1133-A BARATINHA AMARELINHA - Auto-Biografico
Eram a glória, a felicidade e a alegria de minha meninice os passeios na baratinha amarelinha do senhor Júlio Símaro, pelo bairro da Mocoquinha e pelo centro da cidade. A baratinha era um sucesso, pois era um dos poucos veículos nos inícios dos anos da década de 1940 em minha cidade.
Era um luxo: da marca Ford, de dois assentos e mais um banco escamoteável no compartimento que seria o maleiro. Sua aparência era toda arredondada, a traseira meio que levantada, como se fosse uma bundinha. No pequeno banco íamos eu e Terezinha, a filha de seu Julio e dona Francisquinha. Sem cinto de segurança, que sequer se imaginava naqueles tempos despreocupados e alegres.
Seu Julio era um homem alegre, brincalhão, gostava de pregar pequenas peças nas garotada. Talvez porque só tinham um filha, gostava de ter ao seu redor os sobrinhos meninos. Comerciante atilado tinha uma grande loja de “secos e molhados” na Mocoquinha, num edifício de dois pavimentos, sendo o segundo andar a residência da família.Nos fundos do enorme terreno, havia um grande galpão com pequena máquina de beneficiar arroz.
Os passeios na baratinha, que eram sempre aos domingos de tarde, terminavam sempre na sorveteria Spósito, no centro da cidade, com a apreciação dos deliciosos espumones e outras delícias geladas.
Eu e Terezinha éramos da mesma idade, e havia uma amizade muito gostosa entre nós. Eu era tímido com estranhos, mas quando me afeiçoava às pessoas, era bem comunicativo. Daí que, espertamente, aos domingos após o almoço, ou seja, lá pelas duas horas eu me encontrava sempre, nas imediações do sobradinho. Quando seu Júlio tirava a baratinha da garagem, eu estava sempre bem próximo, e aceitava prontamente o convite.
— Sobe aí, Tuniquinho, ele falava.
Ou era dona Francisciquinha, com seu sorriso sonoro:
— Vem, senta ao lado da Terezinha, vamos passear.
Terezinha também gostava da minha compania. E lá íamos levantando a poeira da Avenida Angelo Calafiori, rua Pimenta, praça da igreja Matriz, pois não havia então calçamento na cidade.
Doces tardes de domingo, quantas recordações, como iria cantar Roberto Carlos vinte ou trinta anos depois.
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Passaram-se os anos. Entrando no grupo escolar estadual para fazer o curso primário, poucas vezes vi Terezinha, que frequentou o Colégio Santa Dorotéia, cujas mensalidades só permitiam a frequência das meninas e moças de famílias ricas.
A baratinha, acho, foi no rolo comercial, só sei que nunca mais a vi.
Mas não foram muitos anos. Em 1943, seu Júlio vendeu seu grande empório e máquina de arroz, juntamente com o sobradinho, para estabelecer-se com uma casa comercial menos, na Rua Doutor Placidino, esquina com avenida Ângelo Calafiori, exatamente defronte à capela do Colégio Santa Dorotéia de estilo gótico e alta torre com telhado em agulha. No mesmo quarteirão da casa de meus pais.
Estava eu no terceiro ano do grupo escolar, com dez anos de idade, quando comecei ir ao empório do seu Julio, fazer compras para mamãe. E lá então revivia bons momentos com seu Julio, Dona Francisquinha e Terezinha.
Seu Júlio atendia pessoalmente a clientela no balcão. Dona Francisquinha às vezes o ajudava, pois a casa residencial era parte do edifício da loja. Não tinha empregado para a loja. Mas precisava de alguém que fosse pegar os pães que vendia na loja, todos os dias, por volta da uma da tarde, na Padaria Dramis, no Jardim Novo.
—Tuniquinho, você bem que podia pegar os pães na padaria depois do almoço.
Eram apenas dois quarteirões de distância e carga era compatível com meu tamanho: um saco com cem pães, amarrado pela boca, que eu colocava nos ombros com facilidade e levava, atravessando o Jardim Novo, da padaria ao empório. O horário também era bom, pois eu ia à escola de manhã, almoçava ás onze e meia e antes da uma hora eu já poderia estar na padaria.
O que não contava era com o calor dos pães, recém-saídos da fornada da uma hora da tarde. Quando chegava ao meio do percurso, tinha de aliviar um pouco, colocando o saco num banco e descansando os ombros do calor, sob a enorme figueira no centro da praça
Não havíamos combinado sequer o pagamento. Seu Julio me dava então um pão (vendido a CR$ 1,00) que eu levava com a maior alegria para mamãe.
Este pagamento simbólico durou apenas um ou dois meses.
— Tunico, vou lhe pagar por mês. Trinta cruzeiros por mês, tá bom?
Aceitei, claro. Assim, eu estava ganhando mais, pois aos domingos não havia esta tarefa, e eu ganhava também.
Aos dez anos de idade, foi o meu primeiro trabalho remunerado. Meu orgulho e satisfação por receber dinheiro do meu trabalho foram indescritíveis.
Aquele foi a minha primeira relação de empregado com seu Julio, que iria se desdobrar por muitos anos .
Continua- ver conto : 1134-Quem sabe um oficio nunca passa fome
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 21 de outubro de 2019.
Conto # 1133 da Série Infinitas Histórias