Pela Flauta, O Fruto

Pela Flauta, O Fruto

Lunardo era um homem triste. Talvez o mais triste entre todos os tristes habitantes de sua região – a famosa vila de Tristópolis. Um remoto rincão onde todos eram tristes.

Vivia só. Sentia-se inútil.

Sua única vocação era assoviar canções. Mas, de que lhe adiantaria saber assoviar canções, se tal talento nada lhe renderia?

Assim pensava Lunardo. Porque todos assim pensavam.

Lunardo consumia seus dias pensando na existência. Na insípida existência que tinha e que, segundo sua vaga compreensão da vida, sempre haveria de ter.

Todos os dias, por volta das oito horas da noite, após ter assoviado todas as canções que conhecia, Lunardo adormecia. Porém, houve um dia em que isto não aconteceu.

Certa feita, quando se preparava para dormir, Lunardo começou a avistar, diante de si, uma figura de estranhos contornos.

Tais contornos, em princípio, se mostraram bastante difusos. No entanto, com o transcorrer dos segundos, foram-se aclarando. Até que se pudesse distinguir, desenhada no espaço, a perfeita imagem de um anjo.

Lentamente, o anjo se foi aproximando de Lunardo, que, paralizado, sequer imaginava o modo como deveria saudá-lo.

O anjo tocou suavemente o ombro de Lunardo e, antes que ao assoviador de canções fosse permitido proferir qualquer palavra, falou-lhe nos seguintes termos:

“Lunardo, meu irmão! A ti foi concedida uma missão!

A Majestade Celeste convoca-te a participar de uma Importante guerra!

A canção será a tua arma! A tristeza, tua oponente!

Tens a missão de libertar o povo da tua região do permanente julgo que lhe vem sendo imposto por esta feroz inimiga da evolução humana!

Doravante, de ti dependerá o destino dos teus conterrâneos! Por isso, passo-te às mãos esta flauta de prata! Oferta pessoal do próprio Criador!

Através dela, executando as canções que sabes, farás com que renasça a alegria no coração e no espírito de cada um dos cidadãos da vila de Tristópolis!

Assim deverás proceder, até que a tristeza seja, finalmente, expulsa!

Enquanto estiveres em missão, nada te faltará! Por esta razão, ordena-te o Mestre da Suprema Criação que trabalhes incessantemente, que jamais negues uma canção a um irmão necessitado e que nada cobres dos irmãos que te solicitarem uma canção!”

Profundamente extasiado, Lunardo tomou entre as mãos a bela flauta prateada e nela se pôs a tocar algumas notas.

O som do instrumento o agradou profundamente, a ponto de lhe fazer sorrir pela primeira vez em toda a sua vida.

Quis o flautista agradecer o anjo e afirmar-lhe que estava pronto a executar a missão a si proposta. Entretanto, isto não lhe foi possível. Pois, assim como veio, o anjo logo desapareceu no horizonte.

No dia seguinte à incrível aparição do amigo celeste, Lunardo saiu pelas ruas de Tristópolis levando consigo, apenas, a flauta.

O instrumento causava encantadora impressão em todos os moradores da vila, de modo que, cada cidadão que via Lunardo portando a flauta pedia-lhe que nela executasse uma canção.

Seguindo o conselho que lhe dera o anjo, Lunardo atendia com paciência todos os pedidos que lhe eram feitos, independentemente de quem os fizesse.

Bastava que se concluísse a canção para que os olhos de cada solicitante, outrora repletos de tristeza, se enchessem de uma alegria genuína e sempiterna.

Imensamente gratos pelos celestiais efeitos propiciados pelas canções que Lunardo tocava, os habitantes de Tristópolis, sem que o músico lhes cobrasse, saciavam-lhe, sempre que necessário, a fome e a sede. Nada, portanto, faltava a Lunardo, conforme bem previra o anjo.

Mas, houve o dia em que tudo mudou.

Analisando a profunda sensação que sua música provocava naqueles que a ouviam, Lunardo começou a sentir-se importante.

Começou a achar muito pouco tocar de graça para os seus conterrâneos, quando poderia apresentar-se para grandes públicos em renomadas salas de concerto.

Começou a considerar insuficientes as refeições que os pobres cidadãos de Tristópolis amorosamente lhe ofereciam.

Começou a sonhar fama, palácio, carros, banquetes, aplausos, carreira internacional e tudo mais que julgava merecer pelo seu talento.

Pensou em cobrar uma quantia cimbólica por cada canção que executasse.

Começou. Pensou. E apenas isto bastou. Para que a bela flauta prateada, de repente, lhe desaparecesse das mãos.

Lunardo havia concluído a missão. Coisa que ele não tinha percebido.

Todos os moradores da vila de Tristópolis se haviam tornado alegres. Todos, exceto Lunardo, cuja alma fracassou no último instante.

Hebane Lucácius