O segredo

— Xiiiiii — disse a mãe de forma prolongada, arregalando os olhos e pondo o dedo indicador de forma vertical na ponta do biquinho que fazia com os lábios. — Ele acabou de dormir, não vai querer acordá-lo, não é mesmo? concluiu balbuciando.

— Perdão, querida! — Disse sussurrando; continuou entrando pé ante pé, recolhendo os ombros — Não foi minha intenção fazer qualquer barulho.

A mãe o colocou no berço, e abraçados observaram o fruto lindo do amor.

— Meu filho é coisa mais linda do mundo, não é mesmo, meu amor!

— Seu filho não, nosso filho!

— Nosso filho, desculpa!

O casal do diálogo era Marcos e Julieta. Uniram-se em matrimônio mais pelo menino, do que por amor. “Um filho não pode viver sem os pais”, “a criança precisa de um lar saudável, dos pais morando juntos”; eram os conselhos que ouviam e procuraram acolher quase todos os que podiam. Julieta pediu demissão do emprego para se dedicar mais ao bebê. Eles trabalhavam na mesma empresa e eram muito amigos do patrão. Seu Franklin, como era conhecido, fez questão de demitir Julieta para ela ficar com todos os direitos e continuar (é claro) com um seguro desemprego por uns meses. Era uma amizade difícil de se medir.

Marcos e Julieta não eram namorados antes do casamento. Tinham alguns encontros casuais, em outras palavras, era um relacionamento aberto. O que não a impedia, assim como ele, de ter outros parceiros.

Alguns meses se passaram, acabou o seguro desemprego, aumentaram as despesas. Certa noite, antes de dormir, disse Marcos a Julieta:

— Não estou conseguindo pagar as contas, vou pedir um aumento.

No dia seguinte fez o que devia fazer, foi à sala de seu Franklin, disse meio envergonhado:

— Preciso muito falar com o senhor.

— Entre, meu amigo! Disse sorridente.

Seu pedido foi negado, segundo Franklin, a empresa estava passando por problemas financeiros e não iria aumentar nenhum centavo. Amigos, amigos, negócios à parte. Ao saber do desfecho sem sucesso do parceiro, Julieta resolveu ir pessoalmente falar com o ex-patrão.

— Mas se eu não consegui, você muitos menos.

— Deixa comigo, tenho uma carta na manga.

— E que carta é essa?

Desviou o assunto fazendo um sexo inesquecível. Dois dias depois, Marcos foi chamado no RH. Seu salário foi dobrado e ainda foi acrescentado duas gordas pensões: uma a sua esposa e outra a seu filho. A esposa de Marcos foi por muitos anos advogada da empresa e por isso, ele, por não conhecer bem as leis trabalhistas, deixou isso para lá, apenas comemorou e muito. Mas tudo não parou por aí, ia ganhando espaço na empresa, subindo de cargo até chegar a ser vice-presidência.

A vida só prosperou, nunca mais faltou dinheiro, compraram carros, casas. Dava até para abrir uma empresa, se caso Marcos quisesse. Mas ele não quis, gostava de onde trabalhava, dizia. Duas décadas se passaram. Todavia, algo inesperado aconteceu. Marcos contraiu um câncer e antes de qualquer operação veio a óbito. Ainda no hospital entre a vida e a morte, chamou Julieta, pois queria fazer uma confissão. Ela chegou, estava entristecida, olhos fundos de tanto chorar, sentou-se em uma cadeira ao lado da cama:

— Diga, o que você quer tanto me falar; mas já adianto, a essa altura te perdoo de tudo de mal que algum dia possa ter cometido.

Depois de um leve sorriso, ele disse com dificuldade.

— Perdoar a mim? Não... não te chamei aqui para pedir perdão e, sim para te confessar — Ela franziu a testa, continuou — Acha que me fez de trouxa, que não sabia?

— Do que você está falando?

— Do Abelardo, seu filho; seu não, nosso! Sim, sou pai, embora não tenha saído do meu “escroto”. Quando a esmola é muito grande o santo desconfia. Logo depois que você conseguiu as pensões e o aumento de salário, vasculhei suas coisas e achei o contrato, o exame de DNA. Fiquei chocado, mas ao olhar para aquele menino que já considerava como meu filho, resolvi ficar calado.

— Safado!

— Vagabunda!

— Isso pouco importa agora. Fui muito feliz com nossa família. Você errou ao se relacionar com um homem casado, mas não procurou destruir a família dele depois, mesmo tendo todas as armas.

Abelardo assumiu o posto de Marcos na empresa, anos depois. Mas com a ajuda do seu bondoso “patrão” abriu sua própria empresa e foi próspero nos negócios. Segredos são segredos e, se quando revelados podem prejudicar alguém, é melhor que permaneçam segredos.