Em Tempos de Pandemia

O carro saiu da garagem. Do escuro da rua treze, via seus faróis ligados tremulando.

Virou logo a esquerda para quem dirigia sentido centro bairro.

Desapareceu na curva derradeira. Restava ouvir o ronco do motor que ganhava mundo afora, até diluir em meio aos sons do trânsito da cidade grande.

Do interior do carro, dirigindo para ela mesma, e sem testemunha, podia degustar do perfume caro que passou, da textura do linho puro, macacão branco que tirou para uso. Definitivamente estava compro e pago, havia quitado a última parcela dele na fatura do cartão de crédito.

O escarpam clássico que tanto campeou no Boulevard na coleção última, antes da quarentena, estava calçando seus pés; acarinhava-os gentilmente sem destacar desconfortos quando acelerava e freava.

Para os ouvidos, as músicas tocando baixinho selecionadas do seu gosto no pen drive; piano bar, jazz e coisa e tal.

Tinha tomado banho no ofurô que tinha levado cabo à finalização na última semana; o famoso banho de sais e óleos essências foram usados, ao ponto daquilo que imaginou um dia como sendo o típico banho de princesa.

Sentia a pele macia na roupa, as peças íntimas passavam despercebidas, eram de seda sem costura; como se não as usassem.

Os cabelos, havia os escovado, estreando o primeiro dia do corte novo, e da tintura acobreada.

Adquirira para si o corpo como templo e morada para degustação de si mesma, e o carro como extensão sua para explorar um pouco a liberdade em tempos de pandemia.

Sem esquecer da máscara que cobria seu nariz e boca, era de seda inglesa, num tom bege acetinado; havia encomendado na alfaiataria do Jorelson, parecia peça de grife. Mesmo com parte da face encoberta, não descuidou da pintura. Estava de baton, rímel, todo arsenal para uma maquiagem perfeita.

Investiu tudo isto para ir até a casa da irmã para pegar uma encomenda, afinal, há meses que não se arrumava para ir a um compromisso, festa ou qualquer acontecimento.