O temor do amanhã

O barulho dos saltos pipocavam no asfalto molhado e o som era exacerbado devido ao silencio que fazia. Um cachorro ou outro latia ao longe assustando-a vez ou outra.

Segurava a bolsa esfarrapada com força como se ali dentro pudesse conter algum tesouro inestimável. Sua própria vida e a de outros dependia do sucesso ou não que teria naquela noite. O frio fazia o ar que expelia sair em nuvens de fumaça fina. Não estava agasalhada para a temperatura baixa que fazia e seus dentes batiam sem parar. Era um misto de medo e frio que percorria seu corpo com espasmos involuntários.

Percebeu luzes de uma lanterna se aproximando e escondeu-se atrás de algumas latas de lixo. Seus sapatos estavam encharcados, ela os tirou e os jogou numa das latas, sentiu os dedos enrugados, e levemente dormentes.

Quando o grupo passou, deixou-se ficar ali por alguns segundos, seus joelhos estavam em uma poça d’água mas ela não se deu conta disso, precisava de concentração total naquele momento. Precisava chegar até ao abrigo antes do amanhecer, caso contrário todo seu esforço e empenho teriam sido em vão. Ela era forte, muito mais forte do que achava ou mesmo aparentava ser. Seus pulsos finos, sua baixa estatura não faziam jus ao quanto podia ser resistente. Mas naquele momento estava exausta e suas forças exauridas, depois da longa caminhada debaixo de chuva e frio, sem dormir e escondendo-se, mantendo a mente alerta. Enfim, recuperou as forças que precisava e levantou, seu olhar parecia perdido. Talvez devido ao frio e fome ou apenas pela visão que presenciava. Olhou ao longe, ao redor e o que viu achou que era algo pela qual nunca poderia acostumar-se. Sempre era chocante, surreal quando prestava atenção ao que sobrara. Prédios demolidos, alguns apenas pela metade, suas ferragens sinistras esculpindo formas estranhas mostravam buracos escuros e ameaçadores, comércios vandalizados, estruturas caindo aos pedaços, vidros estilhaçados por todo canto. Ruas caóticas, canos estourados esguichando água e a escuridão total quebrada apena pelas ruínas de um fogo minguado aqui e ali, restos de algum ataque ou pequenas explosões, Alarmes ainda teimavam em tocar aleatoriamente, com se estivessem denunciando alguém que se escondia em meio ao caos. Parecia mais um pesadelo, do qual não conseguia acordar por mais que desejasse.

Era terrivelmente real.

Era tudo insanamente real.

Ela continuou a passos largos e cuidadosos, seus pés já tão insensíveis devido ao frio que nem sentia mais quando se laceravam nos estilhaços de vidro ou detritos que estavam por toda parte. Ouviu um grito ao longe e seu corpo no mesmo instante reagiu se arrepiando e ficando paralisado onde estava. Nunca se podia ter certeza dos motivos dos gritos que escutavam. Respirou fundo e teve vontade de tossir, puxou a gola do casaco usando improvisadamente como máscara. Não tinha tempo a perder, apesar da fumaça que a garoa não conseguia sobrepujar logo as primeiras luzes do amanhecer chegariam e então seria quase impossível se tornar invisível dos arruaceiros rebeldes e do pessoal da força armada do "resgate". Uma batalha diária, não apenas do mundo que estava no auge do fim, mas também dos seres que propiciaram esse fim. O que ela mais temia era ser capturada e torturada. Preferia morrer a dar a localização de onde estavam, mas sabia o quanto eles podiam ser persuasivos e arrancar as informações que quisessem. Outros não voltaram de suas missões e por vezes eles tiveram que fugir as pressas entre os escombros, carregando nas costas os debilitados, alguns doentes não conseguiram e ficaram pelo caminho. Era sempre duro e cruel.

Suspirou profundamente ao chegar a um poste de luz que zumbia frente a uma ponte que não estava mais onde deveria estar. Embaixo o torvelinho revolto das águas ameaçava lamber seus pês descalços. O bote não estava mais onde o deixara vinte e quatro horas atrás. Isso não era definitivamente um bom sinal.

Limpou a garoa do rosto e tentou tirar de sua mente cansada alguma solução ou algo que pudesse improvisar, mas infelizmente não havia plano B. As ordens eram claras e ela sentiu pela primeira vez que talvez não conseguisse terminar sua missão. Que talvez houvesse falhado e que estava tudo acabado.

Deixou-se escorregar até o chão e sentiu a lama preencher o contorno de seu corpo. O esgotamento enfim tomava forma em seu ser. Ela parecia derreter entre a realidade e o esforço de ficar consciente. Porém seus olhos fecharam e ela não teve mais controle sobre o momento, seu ultimo impulso foi segurar a bolsa com as duas mãos, como se isso bastasse para protege-la e seu pensamento voou imaginando que alguém estaria ali a espreita, pronto para resgata-la.

Seus olhos viram apenas a escuridão antes de se fecharem...

Tânia Mara Paula
Enviado por Tânia Mara Paula em 07/07/2020
Reeditado em 07/07/2020
Código do texto: T6998423
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.