol da ética e da discrição, ligava o som mais alto em casa quando não podia escapar aos ouvidos a conversa um pouco mais alta entre os moradores contíguos ao seu apartamento.

Naquele domingo, nem o passarinho fez barulho na janela do quarto, na vizinhança, um silêncio uníssono, o vento típico da estação chegava soando baixinho através da fresta da porta de vidro de correr da sala, chegando provocar um leve tremor do atrito das faces de vidro, num resultado seco de contato.

Não hesitou, passou hidratante e protetor solar na pele, colocou bermuda e camiseta, resolveu sair, mesmo aproximando o horário do almoço.

O Sol escancarado no céu sem nuvens, e o vento denso farto acontecendo fora.

Abasteceu-se com um balanceado café da manhã solitário: meio mamão papaia, batida detox, couve, laranja e cenoura, pão integral com queijo prato e presunto magro, patê de chancliche com tomate seco e abacate e, um copo de leite desnatado, além do cafezinho básico que havia tomado três xícaras desde que acordou.

Pegou a bicicleta que ficava dependurava em um suporte na sacada, desceu até o térreo, e foi pedalar.

Havia uma avenida extensa em frente ao prédio que morava, era plana, numa distância de mais de três quilômetros de ponta a ponta, ao centro, uma ciclovia, nas laterais, coqueiros imperiais, mais de dez metros de altura, eram sacudidos ferozmente pelo vento de agosto.

Levou sua garrafinha d`àgua, óculos de sol, celular acoplado na cintura, e um foninho de ouvido conectado nos ouvidos. Necessitava de música diariamente.

Naquele domingo, pouca gente pedalando. Os que estavam frequentando o espaço mal se olhavam, tudo muito impessoal.

Elba tinha ela e a natureza, sentia uma transeunte anônima. Era ela, o corpo, a mente que portava, o vento que tocava sua pele, a aridez do clima denunciando que a primavera estava próxima.

A umidificação do ar, a irrigação da terra seca que o inverno estava provocando, estaria a acontecer. As flores de setembro estavam sendo preparadas pelas sementes para florir, embelezar. As varas secas das árvores frutíferas, como que na iminência do parir-se.

Depois de percorrer mais de meia hora, as narinas e garganta estavam ressecadas, lembrou de beber água.

Aproximou de uma imensa árvore de Ipê Amarelo que existia ao final da avenida, em destaque, no auge da temporada. Desceu da bicicleta, exausta e suada, sentou encostando-se no tronco.

Ao longe, via-se pessoas caminhando de máscaras, até crianças, outras não. Nos carros, muitos com os vidros fechados e de máscaras.

A vida seguindo um ritmo que não se via antes, acontecendo na busca do natural, do normal.

Surpreendeu ver os garis dependurados no caminhão de lixo passarem felizes, sem máscaras, recolhendo o lixo da redondeza. E um pedestre mendigo, com roupas surradas e sujas, carregando teréns, com uma máscara encardida cobrindo boca e nariz.

O drama da vida moderna acontecendo, o inusitado e a condição humana emitindo suas faces.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 05/08/2020
Reeditado em 06/08/2020
Código do texto: T7027429
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