Biografia romanceada de uma senhora indiana (janeiro de 2019)

Sua governanta podia jurar tê-la visto subindo à noite as escadas sem, no entanto, encostar um único pé no chão. Alguns a tinham por santa, poucos por um embuste. Na grande cidade de Gênova, entre o mar e os alpes italianos, muitos sabiam de quem se tratava ela. Era uma celebridade e uma sumidade em meditação na cidade e no país.

Vinha de longe, longe. De mais longe que o vento quente que vinha da África: Shri Mataji Nirmala Devi havia percorrido as planícies indianas e de navio singrado os oceanos Índico e Atlântico para, em companhia de seu marido italiano (surpreendentemente não muito afeito aos mistérios do espírito), estabelecer-se na Itália.

E encontrou quem a quisesse, encontrou seguidores. Era gente que vinha também de longe, muitos das cercanias dos montes Urais, outros das incríveis gigantescas cidades norte-americanas, e não poucos do improvável Brasil. Os anos passaram e Shri Mataji presenciou sua reputação abrir portas de palácios e de casas não tão especiais assim.

Amava igualmente a todos. Nas palavras observadoras de seu marido, a esposa “ia com qualquer pessoa”. Amava qualquer pessoa sem restrições quanto a sua trajetória pessoal de vida. Amava também os animais e por isso tinha algo como duas dezenas de gatos. No mundo inteiro, Shri Mataji não tolerava mesmo era a mentira.

Abria os braços de forma humilde e generosa a todos que a procuravam. Recebia pessoas para meditar e desenvolver seus corpos espirituais: através da meditação, auxiliava no desenvolvimento da energia através dos chacras pessoais. Os mentirosos, como acertadamente pontuara ela para o marido, esses ficavam pelo caminho.

A quantidade de pessoas que batia à sua porta diariamente era muito grande. Mas a grande mansão onde Shri Mataji vivia era o abrigo sob medida para acolher a todos para a meditação. Meditavam e meditavam. Shri Mataji corria a mão através do corpo farto (era uma mulher obesa) apontando para os pontos por onde a energia se elevaria.

E aqueles que estavam lá para aprender com a mulher corpulenta seguiam seus movimentos acompanhando o movimento vertical da energia kundalini até a cabeça. Cantavam e cantavam mantras. Às vezes era possível surpreender-se com uma pequena lágrima que corria pelo rosto de Shri Mataji. Diziam os entendidos: era a pura piedade.

A idosa mística (tinha não menos que setenta e cinco anos quando a conheci) era a pura manifestação da bondade. Ali estava para compartilhar seu conhecimento acerca da arte milenar da meditação na Yoga, em uma elaboração parcialmente sua. Que os admiradores se rendessem à pureza da mãe Shri Mataji, assim convidava-os a todos.

Sim, a ela parecia não existir coisa mais natural no mundo que os interessados nas artes do espírito a chamassem de mãe e se voltassem a ela. Que pedissem por seu progresso espiritual àquela mãe que ali estava para que ela intercedesse por todos e lhes ensinasse a meditar. Ali mesmo sentada sobre uma almofada, junto à pequena multidão.

Mas, eis que a bondade da mãe era tão grande que ela distribuía para o mundo afora fotografias suas para que outras pessoas que ali não pudessem estar meditassem em frente à sua imagem e a uma vela acesa clamando por conhecimento. Não importava para meditar residir em lugares distantes e sem recursos para empreender uma viagem.

“O conhecimento de si mesmo é como o grão de feijão que, ao contato com o solo, desperta e cresce em busca do melhor caminho para a luz.” Ensinava Shri Mataji. Para isso ela instruía seus pupilos para a necessidade da meditação diária em frente à foto da mãe e do hábito de se reunirem sempre em grupo para fazê-lo.

Shri Mataji trabalhava diariamente com os seus. Por pressão do marido, folgava aos domingos “para reunir forças para a semana e para zelar pela saúde do marido”. Dizia ela quando perguntada. No seu único dia de pleno descanso da semana, procurava fazer uma dieta de palavras. Nesse dia, falava apenas o que fosse necessário.

Pode-se dizer que a espiritualista era uma pessoa especial desde o nascimento. Segundo um misticismo relativo à sua casta, próprio de seus pais e família, alguns sinais apontaram para o nascimento de uma princesa. Não tomaram literalmente a profecia, não seria um privilégio de sua casta, mas sabiam que se tornaria alguém muito especial.

De fato, quando muito jovem e por causa das atividades profissionais de sua família, conheceu e conviveu com Mahatma Gandhi em seus últimos anos de vida. O grande sábio e estadista visitava com frequência a casa de Shri Mataji, e o grande homem tinha sempre alguns docinhos no bolso para a querida Shri Mataji.

Gandhi e muitos de seus amigos ouviam atentamente as histórias que cercavam o nascimento da pequena Shri Mataji e acreditavam na profecia que narravam os pais. Por essa razão, nunca a recebia sem um largo sorriso amistoso seguido de maneiras próprias a castas superiores, distintivos de uma princesa.

O tempo passou e Gandhi foi assassinado. A jovem Shri Mataji foi instruída em particular, distante das outras crianças de sua idade. Aprendeu todas as artes do espírito a que seus pais, devido a alguma influência, puderam lhe introduzir. Aprendeu dentre elas a Kundalini Yoga, que por décadas desenvolveu para o ensino da sua Sahaja Yoga.

Mas lhe agradava as artes do intelecto que viam do ocidente, assim como a geometria. Estudou geometria com um professor grego que passara algum tempo na cidade de Nagpur, onde residira em sua infância. Sentia-se encantada com as explanações do mestre geômetra e prometera a si mesma um dia conhecer a Europa.

Também se rendia às histórias dos santos, que aprendera através de livros emprestados de uma freira macedônia de quem fora aluna por um ano. Prometera a si mesma tornar-se igual às santas europeias. E amou, amou, amou. Quis seu destino conquistar muitos dos seus desejos até sua morte, em 2011. Sua obra sobrevive até os dias de hoje.