Panapaná

No chão, uma formiga na poça de cuspe entre as pequenas pernas abertas.

Elas! Esmagadas?

Muitas vezes as águas possuem transparências e sentimento algum. A chuva dizimou inteiras colônias.

Mais perigoso que essas ruas doadas - cheias de calor pardacento - áspero e rugoso. A parede da sala estava sendo martelada. Acordou com a mente gritada, pá, pá... tá, tá, tá... tá, tá, tá... tá...

Era depois das oito.

O corcel de cor aça correu bestamente na planície ensolarada e livre.

A cidade afogava livremente centenas de casas paradas.

Depois do banho, pusilanimamente abriu o livro.

A porta angulou, estalou. Ela olhou vagamente a sua própria fadiga (as areias estavam quentes e os pés das crianças gemiam), os lábios visitaram duas palavras. A mesa ainda posta do café.

Naquela noite, as crianças desligadas na cama, ela viu o jornal.

Passou um avião pela janela. O carro parou.

Silêncios na pista. Sangue, asfalto.

O pai pelo viaduto ágil. A pista abaixo. A água descendo nativa o caminho, enquanto que - ela saía de casa – atentamente, olhando a bolsa e a filha. A brisa chocou os cabelos fazendo graça.

No hospital uma fila exagerava.

Deixando o subsolo estava uma praça e um palácio. Uma pequena multidão de manifestantes gritava. A chuva partiu. Observando os sons no teto de seu guarda-chuva, cortou a praça velozmente.

A jovem desceu em instantes brevíssimos todos aqueles andares.

Ia o sol. Uma imensa vontade devolvia à cama.

O sol se cedo, pouco aquecia o ânimo, apenas obrigava o ar a ter um colorido dourado. O vento frio despertava o duro humor do rosto. Na volta da escola - pelo caminho ensolarado - carregava ela, com amargura, a blusa de lã.

Banho numa pequena xícara de café.

O coração faz teatro.

A ponte viajava entre os lados livres. O turvo e o limpo, o generoso rio. Vilarejo adentro. Canoas e peixes pelo corpo. Margens ondulantes recobertas de pastagens e as árvores seguiam o curso formoso. Folhas canoas. Pedras, os peixes, marcha suave a correnteza acompanhada pela elegância de luz. Superfície, fundura. A ponte não e o anzol sim. A tarde. Alguém pesca. Alguém vai.

A geladeira aberta. A mão pegou o iogurte natural.

Esperança ainda havia de alcançá-la viva no passeio.

A música lenta consumia o ar parcelado e úmido dos vitrais entardecidos das nuvens. O dia consumia. E a noite - instaura ternuras - completa medida de coisas desconhecidas.

Caminhava nas ladeiras desideratos.

O inverno, repleto em pejo. Narizes gelados e secos. Profusão acesa e pedidos frios. Um grupo de ruas escurecidas, as coisas cantavam...

Ela o olhou e eles estavam com a cidade. Pessoas como o avô: cabeça e pele. Pequena embarcação. Igreja transparente. Arrumação furta-cor.

Os assíduos tomavam cachaça em pé.

Os pés daquela procissão. A água começou a cair e a subir a ladeira. O sino soou, camuflou o ar de ondas graves e banais.

Sentados. Sozinhos. Pintando o bruto monumento coberto de sol estendido sobre apartamentos adormecidos. A tinta branca na imensa parede. Do prédio ele via aquele pintor. Temia.

Na bacia central, uma constelação de lâmpadas frias e objetivas assimilavam o pastoso e intratável dia. Elétricos silêncios em cima das mesas geométricas. O chão de tez pálida reluzia reflexos. Ao trinado da campainha histérica a água desceu em abundância do teto. Os animais que pastavam no grande curral galoparam portas a fora. Tumultos de vidros quebrados. O fogo em todas as direções se alojava espaçosamente. As lâmpadas explodiram. A energia cessou. A luz do dia invadiu pelas janelas. Elevadores. Escadas. Crianças presas. Os livros mudos, paralisados.

Ele ia ter um encontro com ela realmente desagradável. O que viesse na cabeça saberia e ela estaria ali a sua frente fazendo questão de não vê-lo, se mostrando que não lhe via, mas ele se ouviria, a cada palavra, as que escolheria a dizer e as que escolheria como palavras a silenciar consigo.

Mas as palavras sequer consumadas ou não, falam dele para todos, ele as ouve dizerem inverdades que ele mesmo criou e agora, depois de criá-las tem de acreditar nelas e assim acreditar menos. Que sofrimento intempestivo soluça em lágrimas quando nele, mesmo, consegue, segue cego, ali dentro da garganta, ali perto do baço, sentado em suas próprias nádegas surram-no com propostas indecentes que o realiza - não realiza - realiza certas ambições, sozinhas.

Não podia acompanhá-las sempre.

Mas as palavras que se criam consentidas de suas pessoas galopam palmos pedregosos afilam umas as outras como as pessoas eles e elas e todos imiscuem nele, ele permite sábados e inúmeros sábados.

As segundas tentativas de reunião se porfiam com um pouco mais de organização. As palavras possuem pontos, elas respiram com desenvoltura, elas bebem com que desenvoltura, comem como os mais obesos à noite, elas fumam craque e se paralisam.

Doce instante ciciando os corações, natais e aniversários, os aniversários dos seus dias, de segunda a sexta, de escorpião a peixes. Ah! Seus animais prediletos! Cadê os corpos dos aniversários? Vestígio algum encontra senão. O rosto vário mesmo vale de testemunha, mas é falsa, juiz algum acredita. Volta aos quartos dos seus primeiros aniversários e não encontra nem as pilhas de fraldas, nem as sopas de beijos que de certo mãe. Falou tanto esta palavra e não conheceu sua mãe. Então volta ao quarto mais próximo, e assim mesmo o aniversário não está lá, nem cheiro e o mofo é duradouro. É.

As palavras estiveram lá em todos estes anos, lá - em cada quarto - com sua mãe, perante segredos emudecem, silenciam suas vozes para embaralhar ainda mais suas memórias fastidiosa, fustigada, ele implora, e adianta?

As palavras suas amigas, acredita nisso.

Fez uma série de natais, cada um mais belo do que o outro, ele só não se lembra. A memória é sua fraqueza predileta.

Quando vai morrer ele recorre antes a elas, assim constrói as historinhas que alegram e o preparam para dormir. Ele sabe que é verdade. Cada noite são histórias diferentes. É verdade que ele acredita e é verdade que não consegue fazer repetir nenhuma destas histórias, são cheias de atalhos. Sua memória é boa nisso.

Ao entrar na cozinha sua neta já movimentava a água da torneira. A água desalojava o sabão dos copos, a água deixava as mãos frias, corria para o chuveiro e encontrava o avô pelado, velho, feio, próximo.

Ele ainda pintava o bruto.

Colocou o suspensório no banheiro. O avô se sentou, esperou que a neta terminasse de colocar a mesa, esperou que se sentasse.

O bom dia ordena. Cozinhar. De volta, no ponto de ônibus acompanhada com orações cor-de-rosa. Ela vê um menino empurrando uma velha que racha no chão. A palavra saiu correndo.

Melhor ainda era quando perguntava alguma coisa as oito horas da manhã e ele podia tirar seus óculos, abaixar aquele imundo jornal e ver sua filha.

Ela aproximava da mesa do café e num ligeiro cafuné tocava a xícara.

O aglomerado de pedras no baixo daquele vale. Sentadas lá. Aquecidamente no sol. Calangos.

Imensas, sediosas e honestas pedras com seus inúmeros sentidos: arredondadas, pontiagudas, chatas, cinzas, negras.

O vidro veloz somava, a criança subtraía.

O abacaxi descascado sobre a mesa. As cascas cortadas e lavadas, de molho na água numa bacia em cima da pia. O caule verde oliva, tentáculo por tentáculo solto, como lâminas de serra, cada um deitado, um ao lado do outro colado numa cartolina cinza. A faca suja no parapeito, um pequeno vaso de planta, a janela continha ranhuras em seu esquadro. À frente, uma jabuticabeira.

O meio-dia perto.

Botou a frigideira na trempe, abriu a geladeira e tirou os bifes.

Um ovo em prato fundo, aquele tilintar dos dois garfos silenciou. Num outro prato dois bons punhados de farinha de mandioca. Mais um prato.

Mergulhou um a um no ovo, um a um na farinha, a virada; enfim o bife descansava. Até a contagem final, um punhado a mais de farinha. Terminada a tarefa, lavou as mãos na pia da cozinha. Virou uma piscina de óleo na frigideira. Fogo. Lavou o arroz, enquanto a água fervia, cozer o arroz e o óleo aquecia, cozer o feijão no alho, com a concha esmagar os bagos. Água no arroz e no feijão. O palito acendeu no óleo. A espumadeira por sobre a aba do fogão. Bife a bife na panela e não espirar gordura. O arroz começava a secar. A tampa no meio círculo da panela; fogo brando. A concha do feijão retorna na luta sob a água em cãibra fervente; o caldo engrossando. Tampou a panela do arroz, fogo brando no feijão. Virou os bifes na panela, desligou o arroz, mexeu o feijão, os bifes corados vieram secar no papel de pão. A última leva desceu para a piscina. Desligou o feijão e antes de tampá-lo, o prato de bifes por cima. Ajeitou os utensílios sujos na pia. Escolheu algo rápido para fazer. Lavou algumas louças, secou as mãos. Tirou os bifes da panela, desligou o fogão.

A vaca queria gritar. Aquele cão velho!

Ela escuta a vaca gritar.

A criança disse sua primeira palavra. O rei não sabia assobiar. Espalharam por todos os lugares, em todo o reino, que quem ensinasse o rei a assobiar teria a mão de sua filha em casamento. Em breve uma fila imensa de pessoas apareceram nas portas do palácio. O vizir escalonava por ordem de chegada o encontro dessa gente com a vossa majestade. Duas horas do dia eram reservadas para esse fim. Semanas imensas se passaram sem um único assobio. Da boca do rei só saíam palavras, gemidos, ordens, gritos, sussurros, onomatopéias, vitórias. No final de um mês o rei estava cansado, triste em seu aposento, quando, um servo muito distraído, passou em frente assobiando como fazia viciosamente enquanto trabalhava. O rei com grande estupefação berrou! Capturaram o infeliz empalidecido. No dia seguinte ele foi morto na forca. Daquele dia em diante assobiar no palácio se tornou digno temor. No dia seguinte, logo cedo, o rei legislou uma proibição com pena capital para quem assobiasse em qualquer parte do reino. Todos os dias era enforcada alguma pessoa: crianças foram enforcadas, mulheres grávidas, homens nobres, viajantes, cantores, artesãos, soldados. Houve então um dia, logo cedo, um rei suando frio. Suspirou vagarosamente antes de tentar assobiar como inúmeras vezes inutilmente ensinaram-lhe, mas foi em vão. Aquela criança era o rei.

Quando se apresentou novamente grávida em frente a ele, de certo não estava sabendo. Ela não havia pronunciado nada. Ontem ela não havia dito nada. Ela já estava grávida ontem. Ela não sabia que estava grávida. Ele não sabia que ela estava grávida, quando ela se postou na frente dele, seus seios não pareciam grávidos, sua barriga ainda não estava grávida e seus olhos estavam ali olhando para ele em pé de igualdade. A voz dela estava ali guardada na garganta, juntamente as cordas vocais, ela não tinha perdido a voz ainda, ontem ela tinha dito alguma coisa a respeito de alguma coisa que ele não sabia ouvir sem dizer com o olhar que a voz dela iria se calar, e a voz se calou. Ela estava a sua frente vestida, sutiã e calcinha, não sentia seu hálito, ela estava longe ao ponto de poder olhá-la como um espelho inteiro olha quem se veste, trazia nos ombros uma displicência trabalhada, conduzida, que tinha um aroma de quem voltou da rua satisfeita. Procurava ritmar o piscar violento e conseguia, ela conseguia estar e também em outro lugar, ele sabia existir e não conseguia enxergar, ela não estava escondendo nada, ela não sabia que estava grávida, e a grávida era ela, ela não tinha meias nos pés, seus olhos voláteis recebiam luz e reflexo, ele disse unicamente em seus próprios ouvidos, esta mulher perdeu a voz, perdeu tudo, está aqui na minha frente vestida e perdida e eu a vejo claramente amotinada em meus olhos e ela me vê, por certo ela me vê entre suas piscadas pretas, esses cílios, ontem eu encontrei um fio de cílio na comida, propositalmente na comida, fingindo ser outro tipo de cabelo, ela me enganou muitas vezes com este truque, sendo dois lugares ao mesmo tempo. Na cama eu encontro fios de seu cabelo, mas fio de cabelo cai, a voz emudeceu e ele respeitou que ela se calasse, mas continuava ainda a olhá-lo festivamente. Deixa eu ficar surdo, deixa eu ficar cego e não mais vê-la, ela abriu um sorriso cheio de dentes, a tez rosada poderia ser de quem está gravida, ela não sabia, ele menos sentado agora, de pé ficou, ela ainda sorria velozmente, seus dentes se soltavam da boca, e a boca se soltava dela na companhia dos olhos que não sossegava, um passo para janela e a janela estava aberta, ele andava, já não enxergava os pés dela, parou, a janela aberta parada ao lado dele, ela continuava a sorrir, os dentes haviam sido recuperados, a boca estava completa, ela apertou seus próprios lábios, quando ele pensou dizer todo seu silêncio, dizer a alegria que não sentia, ela sentia alegria e ele não. Sentiu a janela se mover, viu a janela se mover, e atrás dela a janela se pôs. Ela sentou-se na janela, a bunda as costa o sutiã e os olhos estavam sentados à janela. O cabelo não, estava solto por cima da janela, e as pernas dependuradas do parapeito da janela até quase ao chão. O calcanhar estava encostando na parede, a parede parecia solta naquele prédio. Parado ele ouviu dizer, ficou mudo e ouviu, em contigüidade ouviu a parede falar, o silêncio dela era atormentador, ela estava alegre ele não, ela estava grávida e ele não, ele não sabia de tal alegria. A janela estava tão confortável, ele voltou a ficar na mesma posição que antes, voltou a vê-la como só um espelho pode ver, ele olhou e refletiu, mas a boca se soltou novamente do rosto e o perturbou, ela viu a imensa cavidade vermelha sem dentes, ele viu a cavidade vermelha com dentes, instantes seguros se passaram rispidamente, ela reteve os dentes, ela sorriu os dentes, e o olhos estavam presentes, os aspectos gerais do corpo estão todos eles visíveis, ela não podia se ver sentado, sossegado, surdo. A luz fazedora de som penetrava...

As pedras atiradas na sinistra caatinga.

A xícara pode quebrar pensando. No cotidiano, a xícara vazia dentro do armário escuro. Sobre a mesa, ação. A xícara quebrada xícara. A xícara suja, prazer (verdade). A xícara tinha asa, ilusão; quebrada. À mesa surja. A xícara de café sem café. Quebrado. Na alegria, xícara branca azul ficção. Vazia. Limpa.

Colocou café-com-leite na xícara. O café está no leite. Quente está a xícara. A boca está na xícara. O dedo está na asa. A asa está voando avião. A moça está com pressa. O café está escuro. O café tem açúcar. O café tem menina. O leite foi fervido. O leite tem espuma. A espuma está no café. O pão está com manteiga. A manteiga não está na geladeira. A manteiga está mole. A manteiga espalha pelo pão. O pão está quentinho. O pão estava na padaria. A padaria está fechada. O pão estava no forno. A moça tirou o pão do forno. A faca tirou a manteiga da manteigueira. A faca passou manteiga no pão. O pão estava quente. O pão derreteu a manteiga. A boca mordeu o pão. O pão quebrou. A serra cortou um pão. O menino serrou o pão. O menino passou manteiga no pão. O pão está voando. A boca está se abrindo. A xícara está voando. A boca está se abrindo. O pão está entrando. A boca está se fechando. O café com leite está descendo. O cão está no chão. O cão está comendo migalhas no chão. A menina está no pão. A moça está com pressa. A moça está saindo. A xícara está vazia. O leite está no chão. O café está no chão. O café com leite está no chão. O cachorro está no chão. A língua está no chão. A moça está no chão. O pano está no chão. A menina está no pão. O menino está na xícara. A xícara está pousando. A moça está saindo. A xícara está no chão. A xícara está vazia. A xícara está com pressa. A asa está com pressa. A asa está no chão. A moça está saindo. O pano está saindo. O cão está sentado. A xícara está saindo. A moça está com pressa. A porta está saindo. A porta está entrando. A mesa está na mesa. Ela acordou no quarto. Saiu na mesa.

Ela bebeu mais café, passou manteiga no pão, pão esfriou, gostoso, a menina na sala, xícaras surjas, ela satisfeita, ninguém, na, ar. Pia cheia e xícaras. Cozinha. Ilhas de pão.

As cadeiras andando em volta da mesa. O desenho parado. Parada. Secando. Esfriando. A mesa pensando na sala e a sala alegre.

Suas amigas foram ao jogo. As fibras ilustram a porta do quarto. A ferida lavada no joelho do filho. Ela gosta do cachorro que está em casa. Ela ama sua filha.

Um macaco compareceu a sua frente. Pelo menos em caso de necessidade podia tocá-lo. Aquele animal solto, enfurecido, gemia, trançava suas mãos ao chão, dependurava no lustre, pulava na mesa, lambia-se, rolava no tapete, espalhava as laranjas no chão, espalhava as batatas na cozinha, jogava os tomates para cima. O piso se avermelhava. Podia tocá-lo, com suas mãos, com seus pés, podia vê-lo exibindo-se sem nenhum pejo, rasgando as cortinas, trepando nas janelas, roçando suas grandes unhas no sofá, seus dentes longos suportando seus dentes longos, podia vê-lo irascível, podia tocá-lo se necessitasse. Batia a porta enfurecido, abria a torneira da banheira se banhava rapidamente, saía pingando pela casa, pisando nos tomates, mordendo as batatas, cuspindo no chão, explodindo laranjas na paredes, uma de cada vez, esganiçava seus dentes longos para fora, saltitava, rolava, se lambrecava com os tomates, quebrava os ovos, colocava-os na boca, cuspia para fora, voltava à banheira, enchia ela d'água, jogava água nas paredes do banheiro, abria e derramava o vidro de xampu na banheira, batia os braços na água, fazia a espuma se levantar, a espuma parecia alegrá-lo. Se precisasse podia colocar suas mãos em seu corpo. Abria os armários de roupas, rasgava as roupas, possuía as roupas, jogava as roupas na banheira, atirava as roupas pela casa, ela podia vê-lo ali solto, cru. Comeu uma penca de bananas, mordeu algumas maçãs, cuspiu o mamão no chão, derrubou o leite no chão assoalhado dos quartos, pescou os peixes do aquário, jogou os pobrezinhos no tapete da sala, ofereceu ovo a eles, depois deixou os peixes ali cada qual morrendo, se debatendo alegremente, as folhagens da geladeira se esparramaram pela casa toda, apagava e acendia as luzes, acendia e apagava as luzes, num dos lustres se assustou, começou a quebrar as lâmpadas, voltava ao banheiro voltava molhado, usava displicentemente as toalhas para secar suas patas, deixava tudo no chão, algumas vezes deixava as coisas dependuradas na estante. Rolava novamente como bola, gemia, se banhava, deitava na rede, arranhava a rede, mordia o travesseiro, saía da sala, chegou a ligar a televisão sem intenção, ficou parado olhando, o barulho o irritou, jogou alguma coisa com força no tubo de imagem, o aparelho parou. Voltou a banheira, terminou de rasgar o restante das cortinas dos quartos, comeu mais uma penca de banana, jogou chaves para o alto, rolou mais um pouco pelo tapete, cuspiu algumas sementes de mamão, deixou a geladeira aberta. Ela podia vê-lo ali. Se quisesse podia movê-lo, distraí-lo com alguma brincadeira barata, fazê-lo comer mais um pouco, induzi-lo a subir na mangueira, a buscar algumas mangas para ela, ela adorava manga, ela podia prendê-lo no banheiro, sair de casa e trancá-lo, ela podia jogar alguma coisa nele, depois trancar no quarto, ela podia falar uma outra língua, colocar uma música alta, ela podia tomar banho, fechar a porta, ela podia escová-lo. O telefone tocou umas poucas vezes antes dele arrancá-lo da parede. Ele voltou do banheiro, dependurou no lustre do corredor, de quatro passou pela copa, sentou no tapete com os punhos no chão, as patas cruzadas em quatro, uma certa sonolência acentuou-se, recurvou o encurvado corpo, as frutas também massacradas no chão, ela podia acariciá-lo, ela estava vendo, ela via ele dormir, o ar ressonava pela mandíbula e pelas narinas, ela podia cobri-lo de injúrias, com o cobertor de sua cama, acordá-lo com um balde de água fria ou água quente, ela podia comer algo sossegadamente, ela podia sair sorrateiramente sem deixar pistas, ela podia chamar algum vizinho, sair e ligar para alguém, ela podia deitar ao lado dele, ficar perto do coração, ela podia fotografá-lo. Ene coisas ela podia fazer enquanto dormia. Acertar o relógio, fechar a geladeira, aliviar a casa de uma parcela do caos. Lavou a banheira, encontrou uma toalha limpa no armário. Comeu uma maçã enquanto se banhava. A noite em plena atividade; fria. Acendeu a lareira. Abriu uma garrafa de vinho. Um cigarro. Densas chamas amarelas, fortes chamas azuis, entre três paredes a chama crescia e decrescia, de vez em tempo um novo toco pra se queimar. Sentada no chão, enquanto penteava seus cabelos o animal acordou. Sem cometer nenhum gesto brusco, em sua espreguiçadeira, músculos tiniram ritmadamente. Ameaçou as chamas com um olhar, ainda deitado arfou longamente, buscou encontrá-la, encontrou, devolveu serenamente a cabeça ao chão, fechou sua visão por um momento maior que um momento, quando voltou abrir os olhos ela ainda continuava sentada, imóvel.

Ela e o filho faziam viagem.

E a ponte não era nada.

A manhã que ele sonhava de sua cama estava sendo concluída; o menino crescia. Ali, santa e obscura. Clara, e era dia a estrada. Chegava a parar.

O menino na cama recordava. O carro desligando seu motor e ela abrindo a porta, esticando as pernas, convidando-o para descer e para beber alguma coisa.

As vacas à beira da estrada.

E as pedras sentadas na planície clara. Paisagem plana, tão clara de dia e tão cheia de surpresas suas noites.

É a estrada.

A próxima ponte. A próxima curva. As montanhas - ali na frente - esperavam a estrada chegar de carro; percorrer de carro sua curva.

Nenhuma fala clara.

Perguntava para o tomate que se abaloava.

Fraquejava diante da rã.

Ouvia a paciência do boi e ela não lhe dizia nada.

A jabuticabeira de cara pintada de nego deixava nela indeléveis nódoas doces. O silêncio requeria o som do vento que inexistia; mas, assim mesmo, a manga vinha para o pé, rolava alegremente e ela não compreendia o leque de possibilidades.

Mais adiante; uma vaca (cujo rabo ondulante alçava) e dois besouros lúteos, os besouros ali e ali ventilados pela brisa. As laranjeiras de inúmeras qualidades afincadas na terra recoberta de folhas faziam sombras pretas; algumas delas amareladas de laranjas. As esverdeadas folhas das copas, ora outra então, queimadas de sol. Folhas verdes caídas.

Gafanhotos cricricricavam diluídos no mato.

Ela chegou mansamente perto daquela vaca, colheu os besouros para o jantar. Depois; senão descascou uma manga, esvaziou suas mãos na água fria.

Um riacho, muito amiúde, fabricava silêncio na linguagem de lhe dizer nada.

Seja uma vez.

De uma bela altura.

Quem o lançou não viu chegar onde chegou.

De onde se jogou; já se jogaram.

O objeto sem sentimento.

Talvez nem tanto sentimento assim exista.

As mãos - na última vez que tocaram - um pouco antes de arremessarem, no instante antes de se livrarem daquele; talvez olvidassem.

Pode ser que a mão quisesse lançá-lo novamente.

Sentimentos já se jogaram.

Se este que arremessou, lançasse todos os outros, e se chegassem onde chegassem - sem sentimentos - as mãos ocupadas com cada um; haveria de existir uma certa atenção.

A maneira simples de rodar uns dados, o jeito clássico de dar as cartas; talvez estas mãos, que lançaram-no, compreendessem a destreza de tais atividades.

Os pés poderiam.

Se pudessem ser feitas certas concessões. Arremessá-lo poderia então ser um acordo.

As mãos, inabilidosamente, lançaram propósitos. Talvez tenha sido revelado. O irrecuperável objeto.

O bichinho vivo. Desceu do teto presa. A dama encontrou o que interessava.

Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte, vinte um, vinte dois, vinte três, vinte quatro, vinte cinco, vinte seis, vinte sete, vinte oito, vinte nove, trinta, trinta um, trinta dois, trinta três, trinta quatro, trinta cinco, trinta seis, trinta sete, trinta e oito, trinta nove, quarenta, quarenta um, quarenta dois, quarenta três, quarenta quatro, quarenta cinco, quarenta seis, quarenta sete, quarenta oito, quarenta nove, cinqüenta, cinqüenta um, cinqüenta dois, cinqüenta três, cinqüenta quatro, cinqüenta cinco, cinqüenta seis, cinqüenta sete, cinqüenta oito, ela não parou, cinqüenta nove, sessenta, ele entrou sem permissão, e sessenta e três, sessenta quatro, ela já estava cansada, ele sorria, setenta, setenta um, setenta dois, setenta e três, ela firmou um rosto suado e contente, setenta e oito, setenta e nove, oitenta, ele estava em diálogo, oitenta e um e dois, ela se sentiu feliz, noventa e três, noventa e nove, cem, cento e um, e dois e a corda parou.

ela se atirou de lá de cima ela foi parar derramou sangue quebrou seus óculos estava vestida de banho tomado ela se atirou viva ela estava viva quando caiu ela ainda queria continuar viva ela continuou ela ficou inconsciente ela estava pensando se atirou pensante estava caindo quando gritou abriu a boca e caiu viva

ela estava viva e quando caiu ninguém estava lá

ninguém estava lá ninguém estava lá

ninguém estava deitado ninguém estava com ela ninguém deitou com ela ninguém tinha corpo ninguém tinha o corpo dela ninguém estava parado como ela ninguém estava de óculos ninguém estava de óculos e de olhos fechados ninguém estava em silêncio como ela ninguém respirava como ela os pulmões dela estavam cheio de ar ela caiu e ninguém sabia ninguém imaginava que ela cairia ninguém se atirou para cair ninguém estava com a boca aberta ninguém estava em silêncio quando se atirou da janela ninguém estava com a janela aberta ninguém estava prestando atenção na janela ela estava de meia ela estava caindo de meia ela não estava descalça ela não estava de calçado ela estava de meia ela estava deitada de meia ela estava colorida de meia ninguém estava colorido ninguém estava colorido o céu estava no céu ninguém estava deitada com ela ninguém estava colorindo o céu o céu estava cinza ela estava colorida ela estava de meia ela estava com meias limpas ela estava limpa ela tomou banho ela atirou-se de banho tomado ela estava sozinha ninguém era ela ela era colorida ela estava com roupa colorida ela estava com roupa de inverno ela estava molhada ninguém estava molhado o local estava seco ela tinha líquido ela tinha lábios ela estava deitada fechada com seus lábios ela estava em silêncio ninguém suportava o silêncio dela ninguém ouvia o silêncio dela ninguém auscultava o silêncio dela ninguém sonhava ali ninguém sonhava ali todo mundo se queixava para ela ninguém falava com ela ninguém falava interessante com ela ninguém deitava

ninguém estava no escuro como ela ninguém estava viva como ela ninguém falava como ela ninguém sabia o que ela sabia ninguém perguntou o que ela sabia ninguém dialogava com ela ninguém almoçava ninguém saboreava sua carne ninguém cortava sua pele ninguém sentia o que ela sentia ninguém viajava ninguém ficava silêncio ninguém conversava ninguém pediu ela em casamento ninguém pediu ajuda para ela ninguém atirou ela da janela

a beleza dela estava lá a beleza dela estava lá e todos viam ninguém estava preocupado com a beleza dela ninguém desejava ela ninguém queria o corpo dela como companhia ninguém queria tocar sua vagina ninguém queria conversar com ela ninguém falava com ela ninguém ficava em silêncio como ela ninguém fazia silêncio ninguém convidou ela para dançar ninguém beijou seus seios ela está sem sutiã ninguém reparou que ela estava sem sutiã ela estava sem calcinha ninguém reparou que ela está sem calcinha ninguém tocou-a no clitóris ninguém falou de como ela estava bonita ninguém estava deitado ninguém dormia ninguém sonhava ela estava silêncio ela queria fazer uma pergunta ninguém queria escutar ninguém estava colorido o lugar estava seco ela estava colorida ela estava falante ninguém prestava a menor atenção ela estava em silêncio querendo conversar ninguém perguntava nada a ela ninguém quis estuprá-la ninguém quis estar a onde ela estava ninguém quis deixar de deitá-la ninguém quis molestá-la ninguém foi vil com ela ninguém foi infame ninguém foi indecoroso ninguém votou nela ninguém deixou ela dirigir ninguém deixou ela comer ninguém deixou ela falar todo mundo falava o que queria todo mundo queria falar ela também

ela adorava perfume ela estava usando perfume ninguém reparou no perfume dela ninguém reparou na barriga dela ninguém reparou no filho dela ninguém reparou na anca dela ninguém bebia o que ela queria beber ninguém oferecia nada de beber para ela a boca dela estava seca o local está seco o céu cinza ela queria beber o céu cinza toda água do céu cinza ela queria água ela queria uns litros d'água aquele caminhão pipa que passava seria suficiente

ela estava querendo dizer alguma coisa ninguém fazia silêncio ninguém dava atenção ninguém levou uma fruta ela detestava deitar de brincos ela estava sem brincos ela nunca aparecia em público sem seus brincos ela estava sem brincos ninguém ouvia a atenção ninguém convidou ela para viajar ninguém convidou ela para almoçar ninguém fez jantar para ela ninguém convidou ela para ir ao cinema ninguém convidou ela para ir a um espetáculo ela estava em silêncio ela não queria todo aquele silêncio ela queria dividi-lo ninguém suportava o silêncio os trovões morreram ninguém ouviu os trovões olha como são bonitos ninguém escutou os relâmpagos azularam ninguém viu ela acenar ela foi sozinha ela foi em silêncio ela foi com sede ela estava silêncio ela estava querendo falar ela estava com sede ela estava sozinha ela estava desejando ela estava querendo levantar ela estava deitada ela estava de meia ela estava salgada ela estava linda lá estava seu filho ela estava deitada ela estava querendo se levantar ela estava fechada estava com sede ela queria dançar ela sorria ela queria sair ela queria outro lugar ela queria falar ela estava cansada de dizer e não ser ouvida ela estava em silêncio ninguém parava de falar ninguém respondia ela falou o que ela era ela queria ser ouvida ela queria dançar falando ela queria andar falando ela queria comer falando ela estava silêncio todo mundo falava intrujices todo mundo andava estava ela em silêncio estava ela presa estava ela fechada estava ela encarcerada ela disse sem ninguém escutar

ninguém deixava ela falar ninguém ficava em silêncio ninguém deixava de andar ninguém estava lá ninguém perguntava para ela ninguém sabia o que ela queria ninguém viu o vento ninguém ouviu ninguém ouviu o frio ninguém viu o frio ela estava lá estava silêncio estava sozinha estava lá estava lá estava lá ninguém tirou ela para dançar ninguém atirou nela ninguém ultrajou ela ninguém ninguém feriu seus sentimentos ninguém ouvia seus sentimentos ninguém saboreava seu corpo ninguém queria o calor dela ninguém oferecia sua cabeça para carícias ninguém falava o que lhe interessava ninguém perguntava sua opinião ninguém calava a voz ela estava em silêncio ela tinha voz ela queria falar ninguém queria ouvir ninguém queria ouvir o que ela dizia ninguém dialogava com ela todo mundo falava ao mesmo tempo com ela ela não era ouvida ela dizia dela ela dizia sozinha ela dizia ninguém ninguém escutava ninguém tocava suas nádegas ninguém lambia sua tez ninguém tangia seu lábios com sorvete

ela estava com sede ela estava sedenta ela bebia céu ela bebia nuvens ela bebia terra ela bebia rio ela bebia cerveja ela bebia cachaça ela bebia sangue ela bebia espera ela bebia ela ela estava só ela bebia sozinha ela bebia frio ela bebia cor ela bebia água ela bebia sede ela bebia muita sede ela bebia toda sede ela bebia em silêncio ela bebia palavras ela se embriagava de palavras ela escutava ela escutava água ela escutava as vozes ela bebia guaraná ela bebia xixi ela bebia música ela bebia cru ela bebia deitada ela queria sair bebendo

ela estava deitada ela estava silêncio ela estava presa ela estava fechada ela estava sozinha ela estava sem companhia ela estava filho ela estava mãe ela estava avó ela estava só ela estava filha ela estava amiga ela estava namorando ela estava casada ela estava irmã ela estava salgada ela estava inimiga ela estava honesta ela estava pensando ela estava brigando ela estava brava ela estava lendo ela está assistindo televisão ela estava querendo trepar ela estava cantando ela estava falando sozinha ela estava querendo ser ouvida ela estava querendo tirar a roupa ela estava querendo tomar o sol ela estava bebendo quentão ela estava ouvindo mentiras ela tinha voz ela tinha vontade ela falava ela não era ouvida ela tinha atenção ela tinha partido ela tinha desejo ela desejava ela dialogava ela queria andar ela queria passar ela queria nadar ela nadava sozinha ela bebia água salgada ela bebia areias ela bebia cor ela nadava no rio ela pescava cor ela estava deitada ela estava sonhando ela estava dormindo ela desenhava deitada ela estava sozinha ela estava silêncio

ela tinha ela ela tinha pensamento ela tinha pensamento dela ela tinha sede ela tinha roupa ela tinha nudez ela tinha retina ela tinha brilho ela tinha fome ela tinha natureza ela tinha pressa ela tinha velocidade ela tinha batata ela tinha barriga ela tinha braços ela tinha mãos ela tinha deitada ela tinha parada ela tinha presa ela tinha fechada ela tinha isso ela tinha aquilo ela tinha aquilo outro ela tinha aquilo e aquilo mais ela tinha muito mais ela tinha silêncio ela tinha versos ela tinha aspecto ela tinha isso tudo ela tinha tudo isso ela tinha isso ela não tinha o outro ela não tinha companhia ela não tinha saudade ela tinha isso ela tinha isso e aquilo ela tinha aquilo outro ela tinha isto ela tinha isto e aquilo ela tinha isto ela tinha isso aquilo aquilo outro isso e aquilo outro ela tinha somente isso tudo ela tinha isto ela tinha isso ela tinha ela ela tinha ninguém ela tinha isso ela tinha ela

ela era ela ela era ninguém ela ficava ela ela ficava ninguém ela ficava ela ela ficava parada ela era parada ela era fome ela era sozinha ela era sozinha de ninguém ela era cheia de ninguém ela era ela ela era isso mesmo ela era subtraída ela era quociente ela era ninguém ela era consciente ela era ela ela era nela ela era dela ela era bela ela era isso ela era nisso ela era ninguém ela era nisto ela era disso ela era ela ela era isso mesmo ela era isso mesmo e não outra coisa ela era ela

ela está adicionando ela está consciente ela está ninguém ela está isso ela está aquilo ela está fora ela está falando ela está ela ela está dita ela está feita ela está simples ela está ciente ela está dividida ela está sedenta ela está sozinha ela está ninguém ela está ninguém ela está presa ela está fechada ela está outra ela está ficando ela está ela fica ela vai ela sai ela está ela era ela é ela é sempre mais ela era mais ela era melhor ela menos que ninguém ela mais ela está ela ela está isso ela está ficando isso ela está ficando isto ela está ficando aquém ela está ficando alguém ela está ninguém ela está ela ela está pouco ela está ela ela estava ela ela ficando ela ela tinha ela ela está nela ela está agora ela está aqui ela está ela ela tem ela ela tem aqui ela tem ela ela está ninguém ela está sozinha ela está isso ela está isto ela tem isso ela tem isto tudo ela tem nisto tudo ela está ela ela era ela ela era isso ela era isso ela era ninguém ela está fora ela presa ela está dentro ela está agora ela está aqui ela está lá ela era esta ela era ela mesma ela era esta mesma ela está sendo ela está ela o que o leva milênio fazer

A dama perto do marco se deteve; flexionou o abdômen para baixo e para cima como se exercitasse. Ainda parada, a porta a sua frente se abre. Flexionava o abdômen. Suas pernas longas e finas. A porta é fechada. Oito. O corpo diminuto em relação a elas. O abdômen amarelado embaixo e em cima escurecido. Nele, existia minúsculos anelos. A porta se fecha. Ainda parada. Agora sem flexionar. Ergueu-se. Andou centímetros. Mais perto do marco. Flexionou novamente seu abdômen por várias vezes. Caminhou mais um pouco, a porta é aberta, se deteve, paralisou-se.

As crianças lavavam diversos patrões. Ao sair do hospital não pensava em outra coisa que não fosse um banho. Seguiu o fluxo. Ao parar o carro, o escuro acessava determinadas novidades.

Ele assistia.

A chave, a porta; intrometeu e angulou.

Quando ouviu, ela já estava na chuva; naquela água fria.

A noite ficava quadrada na música da vizinha. Entrou. Acendeu a trempe, retornou a assistir à noite.

Os cotovelos no parapeito. Quase. A alegria iniciava seus olhos negros. Gestos de garatujas das nuvens na presença daquela em que conheciam.

Algumas gotas fortuitas na pele dos ombros. Nas costas, senda. Reflexão marítima necessária, fazedora de memórias. Como pela manhã ao saírem. Vazia.

A cama deitou.

Ele pensou encontrar. A música calou. O telefone ameaçou um toque. Conduzia a luz sombras na sala. Antes de andar. Foi o vento.

O peito do pé fora da cama. A cabeça de lado. Aquele que esteve na cozinha não está. A lua ficava ausente. Ela se refazia. Na rua tinha...

Acontecia na cozinha da água ferver.

Interrogava a cama em suas mãos. O abdômen flexionava. Apegada à parede, próxima ao marco - ela ergueu-se descalça, com a cabeça procurou a porta - encontrou seu lugar. As crianças despertaram a campainha.

Elas estavam paradas e as crianças brincando. Nas cercas ou nos varais. Vira-latas, gatos, versos e telhados. Muitas cores no ar. Várias esperanças sentadas. Ela estava cansada. Começaram a bater, cada qual numa das extremidades. As amigas pulavam juntas. A velha no passeio sentada em sua cadeira. Homens bebendo passarinhos. Mulheres estendendo quintais. A manhã não fazia samba. Era hora do recreio. O jogo estava empatado quando a sirene tocou. O banheiro enlameado. Ele tinha seu coração. O sol ardia. Varria a moça o passeio. Ele falava alto no bar. Olhou a neta. Olhou a velha sentada na cadeira, fez o movimento sutil de cumprimentá-la. Batendo a corda saudou o avô dela. Um grupo de meninos jogavam papão no passeio de terra. Aquelas bolinhas tilintavam em teco dentro, outras meninas brincavam de elástico, um cavalo pastava num dos quintais à margem da rua, malditas nuvens voavam baixo. A velha ordenou a retirada das roupas. Aos poucos, pequenas janelas foram fechadas. O que secava livre foi sendo recolhido. As mães chamaram suas crianças. Trovões traquinaram atrás da grande serra. Ela arrepiou em sua cadeira. A rua bem depressa ficou sem muita gente. Em pé, o avô ouviu o trovão renovar sua ameaça. No passeio, viu a neta, viu o garoto, viu as meninas, a velha já havia entrado, as pequenas árvores balançavam, algumas roupas no chão, os animais domésticos já haviam escolhido seus lugares. A corda fechou.

As chuvas deslindando os telhados, os relâmpagos partiam e todas as crianças paradas; a manhã em tempestade; escura.

A neta gostava da velha, mas não entendia o bem de tantos gatos. Pavor? Muitas pessoas tinham! Vários deles já haviam sido mortos. A velha, todos os dias, fazia uma contagem. Morte natural, partos prematuros, epidemias, fugas, romances, doação, roubo. Variava.

Ela fechou a porta. O abdômen parado.

A água transparente na falta de sentimentos. O menino fez xixi. Sentia o vento sujar suas orelhas. Ainda vivo o gosto do refrigerante na boca. Continuava contando os urubus sem baterem asas. As paisagens subtraídas. O coração em silêncio manifesto, locomovendo-se pela superfície, com seu linguajar estranho, incompreensível, caudaloso, inútil.

Ali na frente; aquela atmosfera vaga. Descia o rosto à canoa. Os peixes em águas barrentas.

O carro passou adicionando rio. O que sumiu mudou o óbvio e os peixes de lugar.

No sol amarelo; uma clara presença das filhas.

Ela estava na piscina - e a água também azul - estava feliz; e as filhas aguardavam a sua vez. O joelho dobrou.

O avô deitou-se... esperou na cama dormir.

A mulher berrava, a criança ao lado. Assim mesmo morreu. Não deixou viva. Mais tarde jogou a mulher no rio.

A criança paralisada - arremessada da ponte - a parábola morria. O que encontrou ai, suas mãos; as mesmas mãos fizeram movimentos nos olhos e eles enxergaram ela deitada sobre o esquife.

Na esquina. Árvore. Marquise. Papelão.

Um broto de planta na varanda. Haviam roupas. Asas bateram depressa demais. A folha molhada saltou. No céu preto certas asas instantâneas.

A seca atingia a poeira. Tornara ainda mais leve, mais aromâtica. Deslizava o nariz seco pela lingua. O sol sem sombra, vale lá a poeira e os boizinhos magros descendo enjeitado de natureza retorcida; angula. O menino corre e alcança o arco de pneu, o arco de roda que desce rueleta e misereta danada de engraçadinha; gordinha a barriga ri na rodeira. Um leve muchicho, de esquina sozinha, butega. O ônibus sente a estação. Amiantos. Inferno. Pedala abaixo o corregozinho sujo, berreiro de poeira. O vermelho vem, o abóbora vem, a terra vem colada no machucado da menina de vestido rasgado, cavado o joio do jogo, o porco berra, berra. Soçobra o balde sujo de casa. A titiquinha poderia afogar no balde. Tilintintava. Vento. O berreiro abriu a porta e a fome. A boca sem lágrimas. A mão fica sem gesto, roda cabeça, voa cabeça, voa azul e o anum... Voa cabeça de passáro busca peixe no lugar da água do mar. A nuvem não engana pássaro, não chove e não vê ninguém.

Deixou batido no chão, de rosto molhado, ziguezagueando. Castigo e sol. O casebre bramia. O teatro sem carroço e não tinha nem peras. Graças à Deus caiu do piso estrelado. A criança adiantou o nariz e viu na estrada muitos corpos caírem do céu.

O prato da espelunca deu-lhe diarréia. Deitou a falar debaixo de muita reza para sarar da bebedeira. Deitou em cima do fígado. Deitou. Quando chegou a parar; existia dormir e a aflição. Não conheceu graça quando chegou no banheiro. Tripas. Morreu suado no quarto mesmo. Enterro fedido mesmo. Fedia mais doze horas quamdo foi encontrado pelo calor.

Perdeu sua mãe esticando alguma coisa. Alguma coisa na cozinha refez o cheiro deles. Em volta do fogão, em volta do fogão toda a casa de gente sentada esperando. O sol judiava de mansinho. A poeira doce. E quando foi luar...

O padre não conseguiu cumprimentá-lo. Sem sair correndo alguém trocou roupa naquele rejeito. Alguém viu nu. As pessoas bebiam.

Arregaçou pernas rio abaixo; foi embora pescar. Comeu cocada preta, tascô linha, silêncio, a observar, vôo. Sentado na ramagem curta saiu do lugar parado. Peixe fez e pássaro não. Sol; o quartinho da tarde; receoso vento, ventou. Refrescou a idéia com algum causo. Provou repetir. Isca viva. Jogou linha-afincou vara. A tarde mijou; e com os peixes anoiteceu. Carregou o brio até a cachaça vizinha de casa. Sem peixe. Cortou gozera grossa. Não perdeu a brahma. Conseguiu deitar a cachaça na garrafa. Ardeu e chegou. Escondeu o brio na imagem que fazia do peixe. No banheiro conheceu o choro, na mesa tascô farinha até secar. O estômago resecou. Sentou no banco sob o mesmo teto de outro seis. Sentou mais velho. Sentou rude. Conhecia seu marido. Conheceu. Cia seu silêncio. Amanhã é sol; e é só cachaça!

O cavalo sonorizava a rua e apenas a poeira escondia a cidade. A terra abóbora bailava. Poeira quente. O cavalo balançava o ar e movia o vento.

Maltratava: o calor e a tarde.

Chegou. Vendeu na farmácia a notícia da cachaça.

Quando escureceu e a cidade ficou soletradas por lâmpadas sujas, o vento o diabo plantou. As estrelas caíram de madrugada como de costume. Ouviram-se latidos e gritaria. Ouviu-se silêncio. Uma decência miserável habitava ali. Uma cor pastel miserável de poeira pintava aquela paisagem primitiva. O sol abafava o som das coisas. O calor silênciava. As últimas folhas de sereno a manhã mutilava. O sol reinava o raciocínio do lugar. A água solar encontrara humanidade. Vazia, não! Oca; mas não vazia. Sonoridade, dores, gritos, gemidos, desesperos, possuir sentimmentos pela secura, através da sujeira o minúsculo sorriso do amor. A água solar despertava. Os galos, os burros, as vacas, os besouros, os insetos e as manhãs abóboras. O sol dividia os segundos. O sol partia para o pino. Ultrapassava as fantasias de chuvas, ultrapassava as lâmpadas mágicas que se encontravam enterradas pela poeira móvel. As borboletas futéis morreriam em alguns dias. Uma tarde azul. O calor marrom virava vinho, bebia humanamente certas moléculas de misérias, ativas, esperanças morreriam ao anoitecer de uma lua.

Morreu a noite e a miséria. A manhã com o chão abóbora. Morreu estrelas. Planetas. Morreu as lâmpadas sujas. Morreu a cidade a noite. Morreu a noite a cachaça. Morreu o sol. Luas reflexões joelhos brejos. Água parda. Correu. Morreu tarde. Rosa morreu na janela. Escostada, olhando, depois foi ao sofá; morrer.

Morrer devagar e ninguém chegar. Morrer pacatamente. Morrer. Pra piorar as coisas; morrer gorda. Preta. Pobre. Só. Fedida.

Pra alívio, morrer de cachaça. Na luz do dia. Sem vergonha. Morrer vestida de vestido florido. Vestido velho. Vestido de preta velha. Morrer velha, sem ler, sem sair, sem filhos. Morrer. Depois, a miserável morreu. Enterrariam.

O sol enterrou seco os raios abóboras no caixão. Precisou enterrar pra depois anoitecer. Anoiteceu. Mansamente, o sol fingia não ir embora. O vermelho testemunhava o céu de noite sem vergonha. Covardemente anoiteceu. As estrelas, as lâmpadas maltratadas, a farmácia fechada, corajosamente o céu morreu cheio de estrelas caíndo azuis... amarelas...

A canja adormecia no fogão morno quando chegou do céu, entrou. Trocou a camisinha do lampião na presença da lua. Uma vela acesa. Sentou na presença deles.

A dor esmaece. Na presença do cabo; solidão. E a habilidade de só crispar o chão rente. Em corrente o sol ameaça. A enxada morre. Torta.

A garrafa acabou se aninhando no colo. Dormiu agarrado na sombra da vela.

De palha; caiu no chão o rosto; o chapéu rodou. A criança acariciou o chão (infelizmente as árvores fenecem humanas), olhar o rosto, dói a lua no chão. Dói a lua. E o sol no chão. Ainda que o rosto se conservasse; o chão era coisa bem diferente.

Ainda que não o mesmo efeito tivesse; trabalhava.

A cachaça ainda que trabalhasse alegraria.

Não pôs um dedo de cachaça boa na boca. De tarde quando foi pescar escureceu as vistas.

Maldosamente anoiteceu.

Matou o pequeno porco na frente mesmo da catatalzada. Berreiro de lá, berreiro dali. Eram três crianças assustadas berrando e um porco, pequeno, pelo tamanho, por serem três crianças, o porco berrou mais.

Depois; cantoria... torresmo, cachaça, jogo. Banha quente de torresmo em todo mundo. Mergulhou meia garrafa no chão, pulsou a garrafa quebrada, o fanfarrão afastou, escondeu disentido.

A cachaça acudiu cedinho.

Partiu. Na frente dos oios dele; com um punhado de filhos, partiu.

Quando ela e as crianças chegaram a pé já do outro lado do dia, mais noites assistidas e as outras crianças jazeram ensolaradas. Areias, pedras enterraram-nas.

O carro parou.

Colocada no ônibus, numa poltrona reclinada, aberta as janelas, sem roncar continuou estrelando uma paisagem lenta que a observava sem nenhuma sutileza; muito menos ainda lhe era gentil.

Derramaram o corpo dela em sua casa sem os três filhos.

Entrou na miséria; vestiu a roupa de pobre que ela guardou, tomou a enxada e a cachaça nas mãos. O suor no cabo da enxada escorria continuamente. Na falta de suor; cachaça. A plástica de chorar se encontrava nas mãos; pois o rosto; cujo caracter obsceno o movimenta, já era tão atrofiado; mesmo as ramagens instintivas sempre presentes em qualquer par de bobos olhos, inexprimia. O rosto possuía apenas um orifício.

O rio quando dormia; e vendo visto, que fora, na margem, havia incidência de solidão; assim; não deixava de fazer silêncio.

Quanto pôde. Calor, sem refresco; pura permanencia de luz.

Muito amargo chovia. As águas subiram as cachoeiras.

Quando eles atiraram, eles atiraram. As armas estavam à beira daquela estrada. As armas foram usadas. Enterradas as balas.

Os foguetes a noite. As pipas pela manhã. As velocidades das nuvens apagavam a chance de chover. Os barracos se agruparam — após o temporal — no chão. Muitas crianças andando descalças sozinhas famintas doentes na lama. A terra enxugava paulatinamente. Já estava seco a tarde toda. Assim mesmo o barraco desabou.

Sentiu dor por todo seu perímetro. Tentou; e o tanto pôde derramá-lo no chão. O barracão estava mais confortável deitado, enterrado, metralhado na lama junto com os outros, sem se dar conta que a esperança agonizava. Mas.

Quem encomendou o sol reiterou de pedido. A chuva lavou toda lama de madrugada. A miséria depois de se banhar se conservava ainda mais tônica. Os fracos ajudavam a nascer.

O rio contou e foi.

Enforcado o orifício.

Aonde está? Ao entrar pensou: derrubá-la. Vitoriosa. Goela abaixo.

Quando recebeu pelo patrão lavado; deixou a cerveja no lixo com certa letargia. Ao entrar em movimento, a criança com a lata d'água no chão contando as moedas uma a uma.

Jogou pela janela as garrafas. Surrado. Sangrando, conseguiu sair vivo.

A chuva fina cruelmente o perseguiu. Quando encontrou o desespero de estar roubado pelos pais sozinho armado descalço na rua de sujeira e pupilas vermelhas, com sinistra feição de dor. Continua em silêncio a noite e a chuva grossa da manhã não mostra sombras e dúvidas, o sol antes tentou, tentou, tentou encontrá-lo, só então; no meio tarde; trocaram bola no campinho.

Naquele quarto de favela morreu espancado.

Os jardins estavam deixando de estar floridos e passavam o outono precipitado. Ela via da janela. A colher volvia o açucar. Um sinal de alguém morto na esquina. A fotografia pintava a cabeça, e quem conhecia, conhecesse os aspectos do passado, reestabelece a exatidão duradoura.

Os homens destruíram aqueles quilometros de avenida. Depois; reconstruíram o passeio.

É feio não conhecer as vacas no curral. Quando deixava o nome abandonar sua mente e a língua esquivava de saliva, sabia, o bezerro entrou com o retrato em preto e branco na testa.

Não conseguiu mais reagir com nenhuma linha. Cessou de tecer. No marco da porta podia vê-la trocar de roupa. Parada flexionanndo o abdômen. A luz acendeu brevemente. Reagiu com o abdômen. Locou os ovos. O escuro carregou de longe o perigo.

As lâmpadas esqueceram de iluminar.

Ao trazê-la grávida aos braços; amanhecia, caídos, melâncolia. O rádio ligado devagar. Alguém subiu de volta pelo elavador. Alguém subiu da sala. Os borrões doirados.

Ele massacrou o sanduíche na rua. Amassou a porta do patrão.

Correram.

Os cães correram de toda a carne.

Quando estava caído. Deitou. O gato mijou tristemente no rosto. Acordou escorraçado debaixo da marquise. O policial levou ele para a cela. Estupraram.

Voltou a deixar o relógio cair; desta vez; a rua aproveitou. Passaram, passaram, de tantas vezes, tantos modos, destruíram todo seu mostroário. As horas não ficaram paradas. Correram sem os ponteiros pelas ladeiras que próximo encontraram. Quando conseguiu chegar até ele, preso, massacrado inescrupulosamente no asfalto. O sinal continuou aberto.

Eles viam os espetáculos do coração os abandonarem sozinhos, devorado pelo verde circundante.

A floresta ameaçava atacar.

O rio derrama.

Jogando rio fora! Amaldiçoados... amaldiçoados...

Alguém desce, encontra, desenvolve, através dos braços, das pernas, membros perenes e perecíveis. A floresta vem a caça da pele rosa. Escondido, caçado, amaldiçoado, amaldiçoante. O barco abafa nas costas dela. Fez ver a vela negra da lua. A voz verde de onças. O silêncio rosa. Ficar caído. Na cama dela. Caído. Ficar caído atrás da casa. Atrás do rio a floresta dominava. Atrás da casa diversos clãs de árvores. Os passarinhos verdes bem no alto nadavam; com suas botas azuis deslizavam. Os botões do rio eram abertos e fechados.

Aquela rosa chorava sozinha na floresta. Antes de ser devorada. O abdômen flexionou.

A parede está andando! Ela não soube se sentar. Esperou que se atrevesse ir até a janela. Pulando, ziguezagueando, até a janela era longe demais para ela esperá-lo, tinha que se sentar e desmaiar no colo dele. Ele já estava mais próximo da janela. As paredes sentaram atrás dele, o apoiaram erguendo, ali em pé, de frente a parede ela ameaçava sorrir.

As paredes não falariam. Refletiram sobre o sorriso dela, concordaram. Em pé estava, em pé continuou a sentar-se no rosto dela. Os dentes decidiram cortar. Depois de fechada a cena, as paredes decidiram deitar no quarto. Ela emitiu um novo sorriso, seus dentes desceram pelos lábios vermelhos, rumaram para a garganta, o riso riu. É; a boca sorriu e o rosto riu. O rio abriu o sorriso. A descarga interrompeu. O rio doce desce. Os tons rosas irão aparecer, no momento; o certo sol ilustra. O rio e o céu no chão. As lâmpadas não existiam. Amanhecia.

Incomunicáveis histórias. Pelo rio não seria contado nada, mas quem nada, escuta; em diversos lugares explendores sufocados. Atiçados rubores dolorem a pele, e conservam a característica que pelo rio estão conservados os lugares amedrontadores. Entre o rosa e o rio; uma vasta sedução. Infinitas fotografias literárias seriam necessárias para recolocar o rosa na maravilha do rio. Um corre paralisado. Retroativo de si mesmo. O outro nada; mantém o aparecer e o desaparecimento sempre muito vivos.

Depois de adoçar o café, descansou a colher sobre o pires. A janela voltou a ficar fechada. As paredes deitadas agora a pouco dormiam. Sonhavam com cores vivas. Os tons pastéis embalavam o esmaecimento. Abraçou os braços dela em vão; as mãos dormiam friamente e não escondiam a facilidade de permanecerem afastadas do corpo.

Qual a idade dele? Alguém perguntou saindo da sala.

Enquanto ali, botas brancas aqueciam os pés, umedeciam os pés, as frieiras tomaram conta; já não podia em público; e mesmo; em noites nupiciais; um desconforto grande emergia. As cinco horas lavava. Não se lembrava das frieiras, a bota lhe protegia, da água vermelha. As frieiras pioravam; pelo passeio toda tarde. A água vermelha que saía piorava ainda. Acontecia. Piorava ver o cego que passou, molhar o sapato de carne. O cachorro aprovou o novo perfume. Continuaram no emprego.

Qual o maior rio do mundo? O que está mais perto da casa. Aquele córrego que passa fedendo lá em casa! É o córrego do breu. Houve um dia, eu e Sebastião estávamos cuspindo da ponte. A prudência há muito tempo mandava a gente para casa. Olhei mais de hora. Atrás e mais a frente, eu não via o riacho começar nem via o riacho ter fim. Sebastião mimetizava. Um senhor na ponta da ribeira, vara e tarrafa na mão, tentava pescar inutilmente. Como tudo mais, inutilmente. A degradada ribeira almejava ramar-se. A ribeira de um côrrego, os cascos preto e branco. O mercúrio não trotou nessas bandas. Nos dias de frio rigoroso e exaustivo existiam as festas. A fogueira - era mantida durante todo o dia - consumia atenção. Em ocasiões como esta, sanfoná é santidade vinda de fora. A tristeza e a cachaça o lugar mesmo oferece. Mulheres e os partidos se escondiam já no inciar do ano. A prefeita bebia. Terminado o expediente a carroça deveria ainda ser levada. Podia ver de lado, solto, o menino entornava a água no balde. Debaixo da árvore eles descansaram na hora da merenda. O sol sofria descontos. Na ora do campinar o suor fazia companhia. Capaz de perceber que em certos dias a enxada na falta de dono adormecia. Em pé mesmo, encostada em qualquer vala, no apoio do pé, nas costas do caminho, atrelado como o suor.

Descendo do ombro esquálido, atravessa lendo todo tipo de escrita, dizendo ali e invertendo aqui as ordens, admoestando a si mesma com fogosas injúrias, simples calúnias ou denúncias ardilmente forjadas, em qualquer lampréia dessas, toda e qualquer escamoteação as enfrenta, de volta; recomeça; por amolar as esperanças por algum nome, daí por diante, a cachaça abre o papel e conta sua história. O suor acompanha. A enxada ri.

O tanque regorgitou feio na área de serviço. As paredes apuraram os responsáveis. Os cinzeiros falaram. Não muito tempo depois ninguém estava onde estava.

A enxada ri. Sol a sol mais várias outras intemperes. Não é isso; claro, o torto cabo acaba. A enxada não ri. A lâmina. Poeira, mundo. Largada de volta ao ser desfeito o negócio; campinar. A enxada ri. Diversa. Rejeita os adornos, as histórias jazeadas não lhe passam jamais ternura. A enxada ri. Ternura. Desperdício. Solidariedade. Instrui o ferro o jeito macio de rir. Fere a idéia de humanidade, sua brutalidade, assim mesmo ri, na necessidade aprendeu afagar. A enxada devolve os cortes e os crimes. O campo sorriu antes da chuva.

Os tijolos foram reunidos bem próximo da calçada. Dispostos como barra, um a um, subiam na rua automóveis. A construção saía do chão e no décimo andar já se tornava terrível a estrutura durar. O caminhão parou. Os outros pararam. A rua só tinha caminhão, um a um entrou na construção, e tudo aquilo encontrou lugar. Também saíram. Depois de horas. A construção existia no centro e provavelmente terminaria na periferia. Agora, enquanto a tarde hospitalizava suja e poluida, o barrulho ignorante do ferro vociferava.

Lentamente da margem; o resto do rio via na pura imensidão o desaguar.

O boato vinha firme. A epidemia instalada fortalecia. O número de pessoas encontrada morta sem um ou mais orgãos do corpo havia triplicado. As fotografias escureciam. Os jornais pioraram.

O tacho de cobre cheio de leite estava...

O pires não deixava o leite derramar.

Ele acompanhou a bicicleta até perdê-la. O cachorro na garupa do moço foram recebidos com certo entusiasmo.

Recolheu as pernas daquele táxi, podia magoar quem ela quisesse magoar; dobrou os joelhos, não deixou de reparar o carro partir. A calçada onde morava secava em várias tonalidades. O passeio de casa entrou. Escovou dente. Apagou a luz. Deitou na coberta mesmo. Tomou os calmantes. Dói domir. Bebeu mais um pouco. Dói ficar acordada; bebeu mais um pouco. Dói não sentir mais dor. Dormiu mais um pouco antes de beber a primeira do dia. Quando acordou ao lado dela, ela viu que ainda era ela este alguém ao lado, soube então que estava sem cabeça. Antes da cabeça beber o corpo foi tomar banho. Havia um corredor que levava ao banheiro. A cozinha aparentava lavanderia. A sala interditada de latinhas impediram-na de chegar. Caída a cabeça doía juntamente as irmanzinhas amassadas. As mãos mexiam nos vasos secos. Os pés voltaram para a cama, o fígado tomava banho de água morna no chuveiro enquanto que a xoxota fazia o xixi rir. A bunda se sentou e ficou coitando na televisão. O resto flutuava pelos cantos ora com um ora com uma outra. Os pulmões não saíram da janela, a pele foi para geladeira, os olhos enxergavam com inveja aquela revolução. As canelas ficaram com os pés, as coxas com as bandas e buracos, tronco e pescoço, cada mão com cada braço, a cabeça com tudo, e os pés perceberam a leveza da vida. Junto com as latinhas, ainda respigando algum bafo de algo, é terroso não ter as mãos para virar aquele uísque na boca. De boca aberta o rosto dela coberto com os lindos cabelos não podia mover as latinhas. O cerébro ainda tentava criar os pseudópodos. Sem compreender sua estreiteza com o corpo sofria adaptações graves. As mãos tinham os hábitos nas memórias, espontaneamente se dirigiam. Nos primeiros dias trabalharam firmemente para colocar tudo no lugar. Conseguiram. Enquanto tentavam elas conversarem com o cerébro sobre as reinvindicações corporais correlatas na reunião de ontem, souberam que os pés não aceitaram mais serem tratados como antigamente, disse, o esquerdo agora a pouco, éramos tratados como escravos. Não houve considerações maiores. A esta altura, a habilidade cerebral já havia adaptado a viver a estas novas condições. O rosto percebeu como poderia ser tão dispensável o corpo, é verdade que só fumava na liberade do pulmão, e este se dispunha, dizia que era divertido ter que trabalhar na companhia do prazer. O fígado seguiu na sirose. Regenerou uma vez. Encontraram-no latejante na banheira, socorreram as pressas. Da segunda vez; sem perdão. Os urubus agradeceram. Eles também. O fedô ficou insuportável. A covardia de todos também.

Houve dias que tomou calmante e bebeu, mas não sentiu nada semelhante com o que antigamente sentia. Saudade e soberania se misturaram, se diluíram.

Existiu dias que tomou calmante e bebeu, não sentiu nada semelhante com o que antigamente sentia. Saudade e soberania se misturaram, se diluíram em nostalgia. O movimento não existia mais. Andar tonta; a memória lhe atingia.

Quando se encontraram todos no banheiro, com ajuda do celular, receberam bem o fígado, o cerébro ia saindo do banheiro quando ela saíndo do banheiro tropeçou, e antes de cair, sua esquerda solidária se mostrou generosa.

Nas noites de tempestades sambava em proteção. O vento seduzia; o casarão; quase sempre escutava; sem desmonstrar festividade.

Raízes alegres dançavam no triste pátio de cimento

Todos os anos, quando a abundância torna-se cortante, os frutos se perdem pelo chão.

As jabuticabas entram pela casa.

Centenas de jabuticabas e quilômetros de areia.

A telha e a textura do galho; o verde; o branco; a frescura azul do casarão com o pé-direito alto; assim mesmo; não umedecia os olhos com sombras e reflexos. Nem os relâmpagos do sol espontaneamente perfuram a sua copa; talvez os relâmpagos queiram alcançar as raízes exaltadas e se acomodar ali; fixamente; na tranqüilidade úmida.

As primeiras horas de noite; foi natural silêncio.

As jabuticabas saem de casa. Ela corre a procura. Encontra pelo pátio molhado a dor de cabeça andando, procurando doer o menos possível, fazendo aquele barrulho do forfulhar de folhas de eucaliptos que se quebram somente em som. Sozinho; o estalido vigiava.

A jabucatibeira encontrou andando pela chuva tonta (ela e o vento); a cabeça doía, ela sorria; e a tarde recolhendo as jabuticabas do quintal.

Ninguém viu as lâmpadas acesas..

Atrás daquele armário se esconderam ratos. Os livros. Sobre: o aspirador. Entre a parede e o armário- — uma fresta. Atrás daquele armário existia. Aqueles livros. Aquele armário. Viveu na fresta. Viveu na fresta até retirarem o armário. Saiu. Nunca puderam se encontrar, dentro do armário, as confissões de silêncio. O mofo; não se noticiou. As cobertas deitadas. Os silêncios. Os ratos abandonados foram embora. Depois daquela fresta deixada. Atrás do armário. Atrás daquelas portas. Quebrados. Todos os olhos estão quebrados. Os óculos. Estão pisados os vidros. Alguém esqueceu de trazer areia de casa. Atrás daquele caminhão de areia, muitas praias. A tarde atrasou. Escureceu sem entardecer. As nuvens não cooperaram. O sol foi esperto. Sem que ninguém soubesse; engoliu os continentes.

Alguém ameaçou cuspir do ônibus; e o fez. O trem partia; o mar é par. O barco partia dentro para o mar. Os dois iam. Uma moto, um carro, dois ônibus iam. Todos de trem. Os porcos iam. Iam. O mar não viaja de trem.

Mesmo ao sol o corpo doía de febre.

Trilhos dourados. O ferro terminou.

O sol; febril; aquecia; o mar; onde ficava; as curvas contornando os lugares.

Viajando de trem. As luas pálidas reluziam nos porcos. As noites de insônias (os cavalos se ajeitando). As reses se agitavam quando o trem partia e chegava.

Ele mais chegava que partia.

Sim; partia.

As estações do ano se aglomeravam nos vagões. As rosas se ajuntavam, junto com os peixes, os cachorros, os patos, os perdizes, as galinhas, os gatos, os coelhos, as ovelhas, as cabras.

Os gatos, únicos felinos, não viajavam de trem, nem gostavam de ir de avião a parte alguma.

Desceram todos angustiados.

Os vagões ficaram vazios. Desertos.

As pedras não deixaram em paz.

Existia uma piscina; e os caixões; e as imagens de morte. Passsageiros e pensamentos descalços pelas avenidas.

Os desejos como frutas penduradas em árvores.

Quaisquer que sejam as mortes, os crimes, as gulas, os desejos caídos pelas janelas que se abrem.

Morrendo a luminosidade, mansinho, mansinho, esquenta e vai embora; deixando na retina a estesia; quase táctil, de uma pessoa que se encosta na outra e busca pela pele um curso.

Os seios nadavam. As bandas. Era melhor ver do que querer rir. Esqueceram aquela água, aquela água toda foi esquecida na piscina, aquele azul todo, o azul do céu. Na piscina, a esta luz azul, muitas águas amarelas, as cores brancas, as pernas embaraçadas e nuas desenvolvem as camas amarelas.

A louça estava secando. O mármore rosado deitado, ao lado, os navios, o ancouradouro. Quando levantou do pier e para dentro do azul; ouviu dizeres dentro; as borbolhas, talvez, desafiando o recipiente que a circunda, elevava-se pelos olhos que enxergam, os braços que se movimentam em articulações risíveis podem rir. Os dentes não podem se molhar.

A floresta cercava a piscina. O verde fechava o azul. E não deixar sair do lugar. Os pássaros sacrificaram os peixes. O verde; engolido; o azul. O mar despeço que conheceu do outro lado, e o verde fixo. Ensolarava a febre repleta de amarelos do sol que não via.

Ficaram presas. Todas as borbolhas suspiraram. Elevou a mão acima da água, enxergou a piscina azulada. Avistou as florestas verdes. Engoliu. Escondeu molhada o suor, poucas lágrimas deixaram a piscina. As lágrimas que com o corpo navegara deitaram sobre a toalha.

Esconderam todas as florestas no mapa, e ele apontava com toda ternura. O rio descia pelos dedos no colorido e retilíneo mapa.

Saíram. As jaulas saíram. Sem deixar marcas. Sem pedir. Ninguém ouviu a diferença de saírem. Pra passear, existirem ali. As jaulas sozinhas, espetáculo do vazio. Os fogos do nada. O medo caudaloso de encontrar alguém capaz de reabitá-la; crescia. Cruzando novidades e enseadas se deixaram levar à distantes lugares. Encontraram as jaulas abertas, profundamente abertas, assistidas. Umas com as outras. As outras. As jaulas saíram e passearam encontrando abertas as saídas. Partiram. Depois da saída; abandonaram. As jaulas se fecharam. Guardado os risos, semeado o hábito, guardaram o hábito de conter os fogos do nada. O espetáculo abriu cortinas. O visto inexistia. Cegueira inexistente. O espetáculo acontecia. As jaulas fechadas aconteciam hoje amanhã ontens. Os efeitos de memória decantavam; dentro da jaula fechada o início. O começo acabado. O fim sem adesividade acontecia. Solto; soltas, as jaulas fechadas perseguiam; dispensavam a imensidão no derredor; perseguiam o trajeto inexistente de coisas quase inexistíveis. Perseguiam o desencontro de sempre encontrar o que não, o que não, o que não, o que não, o que não...

A rua molhada alcançava as pernas. Alizava os tornozelos com minúsculas gotas respingantes. Os pés não sentiam, mas as meias molestadas pensavam em chegar num ambiente mais acolhedor.

O carro lhe atravessou educadamente na poça d’água. Corrompido o dia cinzento, e ela pode, finalmente, esbravejar a feiúra que ficou. Infeliz, a poça de petróleo maculou a roupa. Já era tarde, precisou da casa. A infelicidade foi se lavar. Antes de trabalhar, trocou o sorriso.

Antes do bem que é realizar a exposição dos dentes pensou levemente nele — quase um não pensar — e o sentimento coloriu a figura.

Os olhos aderiram a um determinado tipo de concentração focal, de ver aquilo que não é visto somente. Guardou o espelho para depois pentear-se. Recolheu as meias secas. Converteu as lembranças em sobras. Seguiu depositando na chuva o teatro fazedor de corações, correu para trabalhar.

Cansados, não era pela escravidão. Os homens serviam cimento para seres e entes. Havia certos momentos que ainda se acrescia a humilhação o corpo rígido e ríspido do ferro. A lata cuja a alça inexistia encontra nos bons calos certa proteção. A sujeira do corpo, a fadiga cerebral explícita, as ternuras vistas do alto, os gritos, os horrores da vida de lá de cima nem incetava poder cair. O pior, piora. Maltrata, ainda mais, maltrata. A enxada que embora não seja ali solidão, podia mostrar que na mistura do cimento com areia e água, escondia a brutalidade e enviava as brutalidades para dentro, para o meio, para as areias, o cimento ainda morto antes da água, acordava, se movimentava ora afastando-se do asfalto, ora aproximando daqueles rostos. Essas mãos múltiplas, sabiam que o sólido com sua amorosidade causavam nas colunas torturas indivisíveis. Os dedos de tantas mãos aprimoravam a escravidão, soerguiam a escravidão até lá em cima, esta companhia comum avistava os horrores das pernas, dos carros, os transeuntes eram espetáculos do teatro. Aplaudir não aplaudia. Chamar, nada adiantaria. Horrores. O que poderia emitir é violento. Aquilo que não emite luz não é visível. Aqueles ou aquilo ou isso, naquilo tudo, quem não recebe nenhuma luz não dispõe do ver. A cegueira cresce. Todos os andares cegos. O cimento cego. Os tijolos que ao nascerem enxergam proteger, agora, acimentados, cobertos, fixados, agora os tijolos perderam as melhores memórias, a porosidade do tijolo se aniquilava, a transpiração que já se deslocava para o campo do impossível, gemia em silêncio sem saber. Débeis, débeis transeuntes, ruas débeis, cheias de luz emitidas e recebidas, e assim, cegas, cegos. A luz enxerga a cegueira mas não enxerga enxergar. Recebe a si mesmo, recebe e corre, corre pela luz a cegueira. A luz apenas se contenta em luminar um interminável percurso. Os alienígenas se fixam na terra e todos os contatos acontecem por erro e por falta muita de piedade. O vento conhece diversas razões para se movimentar, mas no cosmos emborcado de luz cegas, existem cães que se acomodam em cometas que ao transitarem pelos milênios sôfregos, sabem que as eternidades usam um conjunto de fórmulas que umedecidas em, em sua calda conseguem dialogar. O diálogo é cego, porém conserva certa doçura. Não é açucar, não é compreensão, nem estão as eternidades preocupadas em acarinhar, elas são as mais terríveis gentilezas deste mundo. Aquele estado formal de educação, onde o certo segue o curso, elas não desprezam todas as coisas erradas. Os cães ladram ao encontrá-las, uivam em busca de seus antepassados, tais sons, amolecem a cauda do cometa que então deixa cair um adocicado aroma untante. As eternidades tornam-se mais ligeiras. As eternidades ao contrário das luzes viajam em linha reta. Os cometas são livres, não tem órbitas fixas. As eternidades sentem ameaçadas por eles, em primeira e última instância porque estes cometas vão a lugares que elas não podem ir, elas podem ir, mas há certos cantos no universo. Os cometas e os cães estão nas curvas do cosmos, as retas não conseguem passar.

A chuva reteve naquele dia o crescimento do último andar. Recolheram todos aos andares inferiores. Retiraram as armas da chuva, no teatro das ruas os guarda-chuvas acessoravam os transeuntes a se isolarem das belezas dos céus cinzas. Tonalizados de preto ardente, dissipados pela luz cega. A padaria acerca do edifício se nutria do cinza para fabricar pães. Pelo final da tarde servia o derradeiro saco de cimento. Lá de cima, lá em cima, onde o etéreo se suporta, assinalava com a chuva a surpresa mais sutil, os quarda-chuvas não se movimentam nem com uniformidade, muito menos a delicadeza era percebida, lá de cima perceberam que os guarda-chuvas não eram levados pelos transeuntes, mas levitavam desengonçadamente pelas calçadas lavradas. Descoberta a sutileza, os homens não existem realmente em dias de chuvas, e o guardas podem finalmente produzir com alegoria movimentos inconstantes que em certo sentido, podem; podem pelo menos causar; uma reflexão duradoura. Os dias cinzas contém ferro, são duros, não aceitam admoestações, relampejam quando querem e mazelosamente não acabam nunca. Imprescindíveis leituras. A gramática da chuva não conhece regras e somente belas excessões, susbtituindo o hábito pelo acaso, trocam a coragem pela mundanice. No entanto, as flores bem como as folhas latifoliadas, precisam murchar antes de morrer. Elas morrem observando em silêncio aquilo que as silenciaram. O espetáculo cumula perfis muitas vezes exejados como tristezas, pois na aparência existe uma certa dose de resignação que se desenvolve no ambiente em que as cerca, uma bondade quase beirando a morbidade da piedade.

A ternura é terna, não somente terna, a ternura machuca, fragiliza porque é frágil, corrompe porque sempre é necessária, desespera porque na maior partes da vezes ela não aparece, e quando aparece depois de conflitos, a dor é maior, pois o conforto e a paz são passageiras novidades, custam caro e compromentem o rendimento máximo de todas as dores. A ternura pode se tornar perene, na maioria das vezes é simplesmente perecível. Aqueles que conservam a ternura não são exatamente ternos, a ternura não é particularmente possuída, aqueles que apenas sentem ternuras não são de maneira alguma ternos, escondem o rancor mais forte em momentos desprezivelmente ternos. Os que possuem ação de ternura; estes matam a dor; consomem o que não pode ser abrandado; iludem... a esperança é a última que morre; mas morre. A ternura não é virtude, ou qualidade, a ternura habitua-se ao que acontece, a ternura observa em silêncio as ignomínias do mundo. A ternura não é real, pura acomodação dos olhos cegos, da boca amarga, do nariz seco, para acomodação da cegueira é necessário enxergar, para o paladar amargo não existe asseio, uma conformidade amarga é sincera e necessária para o ser adquirir convicção, para o nariz seco, os soros são nulos, a umidade não produz ternura, o nariz percebe os maus cheiros e os mantém na memória, se existir uma fagulha de repulsa a ternura dissipou-se. O que é terno existe em qualquer mundo, mas a ternura na qualidade do terno só pode existir se acompanhar os lugares, as coisas, os tiros, as dores e todas as mortes que empreendem no cosmos a necessidade do fim. Assim mesmo, a fragilidade que a constitui conserva a fresta precisa para que ela seja enganada. Enganando a ternura, a qualidade do terno eleva-se, utilizando a ternura para outros fins, conhece-se o terno em sua máxima extensão, o mundo agradece a violência o conforto terno de violentar e de ser violentado.

O terreno abrupto declinava e a várzea iniciava-se. Primeiramente aparecia rala, depois reforçada pelo charco o verde escurecia. Pela planície solitária a plantação de arroz. Os brotos vivos incidiam perfurando a água singelamente recostada, espelhando.

Os dois saíram juntos.

O azul desapareceu. O vermelho desapareceu.

Somente vontade. Tudo paralisado. Tão paralisado. O choro. O frio. Mesmo sabendo que o que era não é, a impressão no paladar, os músculos imóveis, aquele silêncio lógico, a teoria paralisante do ver, corresponde, correspondente, tudo sentia, paralisadas; as inúmeras vontades estavam assentadas nas mãos. Remodelou o rosto sem tocar no cabelo.

Colocaram as melhores intenções na mesa, uma bandeja repleta de verde e silêncio, frutas seccionadas precisamente, copos limpos, um cordão de amigos e amigas se assentavam alegremente. O dia sem poupar providências derramava uma melâncolia cinza. Alguém retardou o riso, quando a chuva começou a cair os pratos amontoavam-se com diversas novidades na cozinha. Alteradas, todas as tardes de pessoas refastelaram pela varanda. Os cômodos descansando, falando, sorrindo, as terras arredondadas se movimentavam pelo interior de cada um. A música ficou sendo o silêncio alegre e satisfeito, os corpos, os amigos atirados um aos outros, o amor atirado na frente dos corpos, os corpos vestidos e enudados, a chuva embaralhava os lábios vermellhos, os cabelos, as bolsas espalhadas longe do chão, o lazer conservava o que morria alegremente.

Não parou de chover, os espetáculos de chuva, de almoço, a comida que desce e bebe palavras de amigos, as cartas de mãos se tocaram diversas vezes pelos cantos, pelas paredes surdas os prósperos diálogos e a descarga não parava, aquelas salas, aqueles palácios, os banquetes, as novidades do cinza poderiam dizer alguns segredos das cores. As cores iam se acabando com a tarde, aos poucos, o que lentamente dormiu, os sons que indo embora desepediam, acalmava, a noite acalmava.

A noite acordava as pessoas. A noite convidava as pessoas. As noites acabaram em outras noites, as noites sumiram. As noites dormiram. As noites foram se deitar com velas acesas.

As noites sumiram por debaixo dos viadutos, nos túneis sumiram. As noites convidavam, convidavam as chuvas. As chuvas anoiteceram, o cinza anoiteceu, os moradores anoiteceram, as pessoas anoiteceram, colocaram no coração um conjunto de regras e muitas segundas-feiras foram acontecidas de noite, sem alguém conhecer as razões, as doenças da noite. Está chegando a hora. Alguém está prestes. Alguém mesmo que esteja feliz, sem saber ou sabendo que não tá legal, que não dá e que vai, depois deste cinza morto, depois desta tarde morta, depois de comer e beber em alegria e noite, todas as tardes foram embora, e a noite que se acaba e acaba com tons e as infinidades de cinza, acaba em alguém, as noites acabam e ficam com uma pessoa.

Uma pessoa encontra em uma noite, depois da noite convidar para sair, para despedir, para começar a trabalhar e a despedir, sem piorar o começo com lágrimas cinzas, sem a chuva piorar o trâfego, sem ninguém reclamar, as noites desceram ferozmente pelos carros da tarde, as nuvens que vieram a ficar cegas e anoiteceram ainda que não amanheceriam, anoiteceram e acompanharam as pessoas amigas a ficarem com a noite, importando, importando os riscos do cinza, do chumbo, acolhendo a noite em alguém, esse alguém viu a noite despedir e voltar a despedir, voltar a fazer da noite um lugar de estrelas e de luas amarelas, a noite como lugar de contar histórias de ler poesia; das poesias verdes, as peçonhetas, ouvir as noites contarem que entre as estrelas, que entre as distâncias que as cercam há uma distância ainda maior que encontradas as forças, as viagens de encontro são encontradas, e outras tempestades elétricas. No cosmos onde acontece os milhões de acontecimentos. As noites aconteceram e levaram as pessoas a pensarem. Desapareceram; todas àquelas pessoas desapareceram, as noites todas desapareceram.

A calma acompanhava com ternura o que ia se acabar. A calma olhava sem dor o desaparecer. A calma não deixava de encontrar no desaparecimento o que encontrava. Excesso de noites mortas, estrelas ainda que algumas, fabricam luz. Aonde acontecia a noite, mesmo se o sol acontecia, as noites gritavam pelas estrelas perdidas, toda a luz caminhava, vastidão, uma imesidão e as noites temerosas de viajarem, as noite quedavam de mansinho e esperavam passar os tempos difíceis, embora todas as eras não deixaram sinal de agonia pouca. O cosmos acumula até cessar de acumular. Alguém encontra. Esquece de contar quantas noites foram, quantas noites vieram lhe visitar, as primeiras que anoitecidas de mansinho causavam motivos para choros, escalas de noites vieram alegrar as segundas e as terceiras noites se apagaram com a quantidade de fogos lançados. A lareira estava apagada. As noites entraram. Pelas chaminés. As noites mortas. As noites estavam mortas pela manhã. As luzes estavam apagadas pela manhã. As tais pessoas apagadas pela manhã. As verdades deitadas. As paredes caídas. A calma pela manhã não acordava antes do meio-dia. Antes das novas notícias, as pessoas ficaram cansadas. Foram dormir. As pessoas foram trabalhar de táxi. As cadelas se deitaram não muito tarde. As madrugadas deitaram orvalhadas, acordaram úmidas, esperançosas sombras, uma chuva fina vinha sair das nuvens, descia assim, quietinha e transparente, por cima dos galhos, as folhas, as folhinhas no chão, as formigas não descansavam. As estrelas não se molhavam, não se incomodaram, nem se incomodariam, as luzes e as águas correspondem a sensações estranhas, no cosmos a água e a luz, a matéria, os vazios, os negros, o espaço. Acabava-se as falas. A manhã morreu de manhã, ela acordou morta de manhã; um muito morto, um pouco sozinha, um pouco de água, um pouco de madrugada faltou, uma noite sem números melancólicos. O lençol não tomou sol, continuou branco. O certo cheiro e as noites souberam perfurmar as esquinas, alguém bebeu covardia na esquina, alguém morreu na covardia na covardia dos carros; alguém caiu na calçada fria, as gotas caíam e alcançavam nas calçadas diversas cabeças, as pessoas nadavam de manhã. As vozes sentadas nas gargantas, alguém contou o que aconteceu. De manhã, despediu do que aconteceu. Foi embora. A manhã foi embora. Deixou ali a ternura e a calma. A manhã foi ver a noite. As manhãs foram dormir.

As tardes estavam todas elas deitadas. Vagalumes e os relâmpagos não amenizavam o que todas elas encontrariam. As noites encontrariam. Amanheceu. Amanheceu tarde, e bem antes, os que foram mortos pediram, não amanheceu saudade nenhuma. Uníssono. Silenciam. Os gemidos. As saudades não querem acordar negras memórias, essas noites de verão são quentes, são quentes, são, os dias quentes morrem. Os dias nasceram quentes e no mês gordo de tanto azul retorcido, o azulado, carecia nas noites os azuis frios.

As estrelas gritam com sua luz silênciosa.

Anunciam silenciosamente quando chegaram ao fim, iluminando cegamente o cosmos que verdadeiro vai aqui e muitas vezes nestas viagens silenciosas as estrelas encontram gritando silenciosamente pelos caminhos conjuntas matérias mudas que se deslocam friamente por entre distâncias quadradas. A luz não encontra na eternidade aconchego e parte sempre deixando o grito. A luz acordava silenciosamente, viajava silenciosamente chegando de manhã, chegando de noite, chegando. Alguém perguntou qual era a noite, quem continuaria a iluminar, quem deixaria de viajar de noite e no dia seguinte seguiria silenciosamente e nada aconteceria falado, a luz caminhava muda os caminhos; caminhos enviavam sinais dispersos. A luz não dispersava as horas, os gritos, o silêncio apostava em mais silencio, as estrelas não parariam de gritar com luzes silenciosas. Uma vontade de vomitar, e uma dor tão grande, como tudo é assim, é sim, tudo no cosmos coicinde cosmos, imensidão, as manhãs separam, as madrugadas mortas, o universo, os universos, o cosmos, dói a duração e a extensão. O pensamento sente sozinho. Quando gelatinosamente comovidas; as coisas estavam e estão iniciadas, daí vai, sendo o que chega um dia termina indo. Parou de madrugada mesmo. Enquanto começava o socorro a madrugada amanhecia mesmo. A noite amanheceu. Amanhaceu morta. Sem receio. A madrugada já não podia ser. Alguém o chamou antes; não levantou. Sua filha desistiu. Doeu o sono dele. Antes de doer intensamente. Estava morta de manhã. As vezes as meninas usavam saias coloridas e andavam pelas ruas brincando de colorir. As meninas estavam nas praças antes da inauguração das mortes. Essas cores escritas no papel, estas falas ditas quando e sempre pelos nomes. Os nomes tornaram as ilíadas tão distantes; o que se destaca são no tempo; acabou os inúmeros espetáculos. O gosto só pode conter recordações.

Pararam de trabalhar. O sol ia recolhendo do longe os raios para perto enquanto caminhavam de volta para as casas. Pela estrada os mesmos telhados retorcidos, a cal caiada e esmaecida, os insetos e os gritos silenciosos das estrelas. A lua declarava quais as condições do plantio; não sobrevinha na luz amarela ainda a noite. As pernas rígidas. Os chifres. Animal; o cavalo morto. O burro enxergou. pela estrada. Sentada no colo a caminhada parecia brinquedo de alegrar. Um subir e descer mágico ventava o rosto que percebia as sombras crescerem, diminuirem, transpassarem o tamanho até chegar a ir de um lado ao outro. No chinelo o pai carregava no braço uma menina que com o bico pouco temia; os gritos contemplavam esperança.

No escuro; o abdômen suspendeu, tensionou, abaluou, encontrou sossego e a porta fechada; silenciosa. Que a última noite terminasse.

É muito frágil feliz. Podem ser as pequenas paredes. Os musgos e os tijolos tontos. O desenho no papel. A investida ou o enudado. Beijar; e ser beijado. A boca, a qual desloca. É muito vermelho no papel. Fragílimo o papel. A cor vermelha não estava totalmente feliz. Senitia calor; o calor é frágil. A doce brisa e um sopro assustado. Na pele. As lágrimas quadradas rolam. Fragílimo, o animal sem dormir. A noite sem dormir, macerada. O fragílimo descansa.

A chuva untou o ar antes do sol voltar a desaparecer.

O dia desceu breve e dóia lentamente. O tempo passava rápido mas dóia, incomodava acontecer lentamente e rapidamente naturalmente, ocasionalmente, de qualquer jeito dóia. Longe, não estando no lugar. Não estava, em lugar de um outro, este dóia, dóia ela lá. Dóia, era... Dói. O jeito dóia. Dóia a luz do dia, aberta e cinza. Dóia cinzento e fechado, cheio de noite, o dia dóia.

Estava esperando que se comunicasse. Esperava e não acontecia. Não podia parar de trabalhar; andava pensando, estava e sofria. Agora, sua voz acaba rápido. Este aparelho. Você fala com o rosto. Eu queria vê-la. Voltarei a semana que vem. Tenho que terminar; choro, mas vou terminar; é preciso trabalhar com ou sem amor. Eu não preciso de amor, eu preciso de você. Eu preciso trabalhar. Eu te ligo mais tarde. Estava farto de tudo. Pego neste aparelho, ouço a tua voz, a dor passa, mas a dor volta. Semana que vem estará tudo terminado. Poderemos comemorar. Deitar. Dormir. De noite. Falta fazer a metade. Dez dias de trabalho. Comeu muito chocolate. Não bebi muito. Tive vontade. Não telefonei antes; adianta. Dói. Dói. Dói mesmo. Vai doer mais. Você vai ver. Vai doer mais. Muito mais. Mas passa. Pra doer mais. Vai doer mais. Pra doer mais. Dói e não se pode evitar.

Não conheceu outras árvores frondosas como aquela, as árvores estão desaparecendo do cotidiano. Desaparecendo. O cotidiano está desaparecendo. Como dunas. As areias molhadas não se movem. As areias sentadas não são perigosas.

A sorte acabou ontem. De noite, após a noite. Acabou de manhã. A sorte acabou de manhã. De manhã, o carro batido; sem rodas.

Agora; aconteceu ontem. Recordou agora; hoje, sem encontrar a lembrança certa; ainda conseguiu adiar o choro. Incertamente inúmeras lembranças adoeceram o espírito festivo. Amanhã o estado ganharia o estatus; a dor adoece doendo. O espírito partiu as memórias; uma mesma marca na maca. O prato metálico do cerébro repleto de guloseimas coloridas. Desidratadas imagens. Esmaeceu os olhos cegos; não podia ver as imagens com os olhos. O cerébro enxerga sem os olhos verdes, castanhos, azuis, violetas, sem os olhos cegos. As recordações agora tinham uma outra visão. O interior ainda enxerga o interior. Repleto. Novidades. As medidas mortas. Atrás dos olhos, atrás do mundo, o cerébro bebe o hoje o ontem e o amanhã. O tempo que passa, esvanecente, captado em largura e tamanho, retido num só interior demonstra ali bem atrás do que se enxerga uma estrutura outra; uma abertura fechada, opaca, fechada e aberta, aberta e fechada, uma fachada sem cor, um ardil silêncio, falaces de todas as falas que se perdem em recordações mais ou menos puras e sujas. O cerébro enterra os sentimentos muito longe. Linhas e contornos, diversas invisibilidades. O cérebro repousa sem descansar, parado; movimenta pequenos interesses pelo mundo muito morto. Saudade dos mortos. Saudades do filhos. O cérebro começa a navegar. O cérebro inicia dormir. Dormir. Falar. O respeito começa quando os olhos dele se abrem. Os olhos se comunicam com o cérebro, avisam do mundo o corpo do mundo, colorem o mundo com cores tristes, os olhos caem em desuso, estão abstraídos, absortos pela paisagem negra de uma janela. O território da visão guarda certa luz. Os olhos só conhecem uma espécie única de iluminação. Anoitecida a luz, o cérebro tateia e percebe o escuro e o claro, reintegra em sua câmera todas as fotos do mundo, concebe afastado de si mesmo a si mesmo afastado. O mundo observa esquivando da observação e ele impróprio e absorto, gagueja em imagens ou talvez em palavras visuais o sentido escuro de enxergar sem as pupilas dilatadas, torna-se o cérebro do cérebro, atrás, atrás, nucas do mundo. A escola matemática do mundo produz números miseráveis. O cérebro não pode contar sem morrer aos poucos, se vier a sobreviver adormece no escuro. Anoitecido e adormecido, sozinho e cego, enxergando e visivelmente sozinho sem as mãos ou sem outros acessórios, sem respirar o cérebro recebe as radicais moléculas, conforme a hora, os momentos que se iniciam ao acordar e que continuam a desfiar por entre diversos dias, o mesmo desempenho do que é antes e do que sempre vem depois, atrasado, não pode alcançar os mesmos êxitos, quando já não existe o que se fazer, nem o que se tomar, quando a verdade enterrada na opacidade íntima de tantas curvas machuca, não se pode deixar de dizer, sem qualquer possibilidade de se movimentar, mesmo estando em vigília rápida ou indecorosa, mesmo quando certas insinuações de qualquer área do tempo aparecem e o visitam tornando-o um cesto cheio de roupas velhas ou novas, sem cortes ou com cortes modernos e distantes de qualquer cultura local, não pode deixar de ser como pedra, fixa, ali no chão, silenciosa e mutilada de matéria, a matéria do cérebro, a eletricidade encarrega a ele a condução dos ônibus que ao acordarem numa manhã que embora seja uma remansa manhã, causa-lhe transtorno, indeléveis transtornos, conduzindo tantos itinerários díspares e assim mesmo não mudando de lugar. Talvez certos passageiros se queixam dessas monotonias arbitrárias, essenciais, muito embora sejam elas a guisa de certas necessidades uma falsa necessidade. O cérebro necessita. Do que ele necessita, do que ele precisa, aonde poderia ele ir, quando poderia chegar, o poder partir em viagens um pouco mais doces do que aquelas que anoitecidos os dias acontecem sem acontecer.

A noite sem lua. As lâmpadas queimadas. As matas em chamas. A seca sem esquecer que a piedade mata. A humilhação que a seca impõe resalta nos corpos uma certa anatomia que a medicina não conhece. Pode ela curar certos corpos, pode ajudar os ossos a fraturarem as almas, os médicos podem induzir os muitos corpos a ficarem contidos, resguardando uma doce moléstia que trabalha para transformar a morte em heroína, como homens verdadeiros os aparelhos dentários nunca tiram férias, os corpos cuja a seca maltrata conhecem os signifcados dos sóis, os sóis das terras que se queimam, a terra abóbora, o significado da abóbora, os burros e os jegues que encaminham pessoas a se livrarem de todas as esperanças, os animais cujas as vontades se expressam sem o subterfúgio das obscenidades, os animais possuem uma indecorosidade que não pode ser vista a menos que, guardada as devidas proporções, a obscenidade da cara é faminta, viva, a fome vivifica. A natureza está morta pelo mundo, a natureza não pode escutar a humanidade, a natureza não pôde conviver com as ambições dela, a natureza não pode existir, a natureza das coisas estão mortas. A ficção mora dentro destes milhões de cérebros que fulgentemente criam as primeiras e as últimas. A natureza das mortes, entre a opacidade do cérebro e a ficções criadas não há acordo, a cegueira dele, a verdade dele, entre todas as ficções o desejo de concordar com as mortes se faz sentir, resentir, dissolver, inexiste, fugir ao longe, para dentro, escurecido e iluminado, movimentando com somente cargas elétricas, edificando com palavras visuais o espírito do mundo, tudo que é espírito e opacidade se lança sempre em consideração com o mundo efemeramente afastado. Percorrendo os trajetos inomináveis os cérebros galopam entre fissuras, verticalmente o cérebro voa e cai e encontra aquilo que parecia ser o que é, e que é sempre as ditas riquezas; as brisas do mar e de todas as ficções. As ilíadas dos cérebros consomem o tempo inexistente; apropria-se da inexistência das mortes que não se podem acreditar, o navegar é fatal, a vida é fatal, a morte é fatal, as essências, o essencial está opaco, curtido, o essencial está quieto, falido, aqui e sempre aqui, a inexistência de qualquer natureza, a verdade em sua natural mesmice sabe que é cérebro, os cérebros são fatais, são mortes concisas. A morte pensa o homem diferentemente do que os cérebros se pensam, não há distância entre o cérebro e o cérebro, entre todos eles uma escola morta perpassa, a escola humana se acaba, miseravelmente, miseráveis, opacidade, miserável opacidade, indeléveis opacidades. A costura que o cérebro intenta se rompe em instantes de conhecimentos, tais afazeres fúteis são as novas cegueiras, as novas e tristes realidades. A realidade está fatal. A fatalidade é por demais opaca, é por demais leve, é sempre um pedido carinhoso, um doce cortejo entre os homens que morrem ainda cinco minutos homens, ainda tendo os mortos e a lástima. A verdade do cérebro alcança pelas angústias uma divisa fronteira, a cerca de todo espírito são os corpos, poderosos corpos, graças a eles, o cérebro respira morto, parado, sem perturbação da felicidade o cérebro pode sofrer e se conter por pura ingenuidade, a fatalidade mata a fatalidade de morrer, morrer é uma verdade inexprimível, mentirosa, real, o real mente, por pura opacidade ele mente, ele aceita a mentira, e a ficção, forma, um conjunto de idéias falsas, a fatalidade é falsa e verdadeira, verdadeira e mentirosa, mentirosa e apaixonante, essencial e expugnável, responsável e perdida. A fatalidade deseja ser outra coisa que seja sempre uma mesma coisa, uma coisa que se encontra em certas visões. A visão se fecha, todas as flechas se encontram no alvo da opacidade. O cérebro abre, se abre, se fecha, se abre, se fecha, se abre, se fecha. Fechado. O cérebro morre e mata. Se mata e sobrevive fechado, aberto quando se mata, se mata vivo, vivo se fecha, os dias de todos os cérebros são cinzas, as noites de todos os cérebros são sem sombras, sem estrelas, sem anoitecer, as noites ficam sem anoitecer, ficam como os dias são; mas não tem, as noites não tem. Os cérebros não tem luz. Os cérebros não podem morrer no escuro, o escuro não pode ver a própria opacidade, a opacidade não vê a sua opacidade, o cérebro pode, pôde, pode, pode morrer sem invejar a paz, pode temer a eternidade como se teme a efemeridade, o cérebro pode dizer o que acaba, se acaba ao dizer, ao dizer acaba. Acaba. Acaba a escuridão. Acaba anoitecendo. Acaba respirando. Acaba andando, de um lado ao lado, parado, andar parado, movimentar parado, amar parado, sair parado. Calar, calar, os sinais se calam. São verdadeiras ilusões, precisar de um cérebro, precisar morrer, é necessário morrer sem atrever a enfrentar a opacidade, atrever, entrever as dores, antever e conseguir todas as dores, as dores longas, as curtas, as vezes os cérebros enlouquecem, se libertam da opacidade, mas o que há de mistério na não opacidade é completamente irrelevante, assim a libertação é momento puro, pureza que nenhuma criança jamais experimentou, o cérebro libertado é um cérebro mais do que ingênuo, ele é um dia rosa pintado de azul, é verso ruim metrificado, é um aspecto monótono do amor, é uma verdade que se lança redonda, como uma bola quadrada, o cérebro não pode mais rolar por nenhum campo, nem pode mais se retrair e se satisfazer. A opacidade satifaz ene condições, mas a condição de ser livre não é permitida, muito embora seja uma precondição de toda opacidade, a liberdade do que seja opaco não pode ser encontrada, não pode somente por uma única razão, a razão de ser opaco é guardá-la da esfera dos homens, dos ladrões que se permitem saquear tudo e todos em prol de alguma coisa que a ficção muito singelamente disse que é o ser. A opacidade guarda o ser.

A poeira recomeçou a clarear, iniciou na brisa a maldita manhã. O algodão doce rosa multiplicava rasantemente por ali bem perto do chão onde as formigas olhavam saudosas. O esquilo alvo escrevia no céu as queixas e as chuvas se dissipavam velozmente pela acobertada planície. Não estava na hora de chover, não era hora para viver, e o vivido estava ali, cheio de intenções obscuras; salientada as novidades, onde está o mundo, tudo se ausentava de delicadeza.

As pedras desciam pela encosta íngrime sem vergonha nenhuma. Uma alcatéia de indivíduos incomunicáveis. As arestas arredondadas pelos mares históricos mimetizavam outros espíritos. A fertilidade silenciada comportava rastros de vegetal. Arbustos retorcidos, algozes espinhos, frutos inativos nutriam certa esperança, espécies de pássaros secretos aqueciam os ares com seus sons gelatinosos que pelo vento mudavam a estrutura do tempo. As nuvens bestiais e baixas devolviam as pedras o brilho ardido do sol porco e sujo. Elas não usavam protetores. As peles descascavam. Uma variedade de cancer pigmentava a encosta. Despidas de qualquer proteção, as pedras se acomodavam temerariamente no solo pobre. A atividade da vida parecia se cristalizar. O que se via pelo ar, o co2 queimava. O movimento das pedras, o dia nuclear subia pela encosta, escorregava do outro do lado. As narrativas presentes em tal lugar refaziam em sinais surdos e mudos uma descrição que podia ser filmada por uma câmera fixada no tripé. Uma longa observação acontecia, largatos saudáveis desciam pelas costas delas, um grupo restrito de aranhas, as divindades rastejavam pelo chão em busca de qualquer roedores. Não havia veneno em matar. Tal ação se consumava sem desperdício de qualquer piedade, e a humilhação imposta pelo porco sol era aceita sem a variante da dor. O riso se fazia desnecessário. O sentimento de mundo poluía a obrigação do lugar, o permanecer jubilava de acontecer. Era estranho, as fossas naturais, as tocas abscondidas guardavam com enigmática vontade as letras das músicas, percussão de um tempo remoto, a surdez não podia ser completa e alcançava certo timbre esvanecente pelo vento. Ele estava amarelo, não falava japonês mas reconhecia nos olhos o novo habitar. A brisa matava na mesma proporção que rezava por melhores dias. Os dias piorariam. Julho visitava a ilusão do lugar. Resecava ainda mais. O excesso era todo permitido. As águas que sobreviviam muito abaixo dali escondiam em cor preta sinais marcantes de melâncolia violenta. O vazio estava em todo lugar, sem dialogar com nada, era incorrespondente, invisível e explícito, enorme. Sabia a finalidade do lugar, mas não exprimia nada. O nada criava as mesmas tarefas. Os gaviões riam em solitárias árvores. As borboletas desperdiçavam os encantos da cor sem pintar o lugar. Não havia pintores, nem mesmo arquitetos, os engenheiros seriam inúteis, os geólogos estariam sendo, sem saber, envenenados. Os médicos não poderiam executar a medicina, os únicos remédios pertinentes em aparência guardavam uma estranha devoção de se esconder os efeitos entre as horas dos dias. A estrelas dormiam de noite e pelo sol porco a fora emitiam placidamente gritos silênciosos de luz. A morte descansava ali, sozinha, sem perturbação, os sentimentos não viam no que se apegarem. As encostas avermelhavam-se. As pedras telefonavam surdamente quilometros para frente, anos para trás. A morte sonhava a repetição da paz. Descansava e cansava as pedras. O sol porco não a incomodava. Sorrir também, não sorria. Dançar sem música não podia conter nenhuma graça. A graça incomodava. Os ruídos eram fortes, os pássaros estavam fracos para continuar a cantar ao meio-dia. Agradava vê-los algumas vezes ser engolidos por algum outro mais forte. Sentada, o odor execrecável do sol ingerido alentava ainda mais. Incólume ao calor, a luz não podia cegá-la. As pedras não escondiam a repulsa; o silêncio sufocante penetrava-as sem estar devagar. O silêncio era perseguido pelos os ruídos. Alcançava as pedras, a prisão lhe parecia segura, e era. Os ruídos não entravam. A surdez delas era tão maciça que mesmo a poeira não entrava. Ficava então ali até que fosse expulso pela noite. A frieza das pedras pela madrugada causava no silêncio uma mudança de estado. O silêncio sentia frio, restando então; sair, para sobreviver. A morte esperava do lado de fora, o silêncio era encarcerado na cela vigiada pelos ruídos que não perdiam a oportunidade de torturá-lo. O silêncio não dizia o silêncio. Resistia mudo até a hora do porco sol reaquecer os abrigos. Até lá, a franqueza do tempo custava a passsar. Os ruídos regozijavam. A morte não permitia que a lua adestra-se o céu.

No assoalho da casa estendia os cacos do copo e o leite deitado esperava ser resgatado.

Nas paredes não havia nenhuma novidade. Pelas janelas não ocorria de novo o fim da tarde.

A corda ficou parada. As árvores desistiram de balançar. A rua saía para ser uma avenida.

O apito soou enquanto estava no banheiro imundo.

Corria loucamente; encontrar o ônibus. Ia de carro para visatá-la no hospital. Inutilmente gritando pelas calçadas. Os sapatos no chão antes de deitar desfocadamente. As lágrimas acalmava-a. Morriam pelo tapete felpudo e sujo. A casa estava vazia. As louças na cozinha brilhavam. No álbum eram pretas. Os rostos dos avôs estavam parados. Se movimentava atrás do álbum. As mãos tocavam os cabelos anelados, os anéis pela pia, as falhas, as peras na bandeja natural. Na gordura dela, no lenço sobre os cabelos alisados estupradamente por algum ferro. As verdades do álbum. A bunda sentada no sofá, aquele riso doía bem fundo, a comida ao ser preparada, o almoço ao ser devorado, as crianças chegavam da escola. Um vendedor tocou a campainha. Uma doceira morava na esquina. A bruta tempestade pela tarde cheia de televisão. Uma quantidade de desenhos, o dia anoiteceu mais cedo e o costume do sol fora arrancado do lugar. Os raios dobraram sinos, e as igrejas rezavam vazias. O asfalto se afastava melâncolicamente longe daquela cidade. Ia por aí, perdidamente, alguém chorava escondido num canto da cama. Uma dose a mais de alguma coisa bem forte. O rosto arranhado, as coroas de louro, o trevo de quatro e cinco folhas dentro do copo cheio de água.

Uma corda enforcou-o; a cela cantava. Era manhã para uns, morte para outros.

Os homens se beijaram. Se entregaram a violência. Consumiram todos os tipos de ânus possíveis. O silêncio da cantoria delatava as façanhas do condenado. As novidades do mundo assomava-se em ódio. Os braços se debatiam perigosamente em busca do pescoço. O gilete, as facas, os pintos cresciam muito perto da boca, muito atrás daquele ânus. Os cérebros matavam a criança malvada sem cérebro. Os miolos expostos no pátio iluminado de sol. As últimas instâncias se esgotaram. As gotas se acabaram, a cantoria continuou até a madrugada da tarde. Um por um no ânus cheio de porra. Pinto por pinto, ereção em ereção, escorregaram os fracos para dentro do ânus. A poça crescia. Os miolos do cérebro estavam sendo aquecidos no sol. Pelo pátio a cantoria desagradava os guardas. A vida não era palpável, esquivava-se de ver o que eles faziam. O sangue escorria em deleite quase quadrado, os dentes rangiam nas celas do lado. As latas batiam agudamente. Os cobertores pegavam fogo. Os telefones tocavam incessantemente em busca de socorro. A tarde anoiteceu com o ânus já morto. Não havia nele nenhum aspecto de fezes. O que descia fluia densamente. Ó almas fálicas decoravam o rodízio. Ao pagar a conta; ao saber que seu amigo está morto; quando o silêncio tornou-se fadigado, pode respirar. Ele estava morto; não podia fazê-lo morrer, nem com seu ódio nem com seu amor, soube então, seu amigo estava morto sob o juramento da piedade, a humilhação tingia a noite com toda a raiva. Sentiu as celas sujas, pela primeira vez naquele ano não conseguiu evacuar. A noite em conta gotas medicava o sofrimento que não se permitia sentir. Não podia ser um alvo tão amigável assim. No dia seguinte, pelo pátio cinza, a cabeça custava-lha atender. Erigir ao sol, beber o ar lhe parecia intragável. O cigarro fenecia sem lhe apontar o fim. Os dedos estavam tortos, os pés mutilados, a barriga endurecida. Na cela em que estava os comentários sobrevinham sem nenhuma malidicência. Não interrogava-se com nada que pudesse atormentá-lo ainda mais. Sabia que era o alvo de tudo, muitos preparavam sua morte. Não temia; se ajeitava com rezas próprias aos pés de Deus. A corrente de ouro com um crucifixo muito feio no peito o tornava um ser diferenciado. Não se perdoava pelo que tinha feito, a sociedade também. Mas sabia que acabaria entrando no reino do céu, poderia demorar algum tempo para expiar toda culpa do mundo mas o jesus não lhe negaria mais alguma coisa. Depois daqueles imensos anos na prisão não poderia se imaginar estando eternamente em outro lugar que não o céu. O fortuito filamento de esperança nele atingia a proporção de um rio grande. Não duvidava mais da santa existência, não se permitia mais engolir-se por raivas mesquinhas, ainda matava na prisão, por motivos que julgava justo matava sem a precisão de antigamente, quando era jovem e inocente. Agora matava com ou sem luz, mas matava sem sofrer com qualquer tipo de angústia. Os objetos da faca eram podres em sua opinião, absolvendo-o de qualquer recriminação. Sabia que as maldades não levariam ao inferno, apenas descobriu que podia ser bom com quem era com ele. Antes tal equação inexistia. A sobrevivência falava mais forte naquela época, os filhos, a mulher muito feia ainda assim era tua, era mãe e não deixava de correspondê-lo naquela vida. A inocência acabou, ela foi morta em bala perdida, os filhos não tinha mais notícias deles, assim lhe restava certas memórias coloridas. Conseguiu com as mortes respeito e inimigos, esperando a sua primeira falha, sabia que morrerria ali, a guisa de dia ou da noite. Não comia nada que lhe ofereciam; não falava alto, não consumia droga, só fazia sexo agora consigo, e os guardas tinham como um homem sem medo da morte. Era falsa esta idéia, mas na prisão esta é a maior proteção, alastra-se como água e consome os inoccentes a jogar pelo menos não contra ele. Após uma semana sem a presença do amigo, sabia que a vida que era desprezível por demais para refletir sobre a morte. A doença ainda não havia lhe tomado, a doença mental que sentia movia seus músculos a ter um metabolismo bem lento, se poupava diariamente de qualquer estress sem nencessidade, fazia exercícios físicos pela manhã, comia rigorosamente o que lhe era suficiente e nunca, nunca chorava. Os pátios eram lavados todos os dias. Cada manhã oferecia a diferença de viver e ser vivido. Os olhos negros atalados a um rosto quase de carranca, um acidente havia lhe tirado a visão esquerda, não sentia dó de si mesmo, pelo contrário, tal fato expiara suas últimas maculas provindas da sociedade. Sabia que o resto da vida seria oferecido uma prisão, a morte natural parecia-lhe desagradável, se preparava para morrer matando um ou mais dos podres homens. Ao deitar-se na cama, os braços atrás da cabeça, a noite decantava em sua memória a imagem dele com os miolos para fora, muitas vezes já tinha visto tal contracena da vida, não doía ver os miolos do amigo no chão, doía sim não poder mais conversar; doía não poder mais perceber que o mundo não oferecia nada mais que a sua diminuta vida. A partir daquela amizade comunicava-se com seu Deus. Agora a telefonia havia acabado, estava preocupado, temia que Deus não pudesse mais saber do que tramava, isto lhe deixava nervoso. Não havia aprendido em casa a rezar. Sua mãe só lhe deu uma única coisa na vida, porrada, seu pai, nunca conheceu, assim buscou num jovem inocente uma raíz para seu problema. Ouviu a oração ser clamada tremulamente, achou bonita mas não entendia o que aquilo podia significar, que tipo de efeito podia causar em Deus algo que era apenas repitir. Nas primeiras noites depois que, com bastante custo decorou o texto, soletrava-a no cérebro, mas nada parecia mudar, seu amigo lhe pareceu ainda mais valoroso. Após o primeiro mês desistiu. Matou um por um dos pintos que o comeram, matava, cortava-lhes o pau, rasgava os miolos. Assim averigou a santidade do amigo. Na última que o fez, sentiu-se um pouco cansado, aliviado também sentiu, mas continuou sem comunicar com Deus.

O pomar doava inúmeras laranjas no chão. As galinhas, os porcos muito ao contrário da má fama viviam livres da sujeira andando de um lado ao outro. Havia também gambás, minhocas, insetos, fungos, calangos espertos e demasiadamente receosos, corriam a qualquer sinal de trepidação no solo para dentro de toscas de mato. Nem existia tantos ratos, mas as cobras descansavam do calor em alguma sombra que ardilmente visitava inúmeros ensejos de medo e gritos. Os gritos se fazem ouvir a longa distância com ajuda clara do eco que vivia aqui e ali quase ao mesmo tempo. As crianças muito embora fossem presença proibida, viviam ali brincando e traquinando preocupações anônimas quando largadas ao cuidado de si mesmas. Os anjos exaustos. As cobras sábias não defletiam a respeito deste assunto. Deixavam-se largar escondidas, olhavam certos gritos com constragimento e incômodo, mas não agiam de má fé quando topadas com aqueles monstrinhos andantes que cheios de energia deixam a qualquer um a imensa idéia de ser velho. As laranjas não lhe serviam de comida, de isca muito raramente. Os animais quadrados visitavam em busca de encrenca. Quando encontrou as crianças no pátio da preocupação não pode conter a ira. A vara de marmelo correu solta atrás das crianças. Sem chorar elas correram para dentro indo brincar com a televisão, brincadeira de ficar parada, piscando remotamente para que certas lágrimas desçam. Se aliviava aos vê-las como boneca de pano. Retornava as obrigações do dia mais bem aceita. A porta torcia quando o vento tornava-se mais áspero e rugoso. Não dividia a paciência em muitas tarefas, ao escolher o feijão do dia seguinte a acuidade se fazia sentir. A preguiça esquematizava uma fuga. Os micos cambiavam alegremente pelos galhos das tardes refrescantes. As laranjas e a sede. A água que corria pela ribeira menor do lado anteposto ao pomar refletia uma inspiração que pouco olhada não podia produzir versos mais vigorosos. Os animais utilitários estavam muito longe dali. Alguém muito pequeno dormia no berço. O silêncio assegurava a total satisfação. Retirando os suspiros de descontentamento com os vilões as crianças comportavam-se como adultos tortos. A criação de tantos animais não custava muito caro. O leite escorria pelo sutiã, que a esta altura, tinha um certo odor pútrido. Não se incomodava, mas não tinha mais coragem de aproximar do homem. O espelho ainda lhe mostrava sinais da fealdade que passava lentamente. As crianças não lhe davam tempo para desolar-se. Agradecia e desagradecia tal fato. A noite era muita curta, o sono picado mobilizava os seios ainda que dormidos. Nas primeiras horas da manhã conversava no banheiro consigo mesma o que tinha de refazer para o dia.

Ninguém sabia; a rua estendia de tamanho ao ponto tal; não podia atravessá-la. Não podia; se; vê-la atravessando. Nem estaria do outro lado com mais alegria. As margens em que se via entrecortadas pelos patrões passavam palidamente cinzas. A distância se fazia míope. Apesar de não requerer óculos as pupilas não se ajustavam a distância. Nadavam. As palavras separadas num acampamento dissipado de sílabas, o quadro negro escurecia, a esponja do tempo distendia as pequenas pernas e elas sentiam um peso ainda maior. O sinal não podia ainda fechar. Ainda não atravessaria. A enormidade do meio-dia, o sol encoberto de nuvens reforçava e muito aquela claridade que machucava incessantemente. A longividade aumentava quando encostava na boca os lábios; separado acima e abaixo, as pernas moles, verticais, as meticulosas paredes das pernas brancas que se laceavam não podendo ver que passos tomaria. Sobre os pés toda poluição sonora do ar. As veias já não possuíam aquele outro vigor que um dia existiu. Sim; e diminuía. Decrescia as pernas. A calçada sobre o mundo do asfalto. O primeiro passo. A primeira dor que sentiu foi não enxergar claramente. A conexão do cérebro com o corpo tornou-se mais estreito, os sentimentos estavam agora somente dentro de si, entrando pela fresta dos lábios. Os olhos parados vendidos como peixes. A areia cortava o petróleo enquanto que inúmeros ossos quebrados radiografavam infinidades. A ambulância chegou morta. A calçada do outro lado estava ali parada, continuou ali parada, sem demonstrar nenhuma reação. Ainda permanecia cinza; enquanto que; o sol desvencilhava de certas nuvens prováveis e espessas. A motorista chorava. Do alto do edifício eles não puderam decorar todo aquele movimento. A memória contracenava; a morte caminhou por entre todos os viventes, todos eles chocados, antecipavam a memória. As buzinas destruindo aquele barrulho, vagarosamente passavam, sem decoro algum, visavam a alegria, sentindo e mirando. Os cérebros se recusavam a sorrir. A criança olhou a boneca vermelha deitada. As sílabas se encontraram definitivamente sem qualquer acento. A morte, após cumprir a obrigação, impassível na consulta técnica, sem ater no rosto qualquer face. A motorista ali; sem o saber; para matá-la. A dor do meio-dia. O sol estuprador do meio-dia.

O leite fervia, fervia, sem derramar.

As horas deixaram de fazer tic-tac. Distraidamente o envasamento mecânico dos pulmões aumentava ainda mais a felicidade.

Correndo e correndo, pelo corredor negro da rua, entre os carros salvou-se daqueles grandes macacos. Pôde então ver o feito. De longe lhe pareceu mais valioso. De perto, ela soube extrair o lucro dele. Não podia abandonar a oferta. A geladeira vazia da mãe estava se matando de lavar roupa. Quando chegou com a sacola cheia, ainda com a boca cheia de bombom tomou o primeiro tapa. O segundo ainda já sem dinheiro, o terceiro e quarto veio como repetição. Assim descobriu que ela o amava. Saiu sem deixar morrer o riso do rosto. Os irmãos gritavam e tentavam impedí-la. Nada anoiteceu. A tarde escorregou ainda horas antes que as bobagens chegassem ao fim.

O vento trazia a sonoridade entre algures que se desconheciam, embora muitas vezes, o diálogo refratário pudesse aproximá-los. Desta feita a direção era única, cabendo assim a saudade e o carecer.

Um dia quente acordou as lâmpadas surdas e velhas. A poeira diletante tornava os telhados quase desnecessários. A frieza do sereno recolocava vida nas mortes inertes. Devolvia a elas os perdidos amantes.

A lua nascia pela manhã quase cega. Sem sentir frio; sem ser admirada; sem festejar com as estrelas uma linha se quer de poema. A luz falante do sol, sem pausa, amargava o que tropeçava em derredor. Não estava convidando ninguém a dançar. O sol assassinou a moça minguante. As estrelas surdas e cegas não poderiam testemunhar. Esta onipresença imprimida pelo cosmos alcançava a poeira abóbora. As luzes velhas se apagavam desoladamente. O ostrascismo era amarelo. Ninguém podia. O estupro era inevitável. Ao meio-dia, sem misericordia, consumiria toda a clorofila, toda xantofila. A amizade aquecia no sol. O agradável viria então na completa sujeição, a utilidade adviria sem ser provável, sem qualquer propriedade, o que poderia entregar o bom estaria enterrado, esperando oportunidade o reencontro adormecia. A tarde encostava no sol e ardia em febre.

As férias cardíacas da juventude passavam rapidamente por entre os trilhos bêbados que não levam a lugares luminosos. Os corpos adocicados e jovens se movimentavam no pátio quase que sem formosura. A beleza gritava exprimida em seios durinhos, em pensamentos que causavam certas azias. A pureza bestial, a liberdade de mãos atadas, as pernas cobertas de varizes cerimoniosas, que não apareciam e que não encontravam nenhum lugar para serem amadas. As calcinhas, todas elas brancas, cobertas de lacinhos, compradas e trazidas de casa, trazidas da loja para casa, da casa para o corpinho que crescia sem o prazer, causando as famosas anomalias femininas. Certos sonhos cuja simplicidade era tamanha que encantaria todas as galinhas da fazenda. As meninas não olhavam o céu, não enxergariam na beleza nada além do que um conjunto de futilidades que a serviço de qualquer finalidade imediata e arbitrária conduzia estas mesmas meninas a sofrerem. O sofrimento então nascia, sem ser tematizado, sem ser concebido, sem meditar, nem mesmo as reflexões mais rasas poderiam encontrar sentido. A dor nascia e quisesse elas fugirem não conseguiam. O sofrimento alugava os melhores momentos, existia sem explicação ali na mente, ali no baixo ventre, ali então, em casa, entre os que mais amavam, o sofrimento atracava, fixava nos lábios, sujeitando as mesmas meninas a fatalidade da dor. A dor que mesmo sem sentido existia diferenciando a futilidade da futilidade. A dor procura tanto, não medindo esforços, procura tanto que encontra os defeitos explícitos da vaidade. As meninas não estavam dispostas a recordar o significado da palavra, não poderiam recusar e nem assomar a futilidade desejada com as mais penosas esperanças. Nunca saberiam dissuadir da existência qualquer acorde de verdade. As barrigas acotoveladas de sol sonhavam no trânsito com certas batidas amorosas. As dores novamente devolviam a vaidade a futilidade enfocada. Apegadas àqueles corpinhos dissuadiam estes mesmos a ficarem atordoados não somente com certos carros, ou com certos olhos, as dores se aprontavam imeditamente a previnir as famílias as futuras falsas felicidades. A felicidade doía na sala e no espelho, e na hora de gesticular os corpinhos pelas ruas conheciam a dor da vaidade encobertas por elogios cacofônicos que ainda assim causavam-lhe impressão. Impressões pobres, mas não deixavam de fundamentar-se em algum lugar um pouco mais perdido do que o costume lisonjeiro que é ser amaldiçoado por elogios. Elas precisariam ser estupradas, e faziam elas mesmas esta boação colocando a beleza sádica a serviços de sonhos ignóbeis. As dores ficavam ali presentes também incentivando as meninas a sonharem para que assim, assim sendo, nasçam as matérias frustrantes que muito embora saibam ser passageiras, nelas permaneciam vivas num meio de cultura que perfeitamente alimentava-as. As dores não saravam nunca e continuando a existirem nas famosas mulheres que magicamente colocam o mundo no perigo mais prazeroso possível. As mulheres podem se satisfazer no mundo, podem satisfazer o que encontram no mundo e nelas uma parte respeitosa cresce vadiamente garantindo assim a não extinção das vaidades tão necessárias para economia de qualquer país desenvolvido. As meninas se preparavam para ficarem nuas, para ter filhos monstros, as meninas se preparavam para matar, para obterem dores sempre em elevados sentidos. Saíam das salas e dos banheiros sorrindo como estão, como são as amarelas fotografias, na frente e se voltando atrás, suas calcinhas brancas escurecidas e menstruadas, seus sutiãs verdes e lisamente transparente conduziam o mundo a novidades que embora não pudessem conter as satisfações necessárias, eram tomadas como igrejas evengélicas explícitas. O que se aprecia, se aparecia em todas as bancas, em todas as orações, e os deuses cansados de olhar já não olhavam para mais nada. As calcinhas iam ficando velhas, as brisas iam ficando velhas e a juventude ia envelhecendo. O bem não se tornava um bem, o mal extrapolava não somente os maléficios, e a saúde dos corpinhos se acabavam agradecidos das mortes e das dores necessárias. Os corpos jovens morrem jovens. As jovens meninas não se despediram mas o mundo diz adeus a todas elas. As bancas de jornais possuem mais fiéis do que todos podem imaginar. Os corpos velhos estavam agora nus nas bancas, os corpos velhos estavam sendo fotografados e os corpos nus destes velhos e velhas circulavam agora em todas as bancas. As medicinas precisam de novos consumidores. O novo mercado acordava agora, os velhos estavam sendo valorizados com os corpos aindas nus, próximos das mortes, perto de qualquer rua havia sempre uma foto do rosto que aproximando da morte mostrava as rugas do sol, das calcinhas. Os peitos caídos vendiam mais do que os peitos durinhos, os cremes eram fabricados pensando somente nos velhos, e os fotografos já se apaixonavam pelos monstrinhos enrugados. A pele marmota tinha docilidade, as dores já não sentiam aquele tesão tão grande, e para firmar qualquer cena bastava um cache injusto. Filas de velhos se atormentavam cheio estrelas e cheio de surdez. Os velhos enriqueceram pelo país. As fotos grotescas eram as igrejas mais eternas que a atmofesra terrestre podia planejar. Os velhos se tornaram os ícones de um mundo jovem. Os velhos derrubaram as rugas no chão, Os velhos tiram a roupa na rua, nas praias, cabelos brancos no saco eram fotografados pelos melhores olhos, as bocas beijaram todos os testiculos que andavam pelas praias, pelos bares. Os pintos caídos bebiam cerveja e eram aplaudidos nos banheiros onde a fila exagerava e libertava a urina alcólica. Os velhos erigeciam sem constragimento os próprios membros com outros membros, subiam a ladeira lentamente nus e observados faziam as poses mais marcantes do cinema. O século estava velho em qualquer lugar. Os outdoores em demasia não trombavam nos olhos mas eram vistos pelos maiores estetas do tempo, as mulheres, as mais bonitas, as modelos plageavam a velhice tentando expressar a feiura mais concreta possível que existia dentro e fora delas. A ignorância impedia-as de descobrir feiura em grau muito elevado, e fora, a natureza diluía as edificações humanas da memória. O plano central em grande parte se via então comprometido, sobrando a elas o carater representativo da velhice que era exposto também com sua nudez. Houve uma foto colocada em todos os pontos aúreos da sociedade, onde uma velha e um velho nus estavam ao lados de dois imbecis jovens, nus e com risos, com dentes brancos constrastando com a dentadura dela e com o buraco negro dele. Foi visto na foto o céu da boca dele, lá estava Deus avermelhado e fedorento sorrindo e vendendo um produto para as gengivas tornarem-se mais forte. Vele-me Deus pra quê? O explícito já não era verdade, e os nus estavam encobertos pela luz que o fotografo com muita acuidade escolheu privilegiando o céu e as rugas caídas em cima das bundas lisinhas. A população apladiu a publicidade detonando todo estoque da gengivite. O laboratório responsável tornou-se uma das maiores industrias do mundo. Assim mesmo houve momentos muito mais sublimes.

Inúmeras estrelas sumiam. A luz dormia no cosmos azul. Mal chegava, mal partia, mal dormia, mal gritava, ensurdecia. O sol deveria falar mais baixo na terra. As estrelas ensurdecidas, amordaçadas, cessante luz ainda tinha o cosmos. A luz sumia. Sem encontros. Silenciosamente. Nenhuma voz vazia. Nenhuma palavra significante. Sem sorrir. Os dentes azuis do cosmos. O ânus do cosmos. O que ele ingeria? A pediatria dele era desconhecida. O sol não se educa. As estrelas desistiram, aprenderam a sumir.

O ben-ti-vi fornicava no mamoeiro.

Ao sair do hospital desistiu de visitá-lo.

Abriu a porta, a noite já era completa lá fora, coberta de nuvens e adensada de carros, a lua era crescente e serena, discreta, não ria, nem recitava.

Ela o feriu com os dedos singelos e egoístas. Ela disse o que dizia. Ele pensava o que pensava. Se entenderiam a noite quando chegasse o tempo de ver no filme o que assistiriam à noite. Feriu-o utilizando mais de um dedo. Deixou de pensar certos pensamentos, mas não ficou a saber de outros. Ela o feriu com toda a mão. Dizia o que as mãos sonhavam. As duas mãos o feriram com todos os dedos possíveis. Não pôde pensar em outra coisa. Encostou o rosto nas próprias mãos agora feridas, recostou o rosto ferido nas mãos muito mais feridas, pôde então, pensou nos ferimentos. Pensou em ferí-lo novamente, pensou em perdoar-se com as mãos por demais feridas. Tornaria a ferí-las, não encontrou nele nenhum pensamento confortante, não encontrou nele nada mais que um corpo de boneca de pano, flácido e sem valor, o corpo que pudesse ser ferido, atingiria agora os sonhos das mãos feridas, as mãos adormecidas no rosto eram as mesmas mãos perigosas.

Ele. Ela escreveu morto. Ela estava morta. Depois de assassiná-lo, na delegacia ela estava esperando morrer. Alguém poderia torturá-la, extrair dela aquilo que nunca poderia saber de si mesma. Ela precisava morrer jamais podendo matar-se. As doenças normais não poderiam mais procurá-la, as drogas necessárias não estavam mais a disposição. Na cela estava morta as ações duradouras. A finitude ainda dura ainda mais que se espera. Nas verdes campinas estavam as crianças da infância. O passado não saía do lugar, porém mesmo assim poderia achá-lo mentiroso, poderia reconhecê-lo como pertencente a tantos outros passados. Poderia conhecer os avôs mortos antes do próprio nascimento. A terra natal do pai havia sido destruída por uma imensa represa. No colégio de freiras o hábito da reza não pode marcar a dor de silenciar-se todas as noites ausentes, todas as vezes que a diarréia lhe vinha acompanhar. As camas em parelelas sem uma transversal a se cortar. Não podia somar as ausências que a acompanhavam quando acordava depois de um sonho sempre esquecido, embora fosse este sonho razão e narrativa. As borrachas nas carteiras estavam aflitas para conversarem assuntos que impediam a realização das carteiras.

Correu chorando para o banheiro, correu com as mãos feridas e nele a beleza se refazia nos pensamentos que continham as chaves que abririam as mortes. As mortes estavam todas elas feridas no banheiro insípido. As mortes não eram de reclamar. As feridas não eram de reclamar. Os pensamentos nele estavam tontos e invisíveis, mesmo para ele; os pensamentos em completa fuga, partiam inutilmente para longe; inutilmente averiguavam algum lugar onde a sensação de abrigo enternecia os movimentos voluptuosos. Quedavam. Roubavam. Achados e perdidos. A ferida doía. O rosto sangrava pelo banheiro fechado. O sangue escorria no corredor. As mãos voltaram a ferí-lo com ajuda de todos os dedos plásticos e possíveis, foram criados novos dedos, novas mãos apareceram para ajudar a fazer da guerra um motivo de orgulho. Nele os pensamentos não se asingelavam. Não estava disposta a evacuar no vaso. Foi para o corredor cagar, foi para cozinha mijar em alguma panela, colocou a urina no fogo para esquentar. Fritou as batatas. Rancou os olhos dele com uma tesoura, colocou os olhos dele na urina quente. Comeu tudo. O pensamento nele não buscava alternativas. Quando deitou na cama ainda sem se cobrir com o lençol, as mãos voltavam a se ferir agora já sem os dedos, os punhos muchos, o corpo pobre e sem sangue, visualmente as paredes andaram, visualmente viu os pensamentos dele darem adeus. Na delegacia, abriu o banheiro com a tesoura de casa, ao encontrá-lo no banheiro, com o rosto sem olhos, ainda mais bonito, correu para a sala e sentou-se a espera do novo pensamento dele, a onda nascia ali bem atrás dos seus dedos sozinhos, este novo pensamento educativo repousava, adormecia. Não a torturavam como queria, se sentiu abastada na sala, se sentiu como ele, se sentiu ferida, suas mãos sangravam muito mais lentamente. Permitia as gotas tingirem o tapete. Ele saiu do banheiro muito mais cego e muito mais bonito. Os buracos vazios não impediram-no de achá-la na sala. O nariz atingiu o estado de beatitude necessária. As orelhas deixaram de ser sentidas pelo cérebro. O cérebro deitou em seu colo e ela pode acariciá-lo. Sem os dedos, sem as mãos, lhe restou mover a lingua pelo cranio sem cabelos. Untou a careca dele, a fez brilhar com sua saliva amarga. O pensamento nele ficou com tanto ciúmes dela, ficou sabendo da ação, trocado sem ao menos poder despedir.

Onde poderia encontrar esta loja? Perguntou ela mostrando o papel amassado ao moço já de idade avantajada. Desculpe, não posso ajudá-la. Nem poderia fazer melhor por você. Bastasse estar velho, bastasse estar impotente, nem com a minha filha, não saberia ser acarinhado por uma mulher como tu, estes famosos seios me deixariam perturbados, não poderia contar a minha mulher, esta espera e se esforça, eu não posso mais nada, não posso ler nem de longe, nem de perto, não posso chamá-la de meu amor, preciso encaminhar-me para algum lugar que sabe lá, preciso ver alguém tão velho quanto eu, alguém que sente tal decrepitude, não posso minha senhora te dizer aonde fica esta maldita rua, estes lábios estão perto e não me vêm como homem, não posso deixar minha saliva boiar, tenho que engolir as piores pobrezas, agora e sempre, não posso saber onde está a rua que procura, estaria chegando perto da minha casa, de toda a decepção possível, estou tentando me afastar das dores e a senhora singelamente está me remetendo a tantas coisas ao mesmo tempo, minha cabeça diminui a cada dia, recolhe com a tarde, fica escura como a noite, e a senhora me pergunta nesta simplicidade, com este decote, estes peitos se avizinham de mim e assim tão longe e estou tão perto de tantos fracassos, e não terá mais tempo para ouvir, me largará sem nada, porque já estou realmente tão sem nada, minha esposa fala sempre isso, cozinhando frescuras que me inibem de poder sofrer como queria, como preciso falar e a senhora me pergunta algo tão factual, me pergunta aonde moro, bem perto desta loja eu já inicio meu choro e delato com meus netos minhas sadias memórias que são esquecidas por mim, eu não tenho as memórias melhores e nem as piores, os nascimentos dos meus filhos me doem, e a senhora, gentil e vestida não percebe que a senhora machuca com esta pergunta simples, querendo comprar algo que de certo fará alguém feliz, não a custa de minha dor, minha senhora esqueça os velhos, a educação deles a safadeza deles é sempre diminuitória, eu fico cada dia menor perante todos, cada dia me torno um senhor mais asqueroso e sem nada que seja valorizado em mim encontra qualquer encanto, meus olhos estão firmemente opacos, minhas idéias estão sacras, minhas fantasias são torturas que não posso fugir, não me faça me lembrar, não me faça perceber o mundo tal como ele é, sozinho de mim, eu estou minha senhora sem nada, não me lembre de quem sou, não faça descobrir quem sou, não me mostre seus seios minha senhora, nem seus filhos, sua filha aqui é presente para me fazer doer, não me faça mal minha senhora, não faça eu desistir de girar em torno de mim, não me centralize minha senhora, não peça nada, eu não posso mais reagir sem sofrer. A minha velhice está só começando, não faça ela caminhar lentamente. Não bastasse perder os melhores amigos, não bastasse virar presa fácil de meninos e bandidos, não bastasse envelhecer, aproximar da morte sem ter o prazer como aliado, não bastasse perder os dentes, ficar repleto de cabelos brancos, sentir-se reverenciado porque na verdade apenas somos um imenso estorvo, não bastasse perder as filhas para outros, não bastasse envelhecer, mas a lentidão da velhice é por demais dolorosa, declinar a cada dia, nos restando somente uma amargura, cuidamos da saúde para quê? Minha senhora envelhecer é atividade que se faz constante, porém na velhice envelhecer é tornar-se um velho já sem aprender, é chorar por porções de bobagens, é ter memória apenas de si mesmo. Minha senhora, envelhecer mata a gente sem sabor nenhum. O respeito que nos ameaça é tão verdadeiro quanto nossa impotência. Não tenho dúvida, não informo ninguém, muito menos a senhora, a rua que procura é a rua de minha velhice, quero esquecer minha senhora, quero me deitar na rua como um mendigo, receber esmolas de estranhos, é mais saudável. Entre os nossos familiares a compaixão se confunde com a obrigação, a sopa é horrível, a farmácia e o geriatra são os únicos programas, aonde dói é a única pergunta sensata que nos fazem. Minha senhora, nos jornais sabemos de tantas mortes, no trânsito é tão comum, no mundo inteiro está repleto de casos e acidentes que levam a morte, o frio mata, o calor mata, mas quem tem que viver esta eternidade da vida sabe que morrer parece tão difícil, envelhecer nos leva a morrer parcialmente, a sensação de estar sendo dividido, cortado, diminuído, envelhecer é para mim minha cara senhora a prova mais legitima que Deus errou em seus planos, criou a dimensão humana mas não a experimentou, um equívoco que tenho que suportar sem qualquer trégua possível a não ser por uma única virtude ainda existente em mim, a capacidade de criticar a velhice é inutil mas faz com que saibamos que nosso fim e sempre pior do que podemos imaginar. O pior sempre piora e a velhice não encontra na morte nenhuma trégua, mas pelo contrário a morte é ainda mais terrível porque podemos apenas esperá-la como um mando lento que obtemos a cada dia um pequeno sinal que nos rebaixa a condição de animais inuteis e animais. Cagar é tão triste para um velho quanto espirar, ou mesmo comer, os velhos deviam comer no banheiro sozinhos, é verdade, comemos como animais doentes, precisamos de ter cochos individuais. Minha senhora esqueça esta rua e esqueça da sua velhice enquanto ela aparenta algo memorável. Esqueça do passado, na velhice o passado é a coisa que mais dói, ele foi vivido pela gente mas não nos pertence mais, é público como as nossas rugas.

Guiné era a única coisa que se via por cima daquelas águas.

Na saída, a noite ainda parecia fazer parte do filme.

Eles machucavam a mandioca até fazê-la virar pó.

Após uma semana, ainda estava no necrotério.

Deixou a calculadora apaziguar-se, escolheu o cafézinho mesmo frio antes de dar o próximo telefonema.

O caminhão tombado na estrada sofria de recordação. No hospital ninguém vinha visitá-lo. Os familiares estavam distantes. O médico libertaria-o na manhã seguinte.

Seu nome não havia aparecido no jornal, mas a rebelião havia ganhado o status de notícia. O enterro de presos é mais simples do que de pobre.

Quando deixaram o motel já de manhã o trânsito equacionava em segundo e terceiro grau.

Indenizou muito mal a família. Caído lá embaixo, os dias de folga apareceram para os colegas. A construção ficou parada.

As paredes levaram muito a sério toda aquela discussão.

A justiça do trabalho abriu a sindicância.

O médico legista encontrou nada no corpo dela.

O lanterninha não a viu tocar no pau.

As noites se acidentavam de madrugada.

A esposa havia feito a maldita sopa de cebola.

A balão de gás subiu apesar de chorar inutilmente para a mãe.

A menina foi buscada de carro apesar dos comentários invejosos e pejorativos das colegas.

Canta.

Dormia.

Vaiava.

Vadios.

Roubou.

Mudança.

Apareceu.

Esquentou a cabeça.

Seco.

Abaixou e ele viu.

O assento das lágrimas.

Deixou ela no trabalho.

Não voltou mais para casa.

Em casa novamente foi recebido como herói.

A lua se deixou tocar.

O sol não bebia água. Ela também não.

O ônibus parou de viajar. Sorriu ao descer na rodoviária de São Paulo.

As casas de papelão e anãs correriam velozmente para chegar na cidade. Não conseguiam; as casas e os moradores; chegar à cidade.

Começou a procurar o cachorrinho quando anoitinha já se apontava pelo alto do morro. Descalço ele e o cãozinho. Não puderam se encontrar. A noite já gerava os filhos bastardos quando se apercebeu que ele não estava no entorno e nem no barraco. A raiva amedrontou o pobre coração. Ele voltou ele mesmo para casa. Seus irmãos disseram que a mãe de todos havia saído indomavelmente a procura dele. O meu cachorrinho apareceu? Ela encontrou ele chorando pelo pequeno que perseguia junto com um bando a cadela. O choro agiu como um anjo. Foi-lhe poupado a surra merecida, acumalada a raiva e as obrigações, em pouco tempo tudo seria quitado na devida ora.

Os boizinhos batiam os sinos em todo canto de terra, assim mesmo, a anatomia, apenas comovidamente.

Na mesa do bar alguém muito especial contava uma piada sem graça. As bebidas elevavam a noite, aumentavam os seios dela, o rosto dele parecia obra de fato, os cabelos pretos tornar-se-iam mais tarde pálidos. A mágica fazia as cartas provarem que os olhos são verdadeiros jabutis. Os risos se assomavam em falaces alcólicas. A alegria encaminhava a becos escuros. As palavras disparavam as suas intenções. A música modulava entre elas, entre tantas necessidades presentes o grito ganhava um espaço ainda sempre maior. O silêncio aparentava não obter qualquer lugar, reencontrava na surdez dos íntimos a saída e a entrada melancólica.

Sentaram-se empenhados em esquecer todo trajeto que os levaram até ali.

Esquecer a fome. Esquecer os medos.

As crianças faziam dormir.

O banheiro emporcalhava-se impossivelmente.

Desejos pereceriam em copos esvaziados. Mentiras secas em cima de mesas redondas. O debate dos úteros, as orelhas mortas e a boca apenas molhada. As porções de batatas, de mandioca, a carne oca das pernas que se cruzam, os dejetos de pureza, as próprias mandíbulas aparelhavam os dentes a sorrirem, a língua cortada, a calma anoitecia sozinha, madrugava sozinha, bebia esvaziando sozinha homens e mulheres. A morte viria a ser de manhã cozida naquele famoso e condescendente sol emporcalhado de claridade que faz com que enxergar seja sofrer por uma esquina, por um filho, uma criança na rua, sozinha na rua, na noite da rua, uma festa bárbara que não continha nem certo ressentimento, seja ele o mais reles, o mais fútil. A superfície do bar era irregular, ondulada, o degradê de tantas roupas repetidas, assinadas por uma imensa calúnia. Toda empresa acredita na felicidade que proporciona, a bebida acredita nos seus efeitos; e os homens; bem como as mulheres; acreditam nos seus parcos encantos, mesmo que seja preciso acreditar, acreditar em certos fantasmas ou em certos dejetos de conceitos, com determinados sentimentos fica-se preenchido os sentimentos adiados, olvidados, norteados e doloridos. A troca fadiga o espírito, cria-se todos os tipos de amor, fazendo com que todos eles percam-se a dimensão da fragilidade feliz. A existência latente se acaba almejando o díspare de si mesma em nome da palavra, adocicada, impiedosa, vazia na concatenação entre o outro e o outro e os outros tão bem abandonados e tão bem vividos. O outro de si mesmo inativo abre-se para despertar a palavra que já pode dizer o silêncio e o lugar a que se guia; o lugar e o tempo; amanhece nas portas de muitos corpos habitando o cosmos da antiguidade que fere o espírito que é enterrado em cemitérios humanos. O que é desumano brota assim pela pedra que ao fazer-se rolar de um lado ao outro do cérebro se lapida. A franqueza da dor está presente podendo ser sempre a espécie mais atenta e mais firme de amor. Amor este que subjaz o interior explícito, firme, jogado, julgado, o cônjuge do amor e a dor, e o marido da dor já não é a recíproca verdadeira, a verdade é unilateral, pode até refletir-se, expiar-se, manter o bem mas o efeito de tudo agora pode sentir-se num imenso e redondo silêncio. A bola que muito antes de rolar, de ser chutada, de ser amada, pode não conhecer os gomos de couro ou a câmera de prata, o foco do movimento é o ar, o ar preso que se mantém pela intensidade de toda a prisão a esperança de libertar-se. A pedra se liberta da pedra quando pode rolar como uma bola e picar como um bola e olhar o ar que lhe falta e dizer sem demonstrar ciúmes que o mundo, o velho mundo e o novo mundo, são as piores coisas que se afastam de todo o silêncio armazenado. A pedra não tem ar, somente silêncio. A sua densidade é invariável. Seu movimento se pode escutar, mas jamais uma palavra conseguirá dizer o significado, ou mesmo delatar com a palavra o cérebro que a envolve, as pedras são como os mortos, um lugar explícito, muito embora sem nenhuma participação exterior, as pedras são as existências que não foram criadas, nem poderão ser mortas, são gavetas que jamais se abrirão.

Toya Libânio
Enviado por Toya Libânio em 15/01/2019
Código do texto: T6551189
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.