O contador (junho de 2018)

Augusto nasceu em uma sexta feira treze, o dia do azar. Por esse motivo, nunca acreditou ser possível encontrar uma mulher a quem ele pudesse merecer. Passava dos trinta anos e sua compleição física não ajudava muito: era baixinho e tinha uma pequena barriguinha. Também era narigudo.

Sua descrição física não colaborava com sua autoestima. Não ter a aparência do protagonista da telenovela já era o bastante para acreditar impossível um envolvimento com uma mulher interessante. E, se não bastassem a idade e a fisionomia, Augusto sofria de crises de asma.

Um dia, um colega da firma de contabilidade onde trabalhava tentou convencê-lo de suas qualidades. Disse o colega que Augusto tinha a capacidade de compreensão de um padre em confessionário e a paciência de um caixa de banco. E além disso, haveria nele um toque especial nos bonitos olhos claros cor do céu de janeiro, do começo do verão.

Por falar em qualidades, Augusto possuía alguns dotes conquistados na vida: um bom emprego que lhe permitia viver com alguma folga e uma pequena fortuna em dinheiro investida em títulos e valores mobiliários. Uma vez a cada dois anos podia fazer uma excursão por um país da Europa ou da América do Sul por quinze dias em cada viagem.

Pois, toda pujança econômica – e talvez os olhos azuis de Augusto – não poderiam passar despercebidos por Fernanda, funcionária subalterna da empresa. Conheciam-se havia poucos anos, e para ser mais exato dois anos. No entanto, nunca pareceu a Augusto que Fernanda o mantinha na mira de uma flecha de cupido.

O aparente desdém de Augusto em relação a Fernanda não era devido a uma distração do moço. Ele havia notado a beleza da colega de trabalho, mas acreditava que alguma atenção dessa mulher em relação a um homem tão pouco interessante como ele só seria possível como obra de um verdadeiro milagre.

Fernanda era polida ao extremo, razão porque trabalhava como secretária da firma. E era ágil o bastante para desdobrar-se na função de escriturária. Austera e compenetrada, agradava ao chefe setorial da empresa e aos colegas. Augusto trabalhava como gerente geral, dois níveis acima do nível de Fernanda.

Seus dotes físicos também agradavam a todos, e não seria diferente em relação a apreciação de Augusto, se não fosse a aparente apatia desse homem por qualquer mulher que visse. Ele estava simplesmente desiludido em relação ao sexo oposto e por isso não acreditava mais em nada que pudesse vir de uma bela mulher como Fernanda.

Era esguia, muito magra na cintura. A pela branca era tão branca quanto as paredes da igreja de Santo Augustinho, lugar a que frequentava Augusto uma vez por semana. Seus cabelos castanhos longos, penteados em forma de cascatas de cachos, exalavam um perfume suave. Mas a qualidade que chamava mais atenção era a discrição de Fernanda.

Pois a mulher mantinha-o na mira de uma flecha do deus do amor: continuou a perfumar-se modestamente e passou a frequentar a mesa de Augusto com frequência em busca de “algo que possa lhe ajudar”. Com sua maestria, terminava seu trabalho com celeridade e, por isso, dispunha sempre de uma ou duas horas à disposição.

No começo, Augusto não cedia às discretas abordagens de Fernanda, mas com o tempo foi ficando embevecido com sua candura e passaram a trabalhar juntos nas últimas horas do expediente. Terminada a jornada de trabalho, despediam-se cordialmente como bons colegas de escritório. Mas era tarde para Augusto: apaixonara-se.

Os dias passavam e aquilo que era uma alegria não havia ainda sido prejudicada pela rotina. Augusto já não sabia se olhava para os braços nus, os pulsos, ou o tornozelo da moça. Seus dotes físicos eram realmente atraentes, mas sendo um funcionário cuidadoso conseguia levar à frente com seriedade através de longos meses suas tarefas.

Casaram-se no dia 31 de julho do mesmo ano. O casal no altar da igreja de Santo Augustinho curiosamente deixava sem jeito os convidados: É que Augusto era uns dez centímetros mais baixo que Fernanda. Somados a isso a diferença de altura devido ao arranjo na cabeça do vestido de noiva e o salto alto, Fernanda parecia gigantesca.

Tiveram dois filhos nos três anos que se seguiram. Tiago e Antônio Carlos saíram à mãe: demandavam muitos cuidados, tendo os pais que superproteger os filhos muito novos dos raios solares que incidiam na pele excessivamente branca dos dois. Na cabeça, simpáticos bonezinhos protegiam os rostos dos rebentos.

Com o dinheiro que possuía investido, Augusto comprou uma casa de quintal grande para servir de playground para os filhos e para o cachorro, um dogue alemão apelidado de tigrão. Havia dois andares com dois quartos para a família e um terceiro para quando os meninos crescessem um pouco mais e desejassem seu próprio espaço.

Em um bairro de classe média-alta moravam bem, distando meia-hora da firma. Como Fernanda pedira desligamento do escritório para cuidar das crianças, Augusto permaneceu sozinho no trabalho. Os colegas teciam comentários unânimes, mas tímidos: “não há almas mais perfeitas uma para a outra!”

Mas um dia frio de inverno, quando completavam doze anos de casados, Augusto chegou em casa e não encontrou ninguém. Dizia um bilhete: “Não te amo mais. Levo comigo as crianças. Telefono da mamãe.” Fernanda se havia organizado muito para aquele dia, pois teve tempo para empacotar e levar metade de tudo o que havia na casa.

Ele sentou-se na cama de casal e assim compreendeu que o aroma do perfume de Fernanda impregnava o quarto e a casa. Teve uma nova crise de asma e pela primeira vez associou a manifestação da doença com o perfume da mulher. Lembrando-se de sua compleição física, e o narigão, deu razão a ela. Mas, o deixava por quem? Pasmou-se.