O doce mais doce (julho de 2019)

Havia algo naquela casa que a fazia diferente de todas as outras do bairro: dois pinheiros gêmeos de dois metros de altura enfeitavam o jardim logo na entrada da casa. As formas das duas árvores se destacavam no meio da grama, cercados por buganvílias amarelas e plantas pequenas de todas as cores. Havia muitas rosas brancas e vermelhas.

A casa era algo grande, dois andares, construída em alvenaria de tijolinhos aparentes na cor laranja, ladeada por um grande galpão construído para servir de garagem. No entanto, o carro nunca chegou e o espaço acabava por ser utilizado para as pequenas festas que ocorriam ali nos aniversários de todos da família.

O galpão arejado tinha tudo para ser o lugar mais feliz da casa. No entanto, era na cozinha que os Ferreira dedicavam mais o seu tempo. Exceção feita unicamente para a sua irmã Patrícia, Alzira e as duas crianças – acompanhando o bebê Andrezinho – se reuniam todas as tardes ali para assistir tia Alzira fazer seus doces para fora.

Aquela tarde o cheirinho de cravo da Índia do doce de abóbora de Alzira deixava a criançada encantada. Fabinho e Iolanda empurravam o carrinho do bebê até a cozinha para ele sentir de perto a mágica da panela grande de doce. Sua tia mexia na panela com uma colher de pau – esperando o doce descolar do fundo, perfumando toda a cozinha.

O doce de abóbora era o doce preferido de Fabinho e de Iolanda. Também gostavam do doce de abacaxi com sorvete e do bolo de banana nanica. Ou de fato qualquer doce feito por Alzira. Mas nada tinha o perfume de cravo do doce de abóbora. O bebê Andrezinho, no carrinho, era todo sorrisos. Sinal de que ele aprovava o quitute da titia.

Tia Alzira dava grande importância à opinião de Andrezinho e fazia questão que à tarde depois da escola (quando começava a cozinhar os doces, depois do almoço) os meninos trouxessem o bebê no carrinho escada abaixo até a cozinha para que expressasse sua opinião acerca do perfume que subia da panela ou do forno no cardápio do dia.

A mãe dos meninos, Patrícia, era viúva. Seu marido falecera havia dois anos, quando o bebê tinha apenas um mês de vida. Foram morar com a tia mais velha, irmã de Patrícia que, também viúva, no entanto não tinha filhos e para pagar suas despesas vendia doces para lanchonetes da vizinhança. Produzia uma porção grande de um doce por dia.

Era vedado às crianças provar os doces que fazia. Tia Alzira era previdente quanto ao peso dos meninos. Muitos doces poderiam representar muitos quilos. Mas no final de cada cardápio diário, lhes permitia uma colher grande. Nada mais. Mesmo o bebê não ficava sem uma colher de café de doce. Todos provavam sua delícia diária.

A mãe dos meninos, Patrícia, trabalhava toda o dia na Receita Federal. Pois a irmã Alzira lembrava-se dela, guardando uma colherinha de doce ou uma pequena fatia de bolo no fundo da geladeira. Depois do jantar, à noite, já era hábito da irmã de Alzira deliciar-se com a colher grande de doce em um pequeno potinho de vidro.

A rotina da casa se dava toda em torno da profissão de Alzira. A doceira era elogiada por seus fregueses, mas antes disso era aprovada por seus sobrinhos e irmã –unanimemente. Não perguntavam em casa qual o cardápio do almoço ou do jantar. Todos queriam saber o que Alzira cozinharia para fora aquele dia.

Este dia, então, era o dia do doce de abóbora com cravinhos da Índia. Os meninos e a menina se reuniram em volta da mesa da cozinha, cada um sentado em um banquinho observando o bebê no carrinho. Os dois mais velhos aproveitavam para ajudar a tia na limpeza da cozinha. Havia cascas da abóbora e sementes para jogarem no lixo.

Durante o cozimento, era comum que um pouco do doce respingasse sobre o fogão, mas a previdente Alzira limpava ela mesma os respingos, cuidando da segurança dos sobrinhos. Nunca jamais algum menino se queimara na cozinha enquanto a tia levava a cabo uma receita de seus doces.

Em uma vez por ano, válido para o dia de aniversário de cada um em casa, Alzira cozinhava para eles o doce preferido. Nesse único dia, podiam saciar sua fome de doce no galpão ao lado da casa. Convidavam então os amigos e juntavam os presentes todos no galpão. Alzira fazia um pequeno bolo e o doce à escolha do aniversariante.

Enquanto o aniversário não chegava mantinham sua dieta. Uma colher grande do doce do dia no final de sua preparação. Entendiam que era melhor para eles permanecerem longe do risco da obesidade infantil. Tia Alzira lhes explicara tudo. Mas o aniversário não tardaria e enquanto isso brincavam de esconder do outro qual doce escolheriam.

Em geral, não havia surpresa. O doce de abóbora vencia uma vez sim, outra vez não. Parecia que os meninos combinavam entre si para que no mesmo ano tivessem ao menos uma vez o doce de abóbora. Da outra vez, seria um brigadeirão – o que também era unanimidade entre os meninos e lhes apetecia quase da mesma forma.

O pequeno Andrezinho não sabia falar, cabia talvez a todos adivinhar o doce de seu aniversário. É claro que os meninos tentavam impor sua vontade sobre o menininho, mas a mãe sempre interferia e pedia algo mais a seu gosto, como uma torta de limão com gelatina. Essa receita não fazia muito sucesso entre os meninos, mas aquiesciam.

A mãe, Patrícia, preferia as receitas de doce menos doce, enquanto os meninos gostavam do doce mais doce. Ela gostava da torta Floresta Negra, feita com pêssegos em calda, biscoitos champanhe, e coberta com um creme de chocolate meio amargo. Em seu aniversário, todos comiam muito. Mesmo não sendo a receita número um da casa.

E de que doce gostava Alzira? Em seu aniversário, todos os anos, fazia um bolo de morango decorado com chantilly. Contudo, aparentava já estar cansada do açúcar, comendo muito pouco. Surpreendentemente, a doceira deleitava-se mesmo era com um delicioso empadão de camarão que fazia especialmente para a data todos os anos.