Hipólito (junho de 2019)

Um dia, uma luz estranha brilhou no céu. Era a passagem de um cometa, o Halley, mas ninguém lhe disse o que seria isso. Hipólito parecia idiota: por que jogar palavras fora com um idiota? Que se informasse na televisão! O rapaz não se informou na televisão, mas a aparição do cometa não passou despercebida para ele. O ano era 1986.

Foi até a praia, onde as luzes da cidade não atrapalham, e não atentou para a grande quantidade de pessoas olhando para o fenômeno com telescópios e binóculos. Estava tão movido pelo brilho incomum no céu que saiu tropeçando e pedindo desculpas para uma dezena de pessoas. Sem desconfiar de nada, voltou para o morro para ficar sozinho.

Talvez Hipólito fosse realmente um idiota. Ou talvez um poeta, um sonhador. Ficava por horas boquiaberto na laje de sua casa observando o acontecimento. E nada de pensar em corpo celeste, em cometa. Para ele, em definitivo, o brilho incomum que manchava de luz o céu era o presságio de algo que aconteceria com ele. Mas o quê?

Já não era nenhum menino. Fizera dezenove anos no ano anterior. Mas agia como tal: ia encontrar uma namorada, tal namorada que seria uma esposa para sua vida? Já pensava em casar-se. Ou o brilho no céu o convidava para encontrar um emprego? Ele não trabalhava e vivia da pensão de sua mãe. E para casar-se precisaria de trabalhar.

Pôs-se a escrever uma carta da janela de seu quarto. “Querida mulher, eu que tão pouco sei de sua existência, tão pouco, mas com tamanha importância sei de sua existência no céu que gostaria de conhece-la. Qual o seu nome? Eu vivo com minha mãe e calculo que você também.” E prosseguiu:

“O céu que você vê de sua janela, esse céu que é o meu também, parece existir unicamente para lembrar-me de sua existência. Faz anos que espero por ti, e nunca duvidei que pensasse em mim também, por isso escrevo agora essa carta. Mas por hoje é só porque minha mãe me chama para o jantar; então continuo amanhã.”

Sua mãe o interrompia chamando-o para comer. Se demorasse mais, a comida esfriaria. Havia, além do arroz com feijão, sobras do frango assado do dia anterior, angu, macarrão e salada. Hipólito sentou-se à mesa de jantar calado, pois estava inebriado em outras esferas de pensamento. Trazia a carta para a namorada inacabada em sua mente.

A mãe sabia o que era um cometa, todo mundo falava sobre isso na repartição pública onde trabalhava fazendo o cafezinho e a limpeza. Mas a essa hora da noite estava tão cansada que não pensou em comentar qualquer coisa com Hipólito. Uma pena, já que talvez pudesse iluminar aquela cabeça oca com a verdade cientifica.

Ela lhe perguntou como havia passado o dia, quis saber se havia procurado emprego no jornal, arguindo com vontade a Hipólito. A menção ao emprego não fez com que o rapaz descesse das nuvens: lembrá-lo do trabalho vinha ao encontro de uma busca por casamento. E a luz do céu o desafiava a trabalhar só para conseguir um casamento.

Ele procurou argumentar ajuizadamente com a mãe sobre a necessidade de fazer um curso profissionalizante, o que a agradou imensamente. Não mencionou que o propósito de trabalhar seria o de casar-se com a princesa que a mãe desconhecia, e que era desejo do céu acima de suas cabeças que sua felicidade no casamento se concretizasse.

O idiota – digo, Hipólito – preferiu não avisar a mãe que o céu acima chamava por sua atenção em todas as noites daquela semana desvelando sua predestinação – apontando as possibilidades concretas de casar-se com uma linda mulher. Sabia que sua mãe não o compreenderia, diria ser loucura sua, então previdentemente calou-se.

Na manhã seguinte, ensolarada, desceu a escadaria do morro até o asfalto para uma caminhada de deliberação com sua própria consciência. Aproveitaria para pensar sobre o que escrever à noite para a namorada. Pensaria em como combinar de encontrarem-se para conhecerem-se. Refletir sobre como proceder para fazer chegar sua carta à moça.

A tarde não chegou a cair e, faminto, Hipólito regressou rapidamente para casa escadaria acima em tempo de jantar com sua mãe. Ela demonstrou preocupação com o filho, sabendo que empreendia passeios pela cidade sem objetivo para ela aparente. Prometeu a si mesma orar para que ele encontrasse orientação na vida.

E aquela noite, antes de dormir, ele voltou a escrever a carta para a namorada. “Querida mulher, já não duvido mais de sua existência. O céu que vejo agora de minha janela confirma o meu destino. O nosso destino. Tenho certeza de que o momento de encontrar-nos vai se dar em breve e por isso aguardo por inspiração nas estrelas.”

Hipólito dormiu o sono de uma criança, acordando no dia seguinte na hora do almoço. Encontrou arroz, feijão, e alguma carne que a mãe lhe deixara no forno antes de sair para o trabalho. Um pouco mal-humorado sem saber o porquê, ele engoliu a comida sem sentir o gosto do que comia.

E então veio a noite trazendo uma surpresa: nada mais havia do brilho do cometa no céu. Sua inspiração celeste desaparecera. E agora, como é que o rapaz se deixaria guiar até chegar à sua princesa amada? Sua namorada? Seu espírito-guia desaparecera aquela noite. E não havia nada que Hipólito pudesse fazer para mudar isso.

Na noite seguinte, e na seguinte, se dependurou na laje da casa em busca da luminosidade mágica. Mas o céu já não tinha nada para dizer-lhe. Hipólito concluiu que havia leis para o céu que ele mesmo desconhecia. Se fosse menos ingênuo, pensaria em corpos celestes e cometas – e nem por isso deixaria de ser um belo romântico sonhador.

Sua mãe serviu o jantar normalmente. Havia arroz, feijão, salada de couve-flor e costelinhas de porco. Mas Hipólito não quis comer. Disse estar indisposto, talvez fosse o caso de comer mais tarde, antes de dormir. Sua mãe fez-lhe um prato de comida que comeu de madrugada. Antes de dormir procurou no jornal cursos profissionalizantes.